Não há dúvida: a monitoração eletrônica é alternativa importante para evitar a superlotação de estabelecimentos penais. O encarceramento se tornou tema a ser enfrentado por todos os governantes, principalmente quando há presos em Delegacias de Polícia. Sob outro prisma tem-se uma preocupação importante com a violação de direitos humanos daqueles que estão submetidos a ambientes degradantes decorrentes da falta de planejamento das vagas.
O Conselho Nacional de Justiça, atento ao aumento do número de presos e a superlotação de unidades, passou a realizar inspeções e manter em página eletrônica um mapa quantitativo de pessoas privadas de liberdade[1], apresentando, em Setembro de 2018, um número de 31.568 (trinta e um mil, quinhentos e sessenta e oito) presos para 23.443 (vinte e três mil, quatrocentos e quarenta e três) vagas no Estado do Paraná, resultando em um déficit de 8.063 (oito mil e sessenta e três).
Igualmente com a finalidade de acompanhar as ações relacionadas à gestão de presos tem-se o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), subordinado ao Ministério da Justiça, sendo considerado um órgão da execução penal responsável pela implementação de uma política prisional, além da execução de planos nacionais, desenvolvimento de metas e avaliações periódicas.
No âmbito do Estado do Paraná tem-se a recente criação da Secretaria Especial de Administração Penitenciária cujo foco é aperfeiçoar a política estadual no trato do preso, permitindo com isso uma gestão atenta para resolver a problemática da superlotação. O Poder Judiciário Estadual também instituiu, por intermédio da Resolução n.º 148 de 2015, o Grupo de Monitoramento e Fiscalização com o objetivo de fiscalizar e monitorar a entrada e saída de presos, bem como outras atividades afetas a execução da pena.
Nesse contexto tem-se a regulamentação da utilização da tornozeleira eletrônica como mecanismo para a monitoração de indivíduos submetidos ao regime semiaberto harmonizado, bem como sujeitos à cautelares diversas da prisão. No âmbito do CNPCP foi publicada a Resolução n.º 05/2017 estabelecendo as providências relacionadas ao descumprimento da medida de monitoração:
"Art. 9º - Em caso de descumprimento da medida de monitoração, após esgotadas as tentativas de sua regularização, a Central de Monitoração Eletrônica informará o fato ao Juiz em relatório circunstanciado, que decidirá pela manutenção da medida, por sua substituição por outra mais adequada ou, em último caso, pela decretação da prisão.
Parágrafo único - Para a decisão a que se refere o caput, sempre que possível ou adequado a pessoa monitorada deverá ser ouvida em audiência de justificativa, na presença da defesa e do Ministério Público, sendo garantido o contraditório e a ampla defesa".
A Lei n.º 7.210/84, ao tratar da monitoração eletrônica, notadamente após as modificações promovidas pela Lei n.º 12.258/2010, igualmente prevê os casos de descumprimento da medida não privativa de liberdade impostas durante a execução da pena:
"Art. 146-C. O condenado será instruído acerca dos cuidados que deverá adotar com o equipamento eletrônico e dos seguintes deveres:
(...)
Parágrafo único. A violação comprovada dos deveres previstos neste artigo poderá acarretar, a critério do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa:
I - a regressão do regime;
II - a revogação da autorização de saída temporária;
(...)
VI - a revogação da prisão domiciliar;
VII - advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas previstas nos incisos de I a VI deste parágrafo.
Art. 146-D. A monitoração eletrônica poderá ser revogada:
I - quando se tornar desnecessária ou inadequada;
II - se o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua vigência ou cometer falta grave".
No âmbito estadual foi publicado em 1º de Setembro de 2014 o Decreto 12.015 o qual cria a Central de Monitoração Eletrônica no âmbito da Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SEJU), posteriormente incorporada pela Secretaria da Segurança Pública do Estado do Paraná (SESP).
Referida norma prevê no artigo 2º, §1º, que em caso de violação, a critério do juiz da execução ou do juízo processante, será revogada a medida benéfica imposta com a monitoração eletrônica, estabelecendo, com isso, o contraditório:
"Art. 2º Aplicada pelo Juízo competente a monitoração eletrônica, a pessoa monitorada será instruída acerca dos cuidados que deverá adotar com o equipamento eletrônico e dos seguintes deveres:
§ 1º A violação comprovada dos deveres previstos neste artigo poderá acarretar, a critério do juiz da execução ou do juízo processante, ouvidos o Ministério Público e a defesa as seguintes penalidades:
I - revogação da autorização de saída temporária;
II - revogação da medida cautelar;
III - revogação da prisão domiciliar;
IV - advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução ou juiz processante decida não aplicar alguma das medidas previstas nos incisos anteriores, no que couber.
(...)
§ 3º Acaso o beneficiário da monitoração tenha sido preso, e havendo necessidade de sua ouvida, esta será efetivada via skype ou por meio de audiência virtual".
O parágrafo terceiro supracitado ainda é inovador ao prever a realização da audiência de justificação por intermédio de videoconferência, demonstrando, portanto, a necessidade de garantir ao monitorado os direitos inerentes à defesa de qualquer processado/condenado.
Em sentido contrário o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, suprimindo o direito de justificativa perante órgão jurisdicional, atribuiu, por intermédio da Instrução Normativa n.º 08/2016, natureza jurídica de mandado de prisão para os mandados de monitoração cujos deveres tenham sido descumpridos pelo beneficiário:
"1.2.2.4 - Constatado o descumprimento injustificável de qualquer condição imposta, caberá a autoridade policial o recolhimento na unidade prisional da jurisdição, lançando a fuga e a prisão no PROJUDI/eMandado".
Este dispositivo inovador não está previsto em qualquer norma hierarquicamente superior que lhe dê suporte de validade, constituindo texto isolado no ordenamento jurídico, já que estabelece à autoridade policial constatar o descumprimento injustificável de qualquer condição imposta.
É nítida a impossibilidade de que haja expedição de mandado de prisão automático, restringindo a liberdade de indivíduos condenados ou processados sem que haja prévia ordem judicial expedida por Juízo competente. Isto se extrai do inciso LXI da Constituição da República: "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei".
Com este preceito estabelecido tem-se a necessidade de realização de audiência de custódia no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, nos termos do artigo 1º da Resolução n.º 213/2015: "Art. 1º Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão".
Neste aspecto deve-se considerar que a medida de monitoração poderá estar inserida em procedimento incidental a processo criminal cujo acesso se restrinja a determinado Juízo, o que impediria eventual realização de audiência de custódia no prazo estabelecido pelo Conselho Nacional de Justiça, representando possível violação do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, bem como da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
A instrução normativa, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, constitui espécie jurídica de "...caráter secundário, cuja validade e eficácia resultam, imediatamente, de sua estrita observância dos limites impostos pelas leis, tratados, convenções internacionais, ou decretos presidenciais, de que devem constituir normas complementares. Não se revelam, por isso mesmo, aptas a sofrerem o controle concentrado de constitucionalidade, que pressupõe o confronto direto do ato impugnado com a Lei Fundamental"[2].
Isto significa que a instrução normativa possui caráter interpretativo, não podendo transpor, modificar ou inovar o texto da norma que complementa. Esta é a conclusão do próprio princípio da legalidade a que está sujeita a administração pública. "Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza”[3].
Como no caso em comento houve inovação pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, é factível crer que a instrução normativa se encontra eivada de ilegalidade, sendo possível seu questionamento judicial por violação ao princípio da legalidade.
Notas
[1] http://www.cnj.jus.br/inspecao_penal/mapa.php
[2] (ADI 531 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 11/12/1991, DJ 03-04-1992 PP-04288 EMENT VOL-01656-01 PP-00095 RTJ VOL-00139-01 PP-00067)
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 88.