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O poder geral de cautela e o sistema processual civil atual

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Aborda-se a tutela cautelar e o poder geral de cautela dentro do nosso atual sistema processual civil, sua subsistência e sua delineação dentro dos ditames trazidos pelo CPC/15.

Introdução

Abordaremos aqui o novo tratamento dado a tutela cautelar pelo Código de Processo civil de 2015, com ênfase sobre as medidas cautelares que poderão ser adotadas e o poder do juiz para determiná-las (poder geral de cautela).

Cumpriremos tal tarefa começando por trazer algumas definições básicas sobre o tema para assim explicitar, de forma geral e breve, como o CPC/15 abordou aquilo que ele definiu como Tutela Provisória.

Em seguida, passaremos ao estudo do tratamento das cautelares; como foi a transição dos processos cautelares outrora existentes para a pura tutela cautelar que será concedida nos mesmo autos da ação principal (independente de ser na modalidade antecedente ou incidente).

Buscar-se-á a compreensão da tutela cautelar prevista no art. 301 e de sua atipicidade.

Por fim, trataremos do poder geral de cautela, poder o qual conferia ao juiz a possibilidade de determinar medidas cautelares de ofício, visando uma maior eficiência. Iremos abordar como ele se inseriu no novo sistema processual e quais contorno ele veio a tomar.


1)    Distinções e definições iniciais

A tutela definitiva, como o próprio nome sugere, é aquela que tem a pretensão de não mais se modificar, ser substituída ou extinta.

Ela é aquela obtida com base em cognição exauriente, ou seja, com um profundo debate sobre a causa, garantindo a todos o devido processo legal e o contraditório. (DIDIER. 2016, p. 562)

Já a tutela provisória é aquela concedida tendo em vista aquilo que Marinoni designa de redistribuição do ônus do tempo do processo. Segundo o autor, no processo, o réu tem a demora como algo que lhe é benéfico, pois, como em regra ele deterá em suas mãos o bem da vida discutido, ele não sofrerá nada com o tempo de demora daquele. Por outro lado, o autor terá de arcar sozinho com o ônus do tempo, já que terá de esperar até o fim para obter o bem da vida pretendido. Com a tutela provisória, é possível que se verifique caso a caso quem deverá arcar com o ônus do processo, prestigiando assim o princípio da igualdade.  (ARENHART e MARINONI. 2010, p. 43)

O CPC/15 trouxe no seu Livro V o tema denominado “Tutela Provisória”. O código nos traz aqui um conjunto de tutelas que se reúnem sob este exato título: Tutela Provisória.

Tutela Provisória é aquela que, em razão da sua natural limitação cognitiva, não é apta a prover definitivamente sobre o interesse no qual incide e que, portanto, sem prejuízo da sua imediata eficácia, a qualquer momento, poderá ser modificada ou vir a ser objeto de um provimento definitivo em um processo de cognição exaustiva. (GRECO, p. 200)

Na verdade o que houve aqui foi uma reunião das tutelas que tem como características a concessão mediante uma cognição sumária e que não é definitiva, ou melhor dizendo, poderá ser revista até a decisão final.

O CPC/73 trazia dois tipos de tutelas que poderiam assim ser enquadradas: a tutela antecipada e a tutela cautelar.  A primeira, prevista no antigo art. 273 era aquela concedida mediante existência de prova inequívoca e desde que houvesse receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

Na antecipação de tutela, nos dizeres do próprio código revogado, o juiz poderia antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial. 

Já a tutela cautelar estava prevista no Livro III do código antigo denominado “Do Processo Cautelar”.  Aqui se falava em medidas cautelares que poderiam ser concedidas quando presentes as hipótese fáticas denominadas pela doutrina de fumus bom iuris e periculum in mora.

As cautelares tinham como escopo conceder uma tutela que visasse assegurar a efetividade da tutela do direito que se pretendia ao final do processo. O que se pretendia com tal tutela é resguardar a tutela de um direito que por alguma razão se encontrasse em uma situação que poderia lhe levar a uma total inefetividade, como nos casos em que o devedor, para frustrar a tutela do direito do crédito do credor, desfaz-se de todos os seus bens.

O novo CPC, como já dito acima, acabou por agrupar estes dois tipos de tutela, antecipada e cautelar dentro do instituto tutela provisória. Acontece que o código foi ainda mais longe nessa nova estruturação: além desta reunião entre cautelar e antecipação de tutela, ele colocou ao lado destas outro tipo de tutela ao qual se deu nome de tutela de evidência.

A tutela de evidência seria aquela concedida com fundamentos não em um possível risco de dano, mas tão somente em circunstância que levem a acreditar que realmente o direito exista.

Segundo Marinoni, estamos aqui diante de uma técnica que viabilizaria a tutela de direito do autor quando os fatos constitutivos destes são incontroversos ou evidentes e a defesa infundada. (MARINONI, p. 276)

Na verdade, tal tipo de tutela já existia no CPC de 1973, porém estava prevista no art. 273 como uma das hipótese que autorizava a antecipação de tutela, mais precisamente o abuso de defesa.

Atualmente o código prevê como hipóteses autorizativas de tal tutela aquelas constantes no art. 311: “I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”.

O ponto distintivo entre este tipo de tutela da antecipação e da cautelar seria a desnecessidade de se demonstrar o risco de dano ou perigo. O código é claro ao dizer que A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo (...)

E é justamente este ponto que levou o CPC a agrupar a antecipação de tutela e tutela cautelar em um subtipo da tutela provisória denominada “Tutela de Urgência”, ao lado da Tutela de Evidência.

Podemos então afirmar que a tutela de urgência é um tipo de tutela provisória concedida em razão de uma situação emergencial, onde há risco de perigo ou dano ao direito do autor que demanda uma proteção judicial imediata, enquanto a de evidência seria tutela concedida com base em um direito evidente, ou seja, que desde já se demonstra como verídico por causa das provas que já se encontram no processo em face de uma defesa frágil ou abusiva.

Ainda sobre o tema, temos ainda as modalidades de concessão das tutelas de urgência: antecedente e incidente. A distinção entre tutela provisória antecedente e incidente na verdade refere-se a maneira como se irá propor o pedido de tal tutela. Em outras palavras, não se trata aqui de dois tipos de demandas provisórias distintas, mas sim de duas formas de se requerer esta.

Havendo uma situação de urgência que impeça a parte de propor sua demanda, poderá ela, desde já, requerer que seja concedida a antecipação de tutela de imediato, antes mesmo de se realizar o pedido de tutela definitiva do direito.

Trata-sede tutela provisória  requerida de forma antecedente.

Ela é a tutela que deflagra o processo que, futuramente, se realizará o pedido da tutela definitiva do direito em questão. É requerimento anterior à formulação do pedido de tutela definitiva e tem por objetivo adiantar os seus efeitos. (DIDIER. 2016, p. 571-572)

Nesta forma de requerimento da tutela provisória, pode se observar que, apesar de já haver situação de urgência que justifique a solicitação de tal tutela, o autor ainda não tem como fazer o levantamento dos elementos necessários para a propositura da demanda principal.

Já a tutela provisória concedida em caráter incidental é forma de requerimento onde se pede a tutela provisória dentro do processo em que se pede ou que já se pediu a tutela definitiva com o intuito de adiantar seus efeitos. (DIDIER. 2016, p. 571)

Nesta modalidade de solicitação da tutela provisória, o pedido desta poderá ser realizado na própria petição inicial; em petição simples; oralmente, em mesa de audiência ou em sessão de julgamento; ou na petição recursal.  (DIDIER. 2016, p. 571)

Por fim, temos ainda uma outra distinção fulcral e que desnuda a real distinção da tutela cautelar da antecipação de tutela legalmente prevista: a tutela satisfativa e a cautelar.

Tutela satisfativa é aquela que visa a satisfação do direito ora lesado ou ameaçado. O autor diante de uma situação que importe em violação do seu direito tem em favor de si uma pretensão em vê-lo resguardado ou restaurado. Para tanto ele irá se dirigir ao Estado-juiz pleiteando tal proteção ou restauração.

A tutela satisfativa pode ser classificada em tutela de certificação de direitos (declaratória, constitutiva e condenatória) e a tutela de efetivação de direitos (tutela executiva, em sentido amplo). (DIDIER. 2016, P. 562)

Já a tutela cautelar é aquela que tem como objetivo o resguardo de um direito. Ela não busca a satisfação do próprio direito, mas sim assegurá-lo diante de uma determinada situação que o põe em risco.

Interessante que, apesar de não se referir a uma tutela do direito que se pretende obter a satisfação, esta tutela estaria ligada a um direito material de segurança inerente a todo e qualquer direito[1].

Tal tutela se prestaria a garantir que a tutela de um outro direito não tivesse sua integridade atingida quando perante uma situação que lhe ocasionasse algum risco, como no caso em que a parte autora reivindica para si a propriedade de um automóvel que a parte ré, para frustar uma possível tutela do direito de propriedade do autor, resolvesse destruí-lo. Neste caso, a tutela cautelar seria pleiteada no sentido de resguardar a tal bem até o fim do processo, garantindo assim que caso o autor receba a tutela do seu direito de propriedade, esta restara ainda efetiva.

Feita tais considerações, podemos adentrar no tema relativo às cautelares no CPC/15.


2)    Do tratamento das cautelares no Código de Processo Civil de 2015

É indubitável que, não obstante tenha passado por uma profunda mudança, a tutela cautelar ainda está prevista no CPC/15. Basta apenas ir até o art. 301 do CPC/15 que nos diz: “A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito”.

Ora, uma vez que o próprio CPC/15 traz de forma expressa que “A tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada...” não teria como se ter uma interpretação contrária à permanência de tal tipo de tutela dentro do sistema trazido pelo novo código.

Além do mais, a referência a garantia ao “resultado útil do processo” é claramente uma referência a tutela cautelar, uma vez que até hoje  existem doutrinadores que defendem a ideia de que a ação cautelar teria como alvo de proteção o próprio exercício do poder jurisdicional, sendo um mero instrumento a serviço do processo[2].

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Em relação à permanência das cautelares nominadas, não há mais como defender suas existências na nova codificação. No seu Livro III, “Do Processo Cautelar”, o código de 1973 trazia inúmeras demandas cautelares típicas (arresto, seqüestro, arrolamento, dentre outras), cada uma visando tutelar uma determinada situação específica  de risco a alguma tutela de direito.

Estas cautelares típicas, entretanto,  não mais figuram no código atual como demandas cautelares especiais e com procedimentos específicos, apesar do artigo 301 fazer menção ao arresto, sequestro, arrolamento de bens e protesto.

Tal  dispositivo não deixa dúvidas quanto ao caráter meramente exemplificativo de tais cautelares, uma vez que em sua parte final ele diz que “qualquer outra medida idônea para asseguração do direito”.

Sem mencionar ainda que não há mais rito especial para cada uma dessas cautelares: uma vez que elas se tornam apenas exemplos de medidas as serem adotadas em sede de tutela cautelar, obviamente que todas elas se submetem as regras gerais desta.

Isto denota que o novo código reconheceu que a tutela cautelar demanda certa fungibilidade a qual  juiz poderá se valer ao se deparar com uma determinada situação fenomênica que reclama uma solução sob medida, de maneira que nada justificaria a existência de figuras abundantes de medidas cautelares, com o mesmo pressuposto e objetivo, ostentando, apenas, nomen iuris diferentes. (FUX, p. 16)

Por fim, é necessário lembrar que não obstante não haver mais um rol de cautelares inominadas análogo ao que havia no CPC/73, algumas destas prevista neste código anterior acabaram sendo realocadas em outras partes do código de 2015, como a antecipação de provas, que agora está regulada dentro dos dispositivos relativos à provas.


3)    O poder geral de cautela na nova sistemática

Em relação ao poder geral de cautela, o CPC/73 previa em seus artigos 797 e 798, que o juiz poderia adotar as medidas assecuratórias mais adequadas ao caso, mesmo que diversas da requerida pelas partes ou, até mesmo, de ofício, vejamos:

Art. 797. Só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes.

Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.

De acordo com tais dispositivos, poderia o juiz, excepcionalmente, agir de ofício para determinar medidas cautelares necessárias e adequadas para a situação ora posta. O poder geral de cautela estaria previsto justamente em tais disposições: possibilidade do juiz adotar medida assecuratória adequada e necessária de ofício.

O poder geral de cautela seria, portanto, um poder inerente a jurisdição, o qual permitiria a adoção pelo juiz de medidas cautelares atípicas sempre que nenhuma outra medida cautelar prevista em lei fosse apta a assegurar a efetividade do processo principal. Trata-se de um poder exercido de forma subsidiária, pois somente poderia ser invocado para aquelas situações nas quais nenhuma outra cautelar típica fosse adequada. (CÂMARA, p. 49)

Isto, contudo, não representaria uma carta branca ao juiz, sendo-lhe vedada a atuação arbitrária. Nesse sentido, Ovídio Baptista lecionava que tal ato discricionário do juiz deverá ater-se as finalidades previstas na lei, de maneira que, frustrados os objetivos legais, ilegítimo será este ato. (BAPTISTA. 1985, P.117)

No atual código, podemos observar dois dispositivos dos quais também é possível inferir a existência de tal poder geral.

O primeiro seria o art. 301. Como já visto, tal artigo, além de trazer exemplos de medidas cautelares, ainda traz na parte final do seu caput a expressão “qualquer outra medida idônea para asseguração do direito”.

Tal frase nos parece bastante clara no que diz respeito ao juiz ter poderes para trazer a medida cautelar que julgar mais cabível ao caso.

Por isso, podemos aduzir que o art. 301 ao não trazer um rol taxativo de possíveis medidas assecuratórias e trazer a possibilidade de adoção da medida mais adequada, na verdade apenas corrobora com a idéia de que ao juiz é lícito impor a medida cautelar que julgar mais adequada e necessária ao caso.

O outro dispositivo similar é o art. 297, que diz: “O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória”

Tal artigo tem como objetivo dar poderes ao juiz para que este possa adotar a medida necessária para garantir a tutela de urgência, analogamente ao que acontecia nos art. 797 e 798 do CPC anterior.

Uma vez que estes dispositivos da codificação anterior falavam em medidas assecuratórias, em uma referência clara às cautelares, o que nos permitia falar em poder geral de cautela, o art. 297 do atual código, por falar em tutela provisória, também guardaria em si um poder análogo, porém de espectro maior, já que se refere as provisórias em geral.

Então, além de um poder geral de cautelar, temos também, com arrimo na norma legal citada, um poder geral de amplitude maior, que permitiria o juiz agir em situações onde a tutela de urgência em jogo tivesse natureza satisfativa e não cautelar.

Este novo e mais amplo “poder geral” conferido ao juiz relativo às tutelas de urgência abarcariam a antecipação de tutela também, uma vez que não há distinção na norma legal entre urgências relativas a cautelar e a satisfação.

Por fim, é importante mencionar que o Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) em seu  Enunciado n. 31 dispõe que: O poder geral de cautela está mantido no CPC.

Dessa forma, diante de tudo aqui que fora visto, podemos afirmar que o juiz  ainda tem em suas mãos o seu poder geral de cautela. Isto porque ele ainda poderá adotar a medida mais adequada e necessária para a efetivação das tutelas cautelares.

O que aconteceu foi que o novo CPC estendeu tal poder às tutelas provisórias de caráter satisfativo, já que em seu art. 297, como visto, não faz distinção alguma de sua aplicabilidade em relação às cautelares, antecipação de tutela e tutela de evidência. Neste sentido, não há razão alguma para limitar esse seu poder geral , que agora não será mais somente cautelar, mas pertinente a todas tutelas gravadas pela urgência.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Pedro Henrique Matos Souza. O poder geral de cautela e o sistema processual civil atual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5631, 1 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68921. Acesso em: 22 nov. 2024.

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