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Refletindo sobre a antecipação dos efeitos da tutela

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29/06/2005 às 00:00
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4- A antecipação de tutela [22]

Diante da inexistência de institutos jurisdicionais genéricos que, escudando-se na técnica da sumarização da cognição, pudessem antecipar os efeitos pretendidos ao fim do processo, buscou um expediente paliativo na tutela cautelar.

Pode-se afirmar que "esta natureza instrumental do processo considerada frente a um sem fim de situações que não encontram respaldo expresso na legislação, faz com que o sistema sempre encontre saídas quando se encontra diante de situação não especificamente contemplada. Isto dá origem a remédios anômalos, às vezes aberrantes. Como exemplos podemos citar a utilização do mandado de segurança para conferir efeito suspensivo aos recursos, especialmente ao agravo de instrumento, e a utilização de cautelares satisfativas, o que discrepa frontalmente da função cautelar." [23]

Pertinente citar o magistério de Teori Albino Zavascki segundo o qual "a ação cautelar passou a ser aceita, não apenas como instrumento para a obtenção de medidas para garantia do resultado útil do processo, mas também para alcançar a tutela de mérito relativa a pretensões que reclamassem fruição urgente." [24]

A tutela cautelar foi concebida, porém, como medida destinada a preservar a eficácia processual da ação principal, a priori, ou seja, a tutela cautelar não é de direito material, não se destina a preservar o direito objeto do processo diretamente, mas sim a eficácia deste processo.

Destarte, a tutela cautelar, de que encontramos parcos e assistemáticos exemplos no direito anterior à construção dogmática do processo, operada a partir do século XIX, foi estruturada cientificamente como uma segurança para o processo e não para o direito material que ele versa. De lege lata, não temos um "direito material de cautela".

A solução da cautelar satisfativa, fossem nominadas ou inominadas, estas últimas muito mais utilizadas, tomava um instituto de eficácia processual e o utilizava apara atuar, na prática, no espectro do direito material, pois a cautelar acabava por assegurar a fruição prática do direito material.

Escusado referir o sem fim de abusos que se perpetraram com esta prática, na qual a parte, com alegação meramente verossímil, e por vezes em liminar concedida inaudita altera pars, lograva eficácia equivalente à tutela definitiva, fruto de cognição exauriente, gerando verdadeiro paradoxo.

Neste contexto, o legislador optou por introduzir um instituto novo, fundamentado na técnica da sumarização da cognição, e voltado à preservação diretamente do direito material, rompendo com o binômio cognição exauriente-execução forçada [25].

Com a introdução do instituto, rompe-se a segmentação das tutelas, "sendo preferível, portanto, considerar as atividades de cognição e de execução, não como fases ou momentos distintos e sucessivos da prestação da tutela, e sim como classes de atividades que até poderão coincidir e confundir-se no tempo e no espaço, nas ações e nos procedimentos, tudo a demonstrar a relatividade da sua segmentação e da própria classificação que a elas tradicionalmente se confere." [26]

Na verdade, já existiam na legislação codificada e extravagante, hipóteses nas quais a tutela pretendida com o pedido era antecipada. Tais eram os casos do mandado de segurança e sua liminar, da liminar cautelar e da liminar possessória. Eram hipóteses pontuais, porém.

Havia necessidade de uma medida genérica que, com pressupostos próprios, recolocasse a tutela cautelar dentro dos limites nos quais originariamente havia sido concebida.

A antecipação de tutela insere-se em um processo mais amplo de reformas destinadas a conferir maior eficácia ao processo judicial tendo por alvo especificamente a duração do trâmite processual, pois como lembra Cândido Rangel Dinamarco: "No direito moderno, a realidade dos pleitos judiciais e a angústia das longas esperas são fatores de desprestígio do Poder Judiciário (como se a culpa fosse só sua) e de sofrimento pessoas dos que necessitam da tutela jurisdicional. Fala-se do binômio custo-duração como o eixo em torno do qual gravitam todos os males da justiça contemporânea (Vincenzo Vigoritti) e com toda a autoridade já foi dito, em sugestiva imagem, que o tempo é um inimigo do direito, contra o qual o juiz deve travar uma guerra sem tréguas (Carnelutti). Acelerar resultados do processo é quase uma obsessão, nas modernas especulações sobre a tutela jurisdicional." [27]

Este fato também não passou despercebido para Humberto Theodoro Júnior o qual lembra que "convém ressaltar que se registra, nas principais fontes do direito europeu contemporâneo, o reconhecimento de que, além da tutela cautelar destinada a assegurar a efetividade do resultado final do processo principal deve existir, em determinadas circunstâncias, o poder do juiz de antecipar, provisoriamente, a própria solução definitiva esperada no processo principal. São reclamos de justiça que fazem com que a realização do direito não possa, em determinados casos, aguardar a longa e inevitável demora da sentença final." [28]

Feitas estas breves digressões, passasse à análise do instituto, sua natureza, pressupostos e limitações.


5- Natureza e limitações genéricas da Antecipação de Tutela.

A antecipação de tutela é uma técnica de sumarização de aplicação genérica, semelhante a que já era aplicada em alguns poucos casos de tutelas liminares específicas.

A sumarização é caracterizada pela redução do espectro de cognição no plano vertical. Como cediço, o espectro de cognição pode ser aferido nos planos horizontal e vertical.

No primeiro caso, poderemos ter cognição plena ou limitada, conforme exista redução no conjunto de questões que poderão ser controvertidas, significando questões pontos de fato ou de direito, ou nas palavras de Teori Albino Zavascki "será plena se o objeto da demanda for a integralidade do conflito existente; será limitada (ou parcial) se a demanda tiver por objeto apenas parte do conflito." [29]

Na segunda hipótese, quaisquer espécies de questões poderão ser discutidas no processo, porém há uma limitação na profundidade da cognição, de modo que poderá ser exauriente ou sumária. Ou seja, "no plano vertical, a cognição poderá ser exauriente (completa) ou sumária, tudo dependendo do grau de profundidade com que é realizada." [30]

A antecipação de tutela reduz o espectro de profundidade da cognição, através do condicionamento do provimento concessivo a um juízo de verossimilhança qualificado, afastando a necessidade da cognição exauriente, implicando, portanto, na postergação do contraditório pleno.

A marca fundamental da antecipação de tutela é a satisfatividade, que se contrapõe à cautelaridade [31]. A respeito, pertinente o magistério de Nelson Nery Júnior, segundo o qual "ainda que fundada na urgência (artigo 273, I), não tem natureza cautelar, pois sua finalidade precípua é adiantar os efeitos da tutela de mérito, de sorte a propiciar sua imediata execução, objetivo que não se confunde com o da medida cautelar (assegurar o resultado útil do processo de conhecimento ou de execução, ou, ainda, a viabilidade do direito afirmado pelo autor)." [32]

A mesma característica é realçada por Humberto Theodoro Júnior para quem "tanto a medida cautelar propriamente dita (objeto de ação cautelar) como a media antecipatória (objeto de liminar na própria ação principal) representam providências, de natureza emergencial, executiva e sumária, adotadas em caráter provisório. O que, todavia, as distingue, em substância, é que a tutela cautelar apenas assegura uma pretensão, enquanto a tutela antecipatória realiza de imediato a pretensão." [33]

Também Ovídio Baptista da Silva ressalta a satisfatividade da medida afirmando que "mesmo que as medidas antecipatórias do artigo 273 não sejam necessariamente liminares, serão sempre antecipações dos efeitos de uma sentença satisfativa, realizam, quer dizer, antecipadamente satisfazem, essa parcela de efeitos do ato jurisdicional final." [34]

Teori Albino Zavascki de seu turno, apostila que:"Como elementos próprio e característico da medida antecipatória - e, pois, como e requisito negativo da tutela cautelar- identificamos este: é medida que se destina antecipar efeitos da tutela definitiva, ou, mais precisamente, antecipar efeitos que a futura sentença definitiva de procedência poderá produzir no plano concreto." [35]

J. J. Calmon de Passos, de forma sintética, porém precisa, define "a antecipação da tutela ora prevista no artigo 273 do CPC é, em verdade, medida pela qual se empresta, provisoriamente, eficácia executiva à decisão de mérito normalmente desprovida desse efeito." [36]

Corolário deste aspecto, é que a antecipação tem necessária correspondência com o pedido veiculado na demanda. Esta coincidência, lembra Cândido Rangel Dinamarco, "traz logo a imperiosidade da observância da regra da correlação entre a sentença e a demanda, representada no direito positivo pelos arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil" [37].

Consoante o citado processualista, "a tutela antecipada, tanto quanto a definitiva, não pode ir extra vel ultra petita, devendo respeitar os limites subjetivos e objetivos da demanda inicial. Obviamente, não se pode ‘antecipar’ algo que de antemão já se sabe que será impossível obter em caráter definitivo. O objeto cujo gozo se antecipará não pode ser qualitativamente diferente, nem quantitativamente maior do que aquele que foi pedido na inicial." [38]

Ainda no mesmo diapasão, Teori Albino Zavascki, após tecer considerações acerca da tutela definitiva, afirma, "já a tutela cautelar tem conteúdo próprio, diverso do da tutela definitiva. Seu objeto não é satisfazer o direito afirmado, mas promover garantias para sua certificação ou para sua futura execução forçada. Na antecipação, coincidem a providência a ser ordenada pelo tribunal e a conseqüência jurídica resultante do direito material’, o que significa dizer que os efeitos antecipáveis são os mesmos que se operariam se o demandado espontaneamente se conduzisse segundo do ditame do direito material afirmado pelo autor. Conseqüentemente, não terá natureza antecipatória, mas sim cautelar, a providência que não puder ser identificada, no todo ou em parte, como coincidente com as do atendimento espontâneo do direito, ou seja, com as da realização natural da situação jurídica que o autor quer ver definitivamente consolidada" [39].

A antecipação é marcada pelo signo da provisoriedade, contrapondo-se á temporariedade. A propósito, colhe-se o magistério de Teori Albino Zavascki, que após referir que a distinção entre o que é provisório e o que é temporário é elemento importante na distinção entre antecipação e cautela, esclarece: "As primeiras são provisórias, porque destinadas a durar até que sobrevenha a tutela definitiva, que as sucederá, com eficácia semelhante,; já as cautelares são temporárias, porque vocacionadas a ter eficácia limitada no tempo, não serão, no entanto, sucedidas por outra medida de igual natureza" [40].

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Mas quais os limites da antecipação de tutela? Ou, por outras palavras: o que pode ser antecipado? Diz-se na doutrina que se antecipam efeitos da tutela, e não propriamente esta, ou, ainda, que se antecipa a eficácia social e não jurídico-formal. [41]

Ovídio Baptista da Silva afirma que "o legislador, ao redigir o art. 273, dispôs sobre a possibilidade de o juiz antecipar os efeitos, entendidos estes como as conseqüências geradas pela sentença que acolher o pedido formulado pelo autor, o que é diferente da faculdade eventualmente concedida ao juiz de, ao invés de efeitos, antecipar julgamento, proferindo sentença liminar de mérito" [42].

A mesma pontuação acerca da distinção entre antecipação de tutela e julgamento antecipado é feita por Nelson Nery Júnior: "Além de ser medida distinta das cautelares, a tutela antecipatória também não se confunde com o julgamento antecipado da lide (CPC 330). Neste, o juiz julga o próprio mérito da causa, de forma definitiva, proferindo sentença de extinção do processo com apreciação da lide (CPC 269). Nos casos do CPC 273, o juiz antecipa efeitos da sentença de mérito por mera decisão interlocutória, provisória, prosseguindo-se no processo." [43]

Mas afirma que, no que diz respeito à possibilidade de antecipação em ações declaratórias, constitutivas e condenatórias "em toda ação de conhecimento, em tese, é admissível a antecipação de tutela, seja ação declaratória, constitutiva (positiva ou negativa) condenatória, mandamental etc.." [44]

Na prática, a antecipação concede a fruição do direito material, todavia, esta se faz em caráter provisório e somente na medida dos efeitos executivos ou mandamentais do pedido. Note-se que a limitação é quanto a efeitos executivos e mandamentais. Estes, porém, podem estar presentes em ações condenatórias, constitutivas ou declaratórias. [45]


6- Pressupostos Positivos

Uma das finalidades da antecipação de tutela foi coibir o uso desmesurado, e por vezes fraudulento, das cautelares satisfativas, e foram, de fato, estabelecidos requisitos mais rígidos do que os previstos para a tutela cautelar.

Primeiro ponto a chamar a atenção reside na necessidade de pedido da parte [46], ao contrário de provimentos cautelares liminares, que podem ser tomados de ofício pelo magistrado, a teor do artigo 798 do CPC. Este fato bem revela a diferenças de perspectivas entre a tutela antecipatória e a cautelar, pois esta última, estando voltada à preservação da eficácia do processo (um interesse público indireto) justificaria a atuação oficiosa.

A antecipação pode ser total ou parcial, vale dizer, tem o juiz a faculdade de antecipar todos ou parte dos efeitos requeridos, sempre de forma fundamentada (artigo 93, inc. IX, da CF/88). Haveria discricionariedade? Para Cândido Rangel Dinamarco sim. Diz ele que "ficam a critério discricionário do juiz, que ele exercerá prudentemente e motivadamente em cada caso, a outorga da tutela antecipada total ou parcial e, na segunda hipótese, a determinação do âmbito desta" [47]. E mais adiante, expressamente afirma que "a discricionariedade do juiz na concessão da tutela antecipada reflete-se ainda no poder, que a lei expressamente lhe dá, de a qualquer tempo (antes da sentença, é claro) revogar ou modificar a medida concedida (artigo 273, § 4º). Modificar para mais ou para menos, pois a lei não especifica e a situação pode aconselhar uma coisa ou outra." [48]

Diversa é a opinião de Teori Albino Zavascki para quem "a antecipação dos efeitos da tutela, diz a lei, pode ser total ou parcial. Conforme se fará ver no devido tempo, há efeitos que por sua natureza, não são suscetíveis de antecipação. Com essa ressalva, e considerando os demais, o juiz certamente não é livre para estabelecer os limites da antecipação, nem isso depende de seu juízo discricionário. Na verdade, para determinar a extensão da antecipação deve o juiz observância fiel ao princípio da menor restrição possível: porque importa limitação ao direito fundamental à segurança jurídica, a antecipação de efeitos da tutela somente será legítima no limite estritamente necessário à salvaguarda do outro direito fundamental considerado, no caso, prevalente." [49]

Athos Gusmão Carneiro, de seu turno, é categórico em lapidar afirmação, verbis: "Já o juiz, no exercício da jurisdição, analisará os fatos do processo, como postos pelas partes e como decorrentes das máximas de experiência e do ‘id quod plerunque accidit’, e, sob o princípio da persuasão racional, dirá se,na hipótese, ocorreram ou não os requisitos de concessão da tutela antecipada: se ocorreram, terá o dever de deferir o pedido de antecipação, fundamentando devidamente sua decisão; se não ocorreram, cumpre-lhe denegar o pedido, em provimento igualmente fundamentado." [50]

Mas não basta à parte pedir. É preciso que existam provas inequívocas que convençam da verossimilhança da alegação. Aqui parece haver um lapso do legislador, pois se fala em verossimilhança, que costumeiramente é associada à tutela cautelar e como resultante da simples plausibilidade, com prova inequívoca, associada logicamente à certeza jurídica, pois "a existência de prova inequívoca induz certeza e não mera plausibilidade que é própria dos juízos sumários." [51]

Não podemos, contudo, olvidar que "pode resultar de uma cognição sumária um juízo de certeza sem problema algum. Sumariedade ou exauriência dizem com a profundidade da investigação levada a termo e não necessariamente com o grau de convencimento equivalente a probabilidade ou certeza. É claro que quase sempre a certeza exsurge de uma cognição exauriente e a verossimilhança, enquanto mera probabilidade, de uma cognição sumária. Mas nem sempre." [52]

Cândido Rangel Dinamarco pugna por uma leitura do dispositivo que tome verossimilhança por probabilidade. Afirma o processulista que "aproximadas as duas locuções formalmente contraditórias contidas no artigo 273 do Código de Processo Civil (prova inequívoca e convencer-se da verossimilhança), chega-se ao conceito de probabilidade, portador de maior segurança do que mera verossimilhança. Probabilidade é a situação decorrente da preponderância dos motivos convergentes á aceitação de determinada proposição, sobre os motivos divergentes." [53]

A probabilidade também é referida por Teori Albino Zavascki como o paradigma para o preenchimento deste requisito. Apostila o ministro do STJ: "Dir-se-á que é um paradoxo a exigência de fato certo e juízo de verossimilhança do direito: se o fato é certo, o direito existe ou não existe, em razão de jura novit curia, ou seja, do mihi factum, dabo tibi jus. Na verdade, a referência a ‘prova inequívoca’ deve ser interpretada no contexto do relativismo próprio do sistema de provas.(...) Assim, o que a lei exige não é, certamente, prova de verdade absoluta-que sempre será relativa, mesmo quando concluída a instrução - mas prova robusta, que, embora no âmbito da cognição sumária, aproxime, em segura medida, o juízo de probabilidade do juízo de verdade." [54]

A respeito discorre Marcelo Colombelli Mezzomo: "Temos de compreender então a referência simultânea a prova inequívoca da qual só resulta, no entanto, juízo de verossimilhança em vista da espécie de cognição que é sumária. Em geral a prova inequívoca dá suporte a um juízo de certeza. Mas para que isto ocorra é necessária a realização de uma cognição exauriente, ou seja, cognição de rito ordinário, via de regra, e tal só ocorre após o regular trâmite processual, assegurada a ampla defesa, o contraditório e a produção de material probatório pela parte atingida pela antecipação de tutela. Deste modo, consoante a letra do dispositivo o que temos é um caso de uma cognição sumária que leva em linha de conta prova inequívoca. A diferença entre o juízo daí resultante quanto ao convencimento e aquele que resultará ao fim do processo está unicamente relacionada ao fato que o juízo resultante ao fim do processo é o culminar de um procedimento de investigação mais aprofundada e em cujo bojo foi plenamente franqueada a participação do réu. Neste juízo de antecipação de efeitos de tutela, sumário, pode até surgir clara a procedência de um eventual juízo final, mas como está prevista uma cognição mais consistente, não se pode efetuar o julgamento desde já, reservando-se este para uma fase em que haja cognição exauriente, mesmo que a conclusão a que lá se vai chegar já se saiba será a mesma. Portanto a presença de prova inequívoca gera na consciência do julgador na prática certeza, ou seja, grau de convencimento equivalente ao que teria em cognição exauriente, posto que o direito se apresenta evidente. Mas juridicamente, como está prevista uma cognição exauriente posterior, esta certeza de fato só permite antecipar os efeitos em caráter provisório." [55]

Cândido Rangel Dinamarco, de seu turno, lembra que "para chegar ao grau de probabilidade necessário à antecipação, o juiz precisa proceder a uma instrução que lhe revele suficientemente a situação de fato. Não é o caso de se chegar às profundezas de uma instrução exauriente, pois esta se destina a propiciar graus de certeza necessários para julgamentos definitivos, não provisórios como da antecipação de tutela. Tratar-se-á de uma cognição sumária, dimensionada segundo um binômio representado (a) pelo menor grau de imunidade de que se reveste a medida antecipatória em relação à definitiva e (b) pelas repercussões que ela terá na vida e patrimônios dos litigantes." [56]

E sobre o que incide a prova inequívoca? Observada a disciplina probatória do CPC e o artigo 273 do mesmo Estatuto, tem-se que "a prova ‘inequívoca’ é requerida em relação aos fatos que estão à base da pretensão. Não se tem que provar ter direito a algo. Provam-se fatos sobre os quais há de incidir o direito. Normalmente as petições trazem tentativas de provar se ter, de forma inequívoca, direito ao bem da vida, quando basta a prova dos fatos. A incidência do direito pode e deve ser referida nos argumentos, porém não é o objeto da prova inequívoca a que refere o artigo." [57]

Logo, "o magistrado deve se convencer da verossimilhança da alegação, ou seja, o fato clama prova inequívoca, mas a alegação, ou seja, a invocação do fato-direito (operação de subsunção) é acolhida com mera verossimilhança." [58]

Assim, a incongruência fica afastada na medida em que a prova inequívoca é sobre o fato, e a verossimilhança é sobre a alegação, que é composta do fato e do direito. Ou seja, a prova inequívoca do fato não é incompatível com a verossimilhança da alegação.

Mas a concessão da antecipação de tutela por força do caput do artigo 273 carece da coexistência alternativamente das situações previstas nos incisos I e II. O primeiro refere-se ao "fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação".

Este requisito é identificado com o periculum in mora. Tal é o que se pode ver na doutrina de Nelson Nery Júnior, in verbis: "Duas situações, distintas e não cumulativas entre si, ensejam a antecipação dos efeitos da tutela de mérito. A primeira hipótese autorizadora dessa antecipação é o periculum in mora, segundo expressa disposição do CPC 273 I (...) Esse perigo, como requisito para a concessão da tutela antecipada, é o mesmo perigo exigido para a concessão de qualquer medida cautelar." [59]

A mesma conclusão chega Ovídio Baptista da Silva para quem "certamente seria preferível que o legislador empregasse aqui a categoria conhecida como periculum in mora, muito mais adequada à idéias de antecipação e historicamente ligada às execuções provisórias, reservando a categoria indicada como ‘perigo de dano irreparável’ para as cautelares." [60]

Mas "urge considerar aqui que o periculum in mora normalmente associado a este inciso não é a imediatidade. Quando falamos em dano irreparável ou de difícil reparação, estamos falando em um evento que deverá ocorrer durante a tramitação do processo, não necessariamente logo ao seu início", e "hoje isso significa um prazo de dois ou três anos no primeiro grau de jurisdição. Logo, desde que o dano venha a ocorrer dentro deste prazo estimado, poderá e (deverá se preenchidos os demais requisitos), ser concedida a antecipação, que não necessariamente deve sempre ser concedida ou negada já no despacho inicial." [61]

Conclui-se, assim, que "a imediatidade do despacho inicial se destina por óbvio àquelas situações onde realmente periculum in mora se confunde com urgência. Mas note-se, quando falamos em periculum in mora qualificado para a antecipação, temos diante de nós o tempo provável de duração do processo, pois a antecipação se refere a tutela que será prestada ao fim deste processo." [62]

A segunda hipótese associada ao caput do artigo 273 do CPC está prevista no inciso II, e diz respeito ao "abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório". Segundo Teori Albino Zavascki "são expressões fluidas, de conteúdo indeterminado, sujeitas em conseqüência, a preenchimento valorativo, caso a caso." [63]

Não se pode ver na hipótese uma medida punitiva. É o que pondera Ovídio Baptista da Silva cuja opinião é a de que "o que o legislador quis significar quando outorgou ao juiz a faculdade de antecipar os efeitos da tutela, nos casos do inc. II do art. 273 não foi, de modo algum, a consideração de que essa antecipação teria caráter punitivo contra a litigância de má-fé. O que se dá, com a conduta do réu, nestes casos, é que o índice de verossimilhança do direito do autor eleva-se para um grau que o aproxima da certeza. Se o juiz já se inclinara por considerar verossímil o direito, agora, frente à conduta protelatória do réu, ou ante o exercício abusivo do direito de defesa, fortalece-se a conclusão de que o demandado realmente não dispõe de nenhuma contestação séria a opor ao direito do autor. Daí a legitimidade da antecipação da tutela." [64]

Importante observar que no caso do inciso II do artigo 273 não há necessidade de aferição de urgência ou de dano, pois "nos casos do inciso segundo, cuida-se de aferir a plausibilidade das defesas provavelmente oponíveis à pretensão, considerando que não é justo que a parte autora espere até o fim da realização de uma cognição exauriente e plenária para ver um direto reconhecido quando, prima facie, verifica-se que este será o desfecho da demanda. Note-se: não se há aferir a urgência ou não. Invocam-se dados objetivos referentes à espécie de pretensão manejada e às prováveis defesas que lhe serão opostas." [65]

A priori, "a referência a abuso do direito de defesa demonstra que o legislador está se referindo a atos praticados para defender-se, ou seja, atos processuais. Por isso, por abuso do direito de defesa hão de ser entendidos os atos protelatórios praticados o processo" [66], porém, "em tese é admissível o pedido liminar fundado no inciso II, pois não despropositado o abuso do direito de defesa verificado fora do processo, quando há prova suficiente de que o réu fora, por exemplo, notificado várias vezes para cumprir a obrigação, tendo apresentado evasivas e respostas pedindo prazo o para o adimplemento." [67]

Mas quais as hipóteses caracterizam para os fins do artigo 273, inc. II do CPC, abuso do direito de defesa?

Uma primeira hipótese que assoma ocorre "quando a contestação for deduzida apenas formalmente, sem consistência." [68]

Outra hipótese que pode ser elencada "parece ocorrer de forma clara nos casos enquadrados na litigância de má-fé, elencados no artigo 17 do CPC. Assim sendo, se o réu maneja como defesa, por exemplo, fatos inverídicos, ou invoca leis absolutamente impertinentes, sem dúvida que está abusando do direito de defesa." [69]

Uma terceira possibilidade "parece verter daqueles casos nos quais há efeito vinculante, como é o caso das ações diretas de constituticionalidade. Neste caso, manejada defesa afirmando uma inconstitucinalidade já repelida em ADC, haverá de se reconhecer abuso do direito de defesa ou intuito de protelação. O mesmo vale para o inverso, ou seja, afirmação de uma inconstitucionalidade já assentada em ADIN, conforme a recente feição dúplice do controle de constitucionalidade concentrado." [70]

Uma quarta "probabilidade de abuso do direito de defesa ou busca notória de protelação ocorre quando a defesa a ser manejada, ou já exercida, contraria entendimento jurisprudencial já consolidado", sendo que "devemos entender por entendimento jurisprudencial consolidado aquele já encartado em verbete sumular. Não somente este, porém, mas também aquele notoriamente assentado e cuja discussão já se apresenta infundada." [71]

Nestes casos, havendo previsão de medidas punitivas para as condutas elencadas como litigância de má-fé, nada obsta que resultem duas ordens de conseqüências em relação ao mesmo fato.

Infelizmente, é preciso concordar com Ovídio Baptista da Silva quando afirma que "quem conhece nossa experiência judiciária e, principalmente, as profundas raízes culturais que tornam extremamente tolerante nossa reação contra todas as formas de litigância temerária, não terá muito otimismo quanto á utilização da prerrogativa constante deste dispositivo." [72]

A propósito também pondera Marcelo Colombelli Mezzomo referindo-se à possibilidade garantia de fruição do direito desde o início do processo: "Mecanismo para isso já existe, mas lamentavelmente a mentalidade dos operadores jurídicos invariavelmente olvida este fundamento da antecipação de tutela, que prescinde da urgência, e que acaba sendo obscurecido pelas noções hauridas do processo cautelar." [73]

Referimos aos casos dos incisos I e II como hipóteses ligadas ao caput do artigo 273, porque recentemente a Lei nº 10.444/04 introduziu uma possibilidade de concessão da antecipação que não está relacionada aos requisitos do caput [74].

Trata-se da hipótese de concessão da antecipação por inexistência de controvérsia sobre pedido ou parte dele, medida que encontra inspiração no direito italiano e que já era alvitrada na doutrina nacional a algum tempo.

Como cediço, o demandado tem o ônus de apresentar defesa específica, ex vi do artigo 300 do CPC. Não o fazendo em relação a alguns ou todos os pedidos, está aberto espaço para a antecipação, sendo desnecessário perquirir possibilidade de dano ou existência de prova inequívoca ou verossimilhança.

A ressalva que não consta do dispositivo, mas que resulta do sistema, concerne às questões conhecíveis de ofício, as quais podem impedir a antecipação não obstante a inexistência de alegação, e os casos onde é inadmissível a confissão.

Com efeito, se há inviabilidade de confissão sobre determinados fatos, remanescendo ônus probatório sobre o autor, é, em linha de princípio, inadmissível que a simples inexistência de oposição exclusivamente possa conduzir a antecipar-se efeitos da tutela, pois estaria gerado um paradoxo onde a cognição sumária concederia mais do que a sentença, já que neste caso, para a procedência do pedido, teria o autor de efetuar prova plena.

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Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Refletindo sobre a antecipação dos efeitos da tutela. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 728, 29 jun. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6908. Acesso em: 5 nov. 2024.

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