Capa da publicação Teoria Pura do Direito, de Hans Kelsen: reflexão analítica e síntese da obra
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Reflexão analítica e síntese da obra 'Teoria Pura do Direito', de Hans Kelsen

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Resumo:


  • Hans Kelsen explora a teoria pura do direito, destacando a separação entre direito e natureza, e enfatiza a necessidade de um método científico puro, livre de influências de outras áreas do conhecimento.

  • A obra aborda o conceito de norma fundamental (Grundnorm) como base da validade de um sistema jurídico, e a estrutura escalonada das normas, onde normas inferiores derivam sua validade de normas superiores.

  • Kelsen também discute a relação entre direito e estado, defendendo a identidade entre ambos e argumentando contra a dualidade tradicional que os separa, além de tratar das relações entre direito internacional e direito estadual, propondo uma visão monista.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Reflexões sobre a obra que mais influenciou a ciência jurídica no século XX: Teoria Pura do Direito, do austríaco Hans Kelsen.

1. Direito e Natureza

Neste capítulo como um todo, Hans Kelsen aborda o processo de criação e evolução do Direito como fenômeno destinado a assegurar e garantir o equilíbrio social, necessário para a garantia da paz no seio de uma sociedade. Para tanto, parte da concepção primitiva do que se entende por direito, perpassando pelas teorias do direito natural e chegando à teoria do direito enquanto fenômeno social.

Inicialmente, este autor ressalta que a ciência jurídica, no decurso dos séculos XIX e XX esteve longe de satisfazer a exigência de pureza metodológica necessária para a garantia da unidade jurídica, uma vez que a jurisprudência, por diversas vezes confundiu-se com a psicologia, a sociologia, a ética e a teoria política.

Kelsen considera que a análise do fenômeno jurídico, sob a ótica da sociologia, da teoria política ou de outra área afim, se mostra importante, de modo a se tentar explicar a razão de ser de determinadas condutas, ou a razão de existir determinadas sanções ou prêmios para as condutas reprováveis ou louváveis, respectivamente, mas não devem integrar a natureza do fenômeno jurídico, devendo este ser estudado de forma separada.

Quando pretende delimitar o conhecimento do direito, Kelsen não o faz por ignorar, ou, muito menos negar esta conexão, mas porque intenta afastar um sincretismo metodológico que se mistura à essência da ciência jurídica.

Ao abordar os atos e suas conseqüências no mundo jurídico Kelsen recorda que o ato de um indivíduo que provoca a morte de outro indivíduo gera conseqüências no seara jurídica, uma vez que tal ato certamente gera uma reprovação social digna de repreensão, em caráter punitivo e educativo.

Kelsen ressalta ainda que todo ato possui um sentido, podendo este ser objetivo ou subjetivo. Lembra que a significação jurídica não pode ser percebida no ato por meio dos sentidos, tal como se apercebe das qualidades naturais de um objeto tais como a cor, o peso, a dureza, mas da seguinte forma: o indivíduo que, racionalmente, põe o ato, liga este ato um determinado sentido, que acaba sendo entendido pelos outros. Este sentido subjetivo, ou seja, este sentimento inerente ao indivíduo, pode acabar coincidindo com o significado objetivo que o ato tem do ponto de vista do Direito, mas não tem necessariamente de ser assim. Kelsen apresenta como exemplo a esta explanação o fato de uma pessoa dispor por escrito do seu patrimônio para depois da morte. O sentido subjetivo deste ato é um testamento.

Kelsen frisa que o homem (pela sua natureza), diferentemente de outros animais é capaz de expressar atos conscientes. Neste sentido ressalta que: “Uma planta nada pode comunicar sobre si própria ao investigador da natureza que a procura classificar cientificamente. Ela não faz qualquer tentativa para cientificamente explicar a si própria. Um ato de conduta humana, porém, pode muito bem levar consigo uma auto-explicação jurídica, isto é uma declaração sobre aquilo que juridicamente significa”.

Quando aborda a questão da norma como esquema de interpretação, Kelsen afirma que o fato externo que, de acordo com seu sentido objetivo, constitui um ato jurídico (lícito ou ilícito), somente se realiza pela significação que o ato possui na esfera jurídica e não pela sua simples facticidade. Desta forma, a norma funciona como um esquema de interpretação. Nas palavras de Kelsen: “... o juízo em que se enuncia que um ato de conduta humana constitui um ato jurídico (ou antijurídico) é o resultado de uma interpretação específica, a saber, de uma interpretação normativa”.

Para o autor supracitado, a norma que empresta ao ato o significado de um ato jurídico ou antijurídico é, em si mesma, produzida por um ato jurídico, o qual recebe sua significação jurídica de outra norma.

No que tange à produção normativa, Kelsen aduz que o Direito é uma ordem normativa da conduta humana, e que, desta forma, se serve a regular o comportamento humano. Por este motivo a produção normativa se faz importante, uma vez que as condutas não positivadas como sendo indesejáveis e abomináveis socialmente, se praticadas, não dão ensejo à aplicação se sanções (que visem combatê-las), o que, por sua vez abrem espaço para a proliferação de tais práticas reprováveis (socialmente). Nesta direção, Kelsen afirma que “ Aquele que ordena ou confere o poder de agir, quer, aquele a quem o comando é dirigido, ou a quem a autorização ou o poder de agir é conferido, deve. Desta forma o verbo “dever” é aqui empregado com uma significação mais ampla que a usual. No uso corrente da linguagem apenas ao ordenar corresponde um “dever”, correspondendo ao autorizar um “estar autorizado” e ao conferir competência a um “poder”. Aqui, porém, emprega-se o verbo “dever” para significar um ato intencional dirigido à conduta de outrem. Neste “dever vão incluídos o “ter permissão” e o “poder” (ter competência).

Kelsen afirma que existe uma certa independência entre o ser e o dever-ser, ou seja, entre o comportamento que ocorre e o comportamento que deve ocorrer (segundo as normas do Direito positivo). Em outras palavras, este jurista austríaco afirma que o ser está intimamente relacionado com a conduta livre, ou seja, com o acontecimento dos fatos (jurídicos ou antijurídicos), enquanto que o dever-ser está adstrito a uma ordem jurídica, a qual determina o comportamento esperado.

No entanto, para que o dever-ser possa ser considerado como norma válida (“vigente”) é necessária que se apóie em uma norma que lhe dê sustentação. Só assim é possível afastar por completo ordens arbitrárias e ilícitas, emanadas de indivíduos interessados em afastar-se das normas jurídicas e morais. O tratado jurista citou como exemplo a ordem de um gângster para que lhe seja entregue uma determinada soma em dinheiro. Consubstanciando este entendimento Kelsen ressalta que “Se o ato legislativo, que subjetvamente tem o sentido de dever-ser, tem também objetivamente este sentido, quer dizer, tem o sentido de uma norma válida, é porque a Constituição empresta ao ato legislativo este sentido objetivo”. Em síntese, o que este autor quis dizer, é que o pressuposto fundante da validade objetiva, será designado por norma fundamental (Grundnorm).

Quando trata da vigência e domínio de vigência da norma, Kelsen diz que toda norma possui dois aspectos essenciais: o aspecto espacial e o aspecto temporal. Uma norma, para que possa ser posta em um determinado ordenamento jurídico precisa passar por um processo forma legiferante, composto de inúmeras etapas. Quando encerra-se esta fase, diante da promulgação e conseqüente publicação da norma, a mesma esta apta a surtir seus efeitos no mundo jurídico, dentro, obviamente, de um território especificamente delimitado, ou seja, dentro das fronteiras de um referido Estado. Nesta ocasião, convém citar trecho em que Kelsen trata deste assunto: “Os indivíduos que funcionam como órgão legislativo, depois de aprovarem uma lei que regula determinadas matérias e de porem, portanto, em vigor, dedicam-se, nas suas resoluções, à regulamentação de outras matérias – e as leis que eles puseram em vigor (a que eles deram vigência) podem valer mesmo estes indivíduos já tenham morrido há muito tempo, e portanto, nem sequer sejam capazes de querer.

Neste diapasão, Kelsen aduz que é um erro tentar caracterizar a norma em geral e a norma jurídica em particular como “vontade” ou “comando” – do legislador ou do Estado -, quando por “vontade” ou “comando” está explícita a vontade psíquica.

Kelsen tratou ainda de esclarecer que existe uma distinção entre vigência de uma norma e sua eficácia. Para este autor, uma norma é eficaz quando é efetivamente aplicada e observada no mundo dos fatos, ou seja, quando uma conduta humana se amolda à ordem do dever-ser. Nesta linha de pensamento, Kelsen destaca que: “Uma norma jurídica é considerada como objetivamente válida apenas quando a conduta humana que ela regula lhe corresponde efetivamente, pelo menos numa certa medida. Uma norma que nunca e em parte alguma é aplicada e respeitada, isto é, uma norma que – como costuma dizer-se – não é eficaz em uma certa medida, não será considerada como norma válida (vigente)”.

Em síntese do exposto no parágrafo anterior, Kelsen esclarece que a eficácia é condição de vigência, visto ao estabelecimento de uma norma se ter de seguir a sua eficácia para que a mesma não perca a sua vigência.

Sobre o aspecto espaço-temporal, Kelsen destaca que: “A vigência de todas as normas em geral que regulam a conduta humana, e em particular a das normas jurídicas, é uam vigência espaço-temporal na medida em que as normas tem por conteúdo processos espaço-temporais. Dizer que uma norma vale significa sempre dizer que ela vale para um qualquer período de tempo, isto é, que ela se refere a uma conduta que somente se pode verificar em um certo lugar ou e um certo momento (se bem que porventura não venha de fato a verificar-se)”.

Em se tratando do domínio de vigência de uma norma, Kelsen afirma este é elemento de seu conteúdo, e que este conteúdo pode ser predeterminado até certo ponto por uma norma superior. Já o domínio pessoal de validade de uma norma, segundo este jurista, refere-se ao elemento pessoal da conduta fixada pela norma. Este domínio de validade pode ser limitado ou ilimitado. Tem-se ainda, segundo Kelsen, o domínio material de validade de uma norma, levando em conta os diversos aspectos da conduta humana que são normados: aspecto econômico, religioso, político, etc.

Kelsen, em item que trata da regulamentação positiva e negativa, afirma que a conduta humana é disciplinada de forma que se observam ações ou omissões, ou seja, condutas positivas (disciplinadas em textos normativas como condutas exigíveis), ou condutas negativas (como resultado da não aplicação da conduta positivada). Este autor informa aqui que a regulamentação da conduta humana por um determinado ordenamento normativo processa-se por uma forma positiva e por uma forma negativa. A conduta humana será positiva quando a um indivíduo é prescrita a realização ou a omissão (omissão necessária ou exigível por meio de lei) de um determinado ato. Será ainda regulada num sentido positivo a conduta de um indivíduo quando a este é conferido o poder ou a competência para produzir, através de uma dada atuação, certas conseqüências pelo mesmo ordenamento normadas, especialmente – se o ordenamento regula a sua própria criação – para produzir normas, ou para interferir na elaboração de normas. Concluindo este raciocínio, deve-se ter em mente, em sentido amplo, que toda conduta humana, determinada num ordenamento normativo como pressuposto ou como conseqüência se pode considerar como autorizada por este mesmo ordenamento, e, neste sentido, como positivamente regulada.

Para que uma norma seja visada, em primeiro lugar é necessário determinar o bem que se visa tutelar. Tal bem da vida possui um valor, valor este que é a justificativa maior do desencadeamento do processo legiferante. Kelsen, neste sentido, ressalta que uma norma objetivamente válida, que fixa uma conduta como devida constitui um valor positivo ou negativo, sendo a conduta que corresponde à norma dotada de valor positivo e a conduta que contraria a norma dotada de valor negativo.

O que é considerado como valioso para uma determinada sociedade pode não ser para uma outra longínqua sociedade, motivo pelo qual cada grupo social deve criar as suas próprias normas de conduta, primando pela fluência das condutas aceitáveis e louváveis e reprimindo as condutas nefastas em sentido geral. Confirmando esta tese, Kelsen leciona que: “...as normas legisladas pelos homens – e não por uma autoridade supra-humana – apenas constituem valores relativos. Quer isto dizer que a vigência de uma norma desta espécie que prescreva uma determinada conduta como obrigatória, bem como a do valor por ela constituído, não exclui a possibilidade de vigência de uma outra norma que prescreva a conduta oposta e constitua um valor oposto”.

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Para Kelsen, quando uma determinada norma tem em sua origem a emanação da vontade de uma autoridade supra-humana, o valor que a mesma revela possui um caráter absoluto, ao contrário das normas oriundas de uma autoridade humana, que, pela sua natureza inata, podem e costumam ser falhas.

Kelsen esclarece ainda que o valor que consiste na relação de um objeto, especialmente de uma conduta humana, com o desejo ou vontade de uma ou vários indivíduos, àquele objeto dirigida, pode ser designado como valor subjetivo, em contraposição ao valor objetivo, decorrente de uma conduta em consonância com uma norma objetivamente válida.

Por termo, no que tange, ainda, ao aspecto valorativo das normas jurídicas, Kelsen frisa que há uma íntima relação entre um objeto jurídico e uma conduta humana com um fim jurídico, que pode ser um fim objetivo e um fim subjetivo, sendo o primeiro um fim que deve ser realizado, isto é, um fim estatuído por uma norma considerada como objetivamente válida, e o segundo um fim que um indivíduo se põe a si próprio, ou seja, um fim que ele deseja realizar.

No item que trata das ordens sociais que estatuem sanções, Kelsen aduz que uma ordem normativa que regula a conduta humana na medida em que está em relação com outras pessoas é uma ordem social. A Moral e o Direito são ordens sociais deste tipo.

Uma ordem social, para que seja eficaz, deve possuir mecanismos que desestimulem os indivíduos que nela se inserem a não praticarem atos em desconformidade com a ordem jurídica posta. O mecanismo mais eficaz contra o desuso ou a inaplicabilidade de uma norma é a aplicação de sanções em caso de descumprimento. Uma vez sendo descumprida tal norma, se não for aplicada a correspondente sanção pode-se ter como certa a repetição da conduta não visada. O Direito, ao contrário da Moral, é uma ordem estatuidora de sanções. Vale destacar um trecho deste texto fichado: “De conformidade com o seu sentido imanente, pode o ordenamento estatuir as suas sanções sem ter em conta os motivos que efetivamene conduziram, no caso concreto, à conduta que as condiciona. O sentido do ordenamento traduz-se pela afirmação de que, na hipótese de uma determinada conduta – quaisquer que sejam os motivos que efetivamente a determinaram -, deve ser aplicada uma sanção (no sentido amplo de prêmio ou de pena).

No item que trata das sanções transcendentes e sanções socialmente imanentes, Kelsen faz a distinção entre elas afirmando que as primeiras são aquelas que, segundo a crença das pessoas submetidas ao ordenamento, provêm de uma instância supra-humana, enquanto que as segundas são aquelas sanções estatuídas na esfera humana, destinadas a regular as condutas dos indivíduos. A sanção transcendente afeta a consciência e o estado de espírito das pessoas, enquanto que a sanção socialmente iminente afeta diretamente os bens da vida, tais como a vida, a liberdade, a propriedade, etc. Tratando das sanções do tipo transcendental, Kelsen destaca que “Até o homem civilizado dos nossos dias se pergunta instintivamente, quando é atingido por uma infelicidade: que mal fiz eu para merecer este castigo?... As religiões altamente evoluídas diferenciam-se, sob este aspecto, das primitivas, apenas na medida em que acrescentam às sanções que somente serão aplicadas por Deus – e não pela alm dos mortos – no além-túmulo. Estas sanções são transcendentes, não apenas no sentido de quem provêm de uma instância sobre-humana, e supra-social, portanto, mas ainda no sentido de que elas se realizam fora da sociedade, fora do mundo do aquém, numa esfera transcendente”.

No item que trata da ordem jurídica, Kelsen aborda temas como o Direito como ordem de conduta humana, onde aborda a natureza filosófica do Direito como fenômeno destinado a estabelecer um equilíbrio nas relações entre os indivíduos que compõem determinado grupo social, entre outros, que virão na seqüência deste fichamento.

Na seqüência, Kelsen destaca que o direito possui a natureza de uma ordem coativa, de modo que a observância de seus preceitos é imperativa, sob pena de aplicação de sanções jurídicas. Para que a fluência das normas de conduta ocorra, com a aplicação das respectivas sanções (caso sejam necessárias), se faz necessário o estabelecimento de um sistema jurídico estatal, sistema este que deve ser estruturado por uma norma fundamental.

Kelsen recorda que nas sociedades primitivas existiram até demandas judiciais contra animais, plantas, coisas mortas e objetos inanimados, devido a males causados a seres humanos pela “conduta”, ou melhor, por fatos relacionados a tais seres.

Na ordem social dos povos civilizados, as normas de conduta regulam apenas a conduta humana. No entanto, frisa Kelsen que: “O fato de as modernas ordens jurídicas regularem apenas a conduta dos homens e não a dos animais, das plantas e dos objetos inanimados, enquanto dirigem sanções apenas àqueles e não a estes, não exclui, no entanto, que estas ordens jurídicas prescrevam uma determinada conduta de homens não em face de outros homens como também em face dos animais, das plantas e dos objetos inanimados”.

Kelsen destaca, ainda, no tópico que trata do monopólio da coação da comunidade jurídica, que o Direito é uma ordem coativa, mas que esta coação deve ser exercida dentro dos limites estabelecidos no próprio ordenamento jurídico, de modo a se evitar a utilização de força não autorizada. Neste sentido convém destacar trecho em que este autor trata deste assunto: “...estabelece-se o princípio de que todo o emprego da força física ´proibido quando não seja – e temos aqui uma limitação ao princípio – especialmente autorizado como reação, da competência da comunidade jurídica, contra uma situação de fato considerada perniciosa.

Diante do exposto no parágrafo anterior, é possível entender que a força física, utilizada nos limites da lei, de modo a tornar eficaz o seu cumprimento, possui o condão de estabelecer a segurança coletiva, que por sua vez garante a paz social. Kelsen ressalta que: “A segurança coletiva visa a paz, pois a paz é ausência de força física. Determinando os pressupostos sob os quais deve recorrer-se ao emprego da força e os indivíduos pelos quais tal emprego deve ser efetivado, instituindo um monopólio da coerção por parte da comunidade, a ordem jurídica estabelece a paz nesta comunidade por ela mesma constituída. A paz do Direito, porém, é uma paz relativa e não uma paz absoluta, pois o Direito não exclui o uso da força, isto é, a coação física exercida por um indivíduo contra o outro”.

Quando aborda a questão dos atos coercitivos que não têm o caráter de sanções, Kelsen ressalta que em alguns governos, como os totalitários, são comuns atos como encerrar em campos de concentração, forçar quaisquer trabalhos e até matar os indivíduos de opinião, religião ou raça indesejáveis, sem que os mesmos possuam o caráter de sanção. A sanção, em sua essência, possui uma natureza punitiva/educativa socialmente aceita, enquanto que os atos de coerção acima apontados, como práticas comuns de estados totalitários não passam de puros extermínios ou explorações, sem o mínimo de preocupação com o princípio da dignidade da pessoa humana, e sem a mínima natureza educativa.

No que pesa ao mínimo de liberdade abordado por Kelsen, vale destacar que é essencial para o desenvolvimento de um determinado grupo social, que haja um mínimo de liberdade para a realização de atos humanos. Neste sentido, aquelas condutas que não estão prescritas em normas são livres para serem praticadas, na medida em que esta liberdade não interfira no Direito de outro indivíduo.

Nos últimos itens deste capítulo, Kelsen coloca lado a lado a semelhança entre a ordem normativa de coação da comunidade jurídica e a ordem de um bando de salteadores de estradas, no sentido da imperatividade de seu cumprimento, fazendo, obviamente, as ressalvas necessárias entre uma ordem lícita e uma ordem ilícita e, essencialmente, antijurídica. Aborda também, mais uma vez a importância da sanção como meio de cumprimento dos deveres jurídicos, e por fim, o destaca o caráter de interdependência que umas normas têm em face de outras, diante da unidade e da complexidade de um ordenamento jurídico.

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Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Sérgio Gurgel. Reflexão analítica e síntese da obra 'Teoria Pura do Direito', de Hans Kelsen. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5602, 2 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69158. Acesso em: 22 dez. 2024.

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