RESUMO: O presente estudo decorre de dados analisados após ações de fiscalização realizadas pelo autor e por Auditores-Fiscais do Trabalho da Gerência Regional do Trabalho em Uruguaiana/RS nos últimos cinco anos. São abordadas as principais inconsistências encontradas na concepção e na elaboração do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) em empresas da região da fronteira oeste do Rio Grande do Sul. A importância desta abordagem poderá ser observada pelo grande número de inconsistências repetidas no principal programa de gestão de riscos das empresas fiscalizadas, que prejudica a efetiva implementação de medidas preventivas no ambiente de trabalho, acarretando o adoecimento de centenas de trabalhadores. O objetivo da análise é demonstrar as falhas mais comuns e as possíveis alternativas para a solução dos problemas verificados. Inicia-se com a elucidação dos problemas, destacando-se as possíveis causas e consequências. O método de abordagem utilizado é o indutivo e os métodos de procedimentos são o qualitativo, o descritivo e o documental. A abordagem prioriza aspectos práticos observados em ações fiscais. Para isso, são sopesadas as exigências do texto normativo (norma) com a realidade encontrada nos PPRA de empresas da região (fato). Por essa razão, despreocupou-se em utilizar uma abordagem substancialmente teórica. Ao final de cada aspecto analisado são sugeridas ações ou medidas para a melhoria dos programas e/ou para solução dos problemas identificados.
Palavras-chaves: Programa de Prevenção de Riscos Ambientais. PPRA. Fiscalização trabalhista.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. INCONSISTÊNCIAS NA CONCEPÇÃO DO PROGRAMA. 1.1. Confundir o “programa” com seu documento-base. 1.2. Incluir no documento-base textos das Normas Regulamentadoras. 1.3. Incluir um prazo de validade para o programa. 2. INCONSISTÊNCIAS NO DESENVOLVIMENTO DO PPRA. 2.1. Limitar-se à etapa de reconhecimento quando identificados riscos ambientais nesta etapa. 2.2. Incluir no PPRA outros riscos que não os ambientais. 2.3. Não definição de metas e de prioridades para o desenvolvimento do programa, não identificação clara de prazos para cumprimento das metas e recomendações de medidas inadequadas ou genéricas. 2.4. Priorizar a utilização do EPI em detrimento de medidas de proteção coletiva. 2.5. Elaborar a etapa de reconhecimento de riscos ambientais como se fosse um Perfil Profissiográfico Previdenciário. 2.6. Ausência de informações essenciais na etapa de reconhecimento de riscos. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
Primeiramente, destaca-se que as situações relatadas e as opiniões expressas neste artigo não refletem a posição institucional do Ministério do Trabalho. Tampouco representam a opinião do corpo técnico da fiscalização do órgão, embora a realidade evidenciada possa ser encontrada em outras regiões do país.
Trata-se, essencialmente, do resultado de um estudo que evidenciou falhas, inconsistências, erros e/ou ausências em Programas de Prevenção de Riscos Ambientais auditados nos últimos cinco anos, sob o ponto de vista do autor. Essas inconsistências serão analisadas sob a luz da Norma Regulamentadora nº 9 (NR 9), considerando o conhecimento do ambiente de trabalho decorrente de inspeções in loco realizadas pelos Auditores-Fiscais do Trabalho.
O objetivo é a conscientização sobre a existência do problema, principalmente dos profissionais responsáveis pela elaboração e implementação do PPRA nas empresas, com vistas a uma tomada de decisão eficiente e direcionada para a efetiva implantação de um sistema de gestão focado na eliminação e no controle dos riscos existentes no ambiente de trabalho.
Os aspectos analisados não devem ser entendidos como um mero descumprimento formal da Norma Regulamentadora nº 9, mas compreendidos como situações que põem em risco à segurança e a saúde dos trabalhadores, acarretando adoecimentos e custos desnecessários aos empregadores, ao trabalhador e a sua família e à Previdência Social.
O Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA foi instituído inicialmente com a publicação da Portaria MTb nº 3.214 de 08 de junho de 1978. É obrigatório para todos os empregadores que admitam trabalhadores como empregados, ou seja, havendo um empregado a obrigação já existe.
Seu principal objetivo é a preservação da saúde e da integridade dos trabalhadores. Além disso, deve ser desenvolvido em cada estabelecimento da empresa e sua abrangência e profundidade depende das características dos riscos e das necessidades de controle desses riscos.
Outro aspecto importante é o fato de que qualquer pessoa designada pelo empregador pode ser a responsável pela elaboração e implementação do programa, independente de formação ou conhecimento técnico pré-existente, mas a responsabilidade por eventuais falhas ou irregularidades é do empregador. Técnicos de segurança do trabalho e engenheiros de segurança do trabalho são os profissionais mais indicados pelos empregadores para a elaboração e implementação do programa.
Para efeitos didáticos, dividir-se-á a abordagem das situações nos seguintes tópicos: inconsistências na concepção do programa e inconsistências no desenvolvimento do programa.
1. INCONSISTÊNCIAS NA CONCEPÇÃO DO PROGRAMA
Neste tópico serão abordados aqueles aspectos mais sistêmicos que, uma vez existentes, contaminam toda a gestão dos riscos ambientais e a eficácia do programa como uma ferramenta preventiva.
1.1. Confundir o programa com seu documento-base.
O item 9.2.2 da NR 9 estabelece que o PPRA deve estar descrito em um documento-base contendo todos os aspectos estruturais constantes do item 9.2.1. Este item dispõe que:
9.2.1 O Programa de Prevenção de Riscos Ambientais deverá conter, no mínimo, a seguinte estrutura:
a) planejamento anual com estabelecimento de metas, prioridades e cronograma;
b) estratégia e metodologia de ação;
c) forma do registro, manutenção e divulgação dos dados;
d) periodicidade e forma de avaliação do desenvolvimento do PPRA.
O documento-base normalmente elaborado pelas empresas fiscalizadas se constitui em um documento impresso em folhas A4 e encadernado ou em formato digital contendo, principalmente, a etapa de reconhecimento dos riscos ambientais, sem considerar, na maioria dos casos, a estrutura acima. Veja que o programa deve se iniciar pelo planejamento, mediante observação e definição de sua estrutura, devendo esta estar presente no documento-base.
O que se nota na prática é que o documento-base se inicia diretamente com o levantamento dos riscos, ou seja, com uma das etapas de desenvolvimento, sem considerar a estrutura prévia descrita nas alíneas “a” a “d” do item 9.2.1. Não é a repetição do texto normativo acima que deve constar no documento-base, mas a definição de como o programa deverá ser estruturado, desenvolvido e executado.
O PPRA, ou seja, o “programa” de prevenção de riscos ambientais não é meramente seu documento-base. Este é um meio físico ou digital necessário para formalização e explicitação de seu planejamento, definição de seus aspectos estruturais e comprovação da implementação e desenvolvimento de suas etapas. O “programa” é muito mais amplo, iniciando-se com o planejamento e sendo implementado gradativa e continuadamente durante o desenvolvimento da atividade econômica pelo empregador.
As possíveis causas desta inconsistência são a baixa qualificação dos profissionais de segurança do trabalho indicados para elaboração do programa e/ou uma preocupação limitada ao cumprimento meramente formal da NR 9, ou seja, alguns profissionais e empregadores acreditam que basta existir um documento intitulado “PPRA” para que a empresa esteja regular perante a fiscalização trabalhista.
A principal consequência é a inexistência de um verdadeiro programa de gestão de riscos, dada a enorme dificuldade em se implementar um programa que nasceu de forma equivocada, não planejado e sem considerar os aspectos estruturais mínimos.
Entre as possíveis soluções está uma melhor qualificação dos profissionais que elaboram e desenvolvem o PPRA, aliada a conscientização de que o programa deve de fato existir como um conjunto de medidas efetivas de prevenção e não meramente um emaranhado de papeis elaborados para tentar livrar o empregador de uma futura autuação.
Quanto à fiscalização do Ministério do Trabalho, cabe auditar de fato o documento-base e a existência efetiva de um programa de prevenção de riscos, sempre que o objeto da fiscalização assim demandar, lavrando os autos de infração correspondentes e orientando o empregador para o correto cumprimento de suas obrigações, conforme o Regulamento de Inspeção do Trabalho (Decreto 4.552/2002):
Art. 18. Compete aos Auditores-Fiscais do Trabalho, em todo o território nacional: (...)
II - ministrar orientações e dar informações e conselhos técnicos aos trabalhadores e às pessoas sujeitas à inspeção do trabalho, atendidos os critérios administrativos de oportunidade e conveniência; (...)
XVIII - lavrar autos de infração por inobservância de disposições legais; (...)
Art. 24. A toda verificação em que o Auditor-Fiscal do Trabalho concluir pela existência de violação de preceito legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade, a lavratura de auto de infração, ressalvado o disposto no art. 23 e na hipótese de instauração de procedimento especial de fiscalização.
1.2. Incluir no documento-base TEXTOS das Normas Regulamentadoras.
A estrutura e o planejamento necessários ao desenvolvimento do PPRA normalmente são substituídos no documento-base por longos trechos de textos normativos simplesmente copiados das Normas Regulamentadoras. Não é incomum encontrar documento-base com 200 páginas, por exemplo, tendo 40% ou mais páginas “dedicadas” a mera repetição de textos legais ou normativos, como a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a NR 6, NR 7, NR 9, NR 10, NR 12, NR 15, entre outras.
Se o profissional detectou que o empregador ou seus prepostos desconhecem as normas de segurança do trabalho, não é enchendo o documento-base com informações desnecessárias, no estilo copiar/colar, que a realidade mudará. Se necessário for, deverão ser sugeridas ações de capacitação, por exemplo.
As possíveis causas também têm relação com a qualificação dos profissionais e com o desconhecimento da estrutura adequada que deve constar do documento-base (item 9.2.1).
A principal consequência é a presença de inúmeras páginas do documento-base com informações totalmente desnecessárias, cujo espaço e tempo de trabalho deveriam ser dedicados àquilo que realmente importa.
A solução para isso é fácil e de implementação imediata: tudo o que for desnecessário (não sendo parte estrutural nem parte de uma das etapas de desenvolvimento) deve ser eliminado do documento-base. A estrutura para desenvolvimento do programa deve ser corretamente definida, com planejamento, estratégia de abordagem dos riscos, metodologia de ação, etc.
1.3. Incluir um prazo de validade para o programa.
Esta circunstância esteve presente em praticamente 100% dos casos analisados. O documento-base da maioria dos programas possui na capa uma data de validade como, por exemplo, “junho de 2018 a junho de 2019” ou anotação similar. O Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA é um programa de duração permanente, devendo ser desenvolvido continuadamente sob a responsabilidade do empregador.
Dessa forma, após a definição de seus aspectos estruturais (em que um dos requisitos é justamente a “periodicidade e forma de avaliação do desenvolvimento do PPRA”, conforme alínea “d” do item 9.2.1) e elaboração de seu planejamento, deverão ser iniciadas as etapas do desenvolvimento, baseadas em um cronograma, metas e prioridades de ação (esses aspectos serão detalhados em outro tópico).
Veja que na elaboração da estrutura, o profissional já deve indicar a forma de avaliação do programa e sua periodicidade. Esta deverá ser, no mínimo, anual, conforme item 9.2.1.1 da NR 9:
9.2.1.1 Deverá ser efetuada, sempre que necessário e pelo menos uma vez ao ano, uma análise global do PPRA para avaliação do seu desenvolvimento e realização dos ajustes necessários e estabelecimento de novas metas e prioridades. (grifos nossos)
Perceba que o prazo máximo de um ano é para a avaliação do desenvolvimento do programa, que deverá considerar o planejamento, as metas e as prioridades. A partir dessa análise, novo cronograma será elaborado levando-se em consideração os ajustes necessários.
Normalmente quem elabora o documento-base é um terceirizado, um prestador de serviços contratado pelo empregador. Nem sempre é a mesma pessoa responsável pelo desenvolvimento do programa.
Nesse contexto, uma das possíveis causas é a necessidade de um novo fato gerador que justifique o recebimento do pagamento pactuado pelos serviços do elaborador de PPRA, aliada ao desconhecimento por parte do empregador.
Como consequência notável podemos citar a inexistência de análise global do PPRA, cuja principal finalidade é a avaliação do desenvolvimento do programa e a realização dos ajustes necessários para o ano seguinte. Ocorre assim, mera repetição do documento-base com algumas alterações, notadamente do período a que se refere, ou seja, estipulação de uma nova data de validade.
Em termos práticos, nos últimos cinco anos, por exemplo, as empresas elaboraram cinco documentos-base, com pouca ou nenhuma diferença substancial entre eles, nenhuma avaliação global é realizada, inexiste avaliação do desenvolvimento do programa, não ocorre nenhum ajuste para o ano seguinte e se repete um cronograma genérico sem nenhuma aplicabilidade.
Para se corrigir essa situação, deve ficar claro que o PPRA não tem validade, ou seja, é um programa de duração permanente, sendo mais adequada a existência de apenas um documento-base. Isso não significa que o documento-base não possa ser alterado. Pelo contrário, a análise global serve justamente a essa finalidade. Todavia, a mera impressão de um documento-base a cada ano com data de validade postergada em nada colabora para a prevenção dos riscos ambientais.