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A intervenção federal no Rio de Janeiro

08/10/2018 às 14:10
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A proposta da intervenção é atacar os efeitos do crime organizado no Rio de Janeiro para assim diminuir os altos índices de violência, entretanto, a presença do Exército nas ruas apenas coibiu a prática de crimes contra o patrimônio, que muitas vezes são ataques de oportunidade durante o cotidiano urbano, ao passo que a criminalidade organizada, paramilitar, seguiu gerindo seus negócios, e, se preciso fosse, enfrentando o Exército.

Introdução

A intervenção federal é um mecanismo previsto nos artigos 34 a 36 da Constituição Federal, que permite à União intervir nos Estados membros ou Distrito Federal. A intervenção pode ser decretada de ofício pelo Presidente da República, por solicitação dos Poderes estaduais ou ainda por requisição judicial. Nos incisos do artigo 34 da Constituição foi elencado o rol taxativo das hipóteses em que é permitida a intervenção:

Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para:

I - manter a integridade nacional;

II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;

III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;

IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;

V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:

a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;

b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;

VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;

VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:

a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;

b) direitos da pessoa humana;

c) autonomia municipal;

d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.

e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. 

A partir da análise da previsão constitucional da intervenção federal, percebe-se que o mecanismo é de caráter excepcional, e deve ser utilizado em casos de urgência, como guerras iminentes, Estados falidos, caos generalizado, e garantir a manutenção de princípios basilares do Estado brasileiro.


Motivações sociais, jurídicas e políticas da intervenção federal no Rio de Janeiro

A intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, veiculada por meio do Decreto nº9.288 de 16 de fevereiro de 2018, e em seu artigo 1, §1º restringe a intervenção apenas ao âmbito da segurança pública. Já seu § 2º, traz a seguinte redação “O objetivo da intervenção é pôr termo a grave comprometimento da ordem pública no Estado do Rio de Janeiro.” Assim, resta claro que o fundamento constitucional utilizado por Michel Temer nesse caso foi o artigo 34, III.

Portanto, conclui-se que a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro tem a função principal de diminuir altos índices de violência no Estado. Há muitos anos que o Estado do Rio de Janeiro ganhou a péssima fama de ser uma cidade violenta, dominada pelo crime organizado, onde os cidadãos vivem em meio à guerra de facções. Atualmente, o Estado vive uma guerra de três frentes, em que de um lado estão os traficantes, com a venda de drogas e armas como principal fonte de receita, de outro os milicianos, força paramilitar formada por militares da reserva ou mesma da ativa, que retira seu sustento da extorsão de comunidades pelo monopólio de serviços (internet, gás) e uso da violência, e contra ambos, teoricamente, as forças oficiais do Estado. Mas em teoria, pois tanto o tráfico quanto a milícia têm representantes eleitos no poder legislativo, e aliados poderosos em todas as esferas de poder, que dá ao carioca a sensação de estar sozinho nessa guerra contra o crime.

A violência no Rio de Janeiro é fato notório e já faz parte da cultura popular brasileira, já tendo sido representada em novelas, música e filmes de grande alcance, nacionais como “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”, e até mesmo hollywoodianos, como “Velozes e Furiosos: Operação Rio” e “O Incrível Hulk”. A música também já tratou do tema inúmeras vezes, por artistas conhecidos como Fernanda Abreu e O Rappa, mas principalmente por movimentos de contracultura, que surgiram nas comunidades e cresceram junto com a violência, e justamente por isso, essa selvageria urbana é tema principal em muitos funks e RAPs, e muitas vezes, essas músicas não apenas retratam o cenário de caos na periferia, como também tomam partido de organizações criminosas e atacam a força policial em suas letras.

Como o tema da violência no Rio é recorrente e sempre ocupa os noticiários, é comum que os brasileiros conheçam grandes traficantes cariocas por seus apelidos, como se fossem celebridades, como por exemplo “Nem da Rocinha”, “Rogério 157”, “Fernandinho Beiramar”, citados de cabeça.

Assim, visando, em tese, diminuir a violência no Rio de Janeiro, a intervenção federal foi decretada. O interventor nomeado foi o General de Exército Walter Braga Netto, um militar, que levou as ruas do Rio tropas e veículos do Exército Brasileiro tanto para patrulhar áreas de grande circulação de pessoas como para operações específicas. Entretanto, dentre os profissionais do direito, é comum a desconfiança quanto à real intenção da intervenção federal.

O artigo 60, §1º, da Constituição Federal dispõe que é vedada alteração constitucional na vigência de intervenção federal. É importante contextualizar que o governo de Michel Temer tinha como uma de suas grandes promessas e principal baluarte a reforma previdenciária, referendada pelo mercado financeiro e empresários, que, no entanto, sofreu revezes no Congresso Nacional, e o PMDB encontrava dificuldades para angariar votos para a aprovação da reforma. Na iminência de uma derrota política, que queimaria ainda mais a imagem já desgastada de Michel Temer e de seu partido, uma saída não vexatória era a intervenção federal, que tiraria o foco de sua frustrada e impopular reforma, e promoveria um giro na agenda política brasileira, que com essa medida emergencial e popular, dominaria as pautas do Congresso Nacional e da mídia.


Avaliação crítica dos resultados da intervenção até o momento

Antes de passar para a avaliação em si, é importante indicar alguns índices da intervenção federal no Rio de Janeiro após sete meses de seu decreto, uma vez que para se fazer uma análise qualitativa, deve-se ter como fonte primária dados quantitativos.

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Os dados a seguir foram tirados do site da Globo, no link  <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2018/09/17/intervencao-federal-no-rj-completa-sete-meses-com-aumento-de-tiroteios-e-mortes-em-confrontos.ghtml>.

  • Mortes em operação policial – aumento de 150% em relação ao mesmo período em 2017

  • Tiroteios registrados no datalab Fogo Cruzado – aumento de quase 60% em relação ao mesmo período em 2017

  • Apreensão de armas de fogo – queda de 24% em relação ao mesmo período em 2017

  • Crimes contra o patrimônio – queda de 20% nos roubos de carga, 15% nos roubos de veículos e 16% nos assaltos de rua, em relação ao mesmo período em 2017

A partir da análise dos dados apresentados, conclui-se que a intervenção federal no Rio de Janeiro não é tão eficiente como prometia o presidente quando do Decreto, em fevereiro desse ano. A proposta da intervenção é atacar os efeitos do crime organizado no Rio de Janeiro para assim diminuir os altos índices de violência, entretanto, a presença do Exército nas ruas apenas coibiu a prática de crimes contra o patrimônio, que muitas vezes são ataques de oportunidade durante o cotidiano urbano, ao passo que a criminalidade organizada, paramilitar, seguiu gerindo seus negócios, e, se preciso fosse, enfrentando o exército.

A proposta de atacar apenas os efeitos, e não a causa da violência, acaba por concretizar o efeito contrário ao que se pretendia. A intervenção federal no Rio de Janeiro nunca teve por objeto a desestruturação do crime organizado, mas apenas a finalidade simplista de “diminuir a violência”. Se o exército é colocado nas ruas apenas para atirar em traficantes, por óbvio os índices de tiroteios, mortes e ferimentos por bala aumentam, o que acaba por piorar a qualidade de vida do carioca, que já se acostumou a desviar de balas em seu caminho para o trabalho.

Do jeito que foi conduzida a intervenção, a impressão é de que ela não tem uma finalidade concreta com relação à segurança pública, e a tese dos juristas ganha cada vez mais corpo. Os resultados frustrantes que a intervenção alcançou até o momento criam a dúvida se essa operação está sendo apenas mal conduzida ou se ela nunca foi planejada minuciosamente. A tese de que a intervenção federal foi uma artimanha jurídica para evitar outra derrota política de Temer no Congresso Nacional é reforçada pelos resultados pífios da intervenção, bem como pelo timing. Isso pois a intervenção não veio como uma resposta a algum caso de grande repercussão, mas sim uma resposta à violência habitual que o Rio de Janeiro enfrenta há muitos anos, e oportunamente foi decretada na iminência de um fracasso PMDBista no Congresso Nacional, como uma medida aclamada pela população carioca e que poderia amenizar a péssima imagem de Temer com o eleitorado brasileiro.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIGHETTI, João Vitor Salvi. A intervenção federal no Rio de Janeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5577, 8 out. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69394. Acesso em: 28 mar. 2024.

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