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O patriarquês – A linguagem como espelho do patriarcado.

Reflexões sobre o tema na linguagem jurídica

08/11/2018 às 12:50

Resumo:


  • A linguagem reflete e perpetua o sexismo intrínseco à sociedade, desvalorizando papéis, trabalho e produtos associados às mulheres, e excluindo-as de espaços de poder.

  • O Direito, dependente da linguagem, é uma ciência marcada pelo machismo, construindo-se sobre uma lógica binária e sexualizada que hierarquiza o masculino sobre o feminino.

  • Apesar de avanços legais, o sistema jurídico ainda contém resquícios de discursos machistas e patriarcais, perpetuando estereótipos de gênero e dificultando a igualdade entre homens e mulheres.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O direito é feito pelo homem para o homem. Ele adota o homem como modelo de humano. Sem sombra de dúvida, estamos tratando de uma das ciências mais machistas de todas.

Linguagem é o meio pelo qual comunicamos nossas ideias ou sentimentos através de signos convencionais, sonoros, gráficos ou gestuais; é, então, símbolo de nossa ideologia, de nossa visão de mundo, de quem somos. Assim, a linguagem reflete o mundo que vivemos e, consequentemente, traz em sua essência o sexismo intrínseco à sociedade.

A inferioridade da mulher face ao homem vem refletida em diferentes graus, de diferentes formas nas diversas culturas do globo, camuflada pelos mais sutis disfarces se faz presente universalmente fomentando a opressão. Diferenças à parte, as culturas em geral trazem a desigualdade em algumas características comuns. Janet Saltzman destacou três delas [1]: 

1. Uma ideologia e sua expressão na linguagem que explicitamente desvaloriza as mulheres, dando a seus papéis, seu trabalho, seus produtos e seu ambiente social menos prestígio e / ou poder do que o que é dado aos dos homens;

2. Significados negativos atribuídos às mulheres e suas atividades através de fatos ou mitos simbólicos (que nem sempre são expressos e explícitos); e 

3. Estruturas que excluem as mulheres da participação ou contato com os espaços dos poderes mais altos, ou de onde se acredita que sejam os espaços mais poderosos economicamente e politicamente, bem como culturalmente.

As autoras Alda Facio e Lorena Fries complementam a relação com um quarto ponto:

Pensamento dicotômico, hierárquico e sexualizado, que divide tudo em coisas ou fatos da natureza ou da cultura, colocando o homem e o masculino em uma primeira categoria elevada e a mulher e o feminino embaixo dessa, buscando justificar a subordinação das mulheres em termos de seus pretensos "papéis naturais" [2].

Neste sentido a linguagem é faca de dois gumes: é tanto meio de concretização do patriarcado, como mero reflexo desse sistema. Nos quatro pontos acima mencionados, fica nítida a presença e força daquela na concretização das ideologias do patriarcado. Em uma abordagem menos formal, proponho uma rápida reflexão:

Quem é o vadio? Aquele que não faz nada, o desocupado. E quem é a vadia? Ora, não é aquela que é desocupada, que não faz nada? Não. A vadia é a puta. Quem é o homem honesto? Aquele que é honrado, trabalhador, agente de conduta proba. Quem é a mulher honesta? A virgem, aquela que é fiel ao lar, ao marido, aos filhos. 

A dissimetria dos significados dados às flexões femininas e masculinas da mesma palavra é apenas um exemplo de como nossa língua e linguagem são violentamente sexistas. 

Direcionando o rumo desta breve dissertação, o Direito, pode-se afirmar, depende da linguagem para se fixar como fenômeno social. De fato, todo ato, toda prática, toda atividade jurídica envolve invariavelmente atos de linguagem. Direito e linguagem convivem, portanto, uma vez que aquele depende desta como forma de manifestação [3].

O Direito é masculino. O Direito é feito pelo homem para o homem, ele adota o homem como modelo de humano. Sem sombra de dúvida estamos tratando de uma das ciências mais machistas de todas.

A ciência jurídica, não exclusivamente, constrói seu sistema baseado em raciocínios elaborados em pares opostos (privado e público, passivo e ativo etc.) e estes pares são sexualizados, implicando em uma predominância masculina no sistema oriunda da hierarquização e prevalência do masculino ante ao feminino. 

A lógica binária dos sexos, apesar de não ser muito explícita, aparece como suporte do sistema jurídico no que diz respeito aos direitos das pessoas e da família. A partir do nascimento, o indivíduo é classificado como feminino ou masculino, condição que o acompanhará pelo resto de sua vida jurídica [4].

Para ilustrar o que vem sendo afirmado, a Lei do Divórcio (Lei n. 6.515/77), traz o seguinte texto em seu art. 10, § 1º:

Se pela separação judicial forem responsáveis ambos os cônjuges, os filhos menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz verificar que de tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles.

O dispositivo indiscutivelmente favorece o fortalecimento do estereótipo de que a mulher é responsável pelos filhos. O ordenamento jurídico resguarda o casamento e a constituição de família nos modelos tradicionais/legais. Esse sistema determina papéis/funções sociais tanto para os homens quanto para as mulheres. Esta determinada por associações com o espaço doméstico, estruturalmente subordinado, devendo a mulher ser passiva; além disso, são encarregadas dos serviços domésticos, cuidar da casa e dos filhos; a alma feminina é voltada à domesticidade, à maternidade e ao perdão incondicional [5]. 

Outro cenário semelhante é encontrado no âmbito do direito trabalhista, onde ainda é nítido o discurso machista e patriarcal. Dentre os dispositivos vigentes na CLT, no Capítulo III, denominado Da Proteção do Trabalho da Mulher, vejamos o que diz o parágrafo único do art. 372:

Não é regido pelos dispositivos a que se refere este artigo o trabalho nas oficinas em que sirvam exclusivamente pessoas da família da mulher e esteja esta sob a direção do esposo, do pai, da mãe, do tutor ou do filho.

A presença do vocábulo "filho", nos remete à imagem de que o homem é competente, o mais indicado para ser diretor do negócio. 

O Estado busca eliminar as diferenças entre os indivíduos; porém, na impossibilidade de fazê-lo, resta o autoritarismo, tanto no próprio Estado quanto nas relações entre as pessoas. Por mais que atualmente se diga que a Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002 trouxeram, para a legislação, a igualdade entre homens e mulheres, é irrefutável a presença de resquícios, na lei e em sua aplicação, dos discursos machista e patriarcalista [6]. 

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Neste contexto, retomando o anteriormente mencionado, a linguagem possui papel ativo e passivo, ou seja, ela se vale como meio para manter viva e presente a essência do patriarcado na nossa sociedade, impossibilitando (ou ao menos dificultando) o empoderamento e libertação das mulheres, como também é mero reflexo da ideologia e visão de mundo da sociedade em que vivemos.


Notas

1 Tradução livre. 3 DE ALMEIDA, Guilherme de Assis; BITTAR, Eduardo C. B.. Curso de Filosofia do Direito. Editora Atlas S.A., São Paulo: 2016.

2 Idem. 

4 BORRILLO, Daniel. O sexo e o Direito: a lógica binária dos gêneros e a matriz heterossexual da Lei. Disponível em: file:///C:/Dialnet-OSexoEODireito-4056871.pdf. 

5 AGUSTINI, Cármen Lúcia Hernandes; BOEL, Vanessa Rezende. A mulher no discurso jurídico: um pesseio pela legislação brasileira. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/horizontecientifico/article/viewFile/4208/3149>.

6 Idem.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRANJA, Luiza. O patriarquês – A linguagem como espelho do patriarcado.: Reflexões sobre o tema na linguagem jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5608, 8 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69436. Acesso em: 28 dez. 2024.

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