Artigo Destaque dos editores

Redução da maioridade penal: o discurso punitivo contra adolescentes em conflito com a lei

Exibindo página 2 de 2
22/12/2018 às 15:10
Leia nesta página:

4 REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL

Os sujeitos de classe social privilegiada com seu discurso do medo e sob o desejo social de segurança, são aqueles que fomentam a redução da maioridade penal.  Afinal, é sabido que o direito penal brasileiro funciona muito bem para as classes marginalizadas da sociedade brasileira. Marcada pela superlotação e falta de acesso a direitos básicos, a realidade prisional no Brasil é seletiva, composta majoritariamente por jovens negros de baixa renda. Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN 2014), 67% (sessenta e sete por cento) da população carcerária é negra, 56% (cinquenta e seis por cento) é jovem e 53% (cinquenta e três por cento) não concluíram o ensino fundamental.

A doutrina penal costuma diferenciar a seletividade penal primária da secundária. Para Zaffaroni (2005) a criminalização primária seria aquela realizada pelo Legislativo de forma abstrata na definição do que é crime. Em relação à seletividade primária, Barata (2004) denuncia que o sistema de valores do direito penal refletem o universo moral de uma cultura burguesa-individualista que tende criminalizar o comportamento típicos de grupos sociais excluídos e marginalizados. Zaffaroni (2013) explica que desde a segunda metade do século XX, a criminologia passou a entender que o poder punitivo, com sua seletividade estrutural, criminaliza algumas pessoas e as usa para projetar-se como neutralizador da maldade social. 

A criminalidade secundária é a aquela exercida concretamente pelas instituições judiciárias, como o Poder Judiciário, as polícias, os agentes penitenciários, etc. Baratta (2004) afirma que as investigações empíricas apontam para um tratamento desigual dado a indivíduos oriundos de determinadas classes sociais. Nesse sentido, a lei penal não seria igual para todos, pois o estereótipo de criminoso é distribuído de forma desigual entre os indivíduos, sobretudo, dependendo da camada social a que pertencem.

É importante ressaltar que os fatores (status social, gênero, etnia, cor, etc.) relacionados ao sujeito autor e da vítima influenciam na seletividade penal, isto é, os estereótipos criminológicos, associados geralmente a particularidades referentes aos sujeitos dos baixos estratos sociais, tornam-os imensamente vulneráveis, além de outros elementos concorrentes, a uma maior criminalização. Conforme Baratta (2004, p.165):

As maiores chances de ser selecionado para fazer parte da “população criminosa” aparecem, de fato, concentradas nos níveis mais baixos da escala social (subproletariado e grupos marginais). A posição precária no mercado de trabalho (desocupados, subocupação, falta de qualificação profissional) e defeitos de socialização familiar e escolar, que são características dos indivíduos pertencentes aos níveis mais baixos, e que na criminologia positivista e em boa parte da criminologia liberal contemporânea são indicados como as causas da criminalidade, revelam ser, antes, conotações sobre a base das quais o status de criminoso é atribuído.

Batista (2007) afirma que o direito penal é disposto pelo estado para a realização concreta de determinados fins, sendo que o direito penal assume a função conservadora de estruturar e garantir determinada ordem econômica e social. Sendo assim, o direito penal seletivo exerce um importante papel de controle social sobre determinado grupo social. Acompanhando a realidade do sistema penal, a redução da maioridade penal somente contribuirá para reforçar essa realidade.

Mauricio Stegemann Dieter e Luciano Anderson de Souza em artigo sobre proposta de emenda constitucional para a redução da maioridade penal explicam que qualquer tentativa de ampliar a competência punitiva do estado apontam para a absoluta incapacidade do Estado de implantar soluções alternativas não violentas, como políticas públicas de educação, emprego, cultura, lazer e etc. Assim, o Legislador deveria revisar as ações positivas do Estado em favor da emancipação social dos jovens ao invés de deliberar sobre o seu encarceramento.

O que se verifica, assim, é que a produção e reprodução social da criminalização é implementada mediante processos seletivos de atribuição fundados em estereótipos, e preconceitos dos agentes de controle social.  A redução da maioridade penal reforça esse cenário de legitimação da desigualdade, representando um verdadeiro abandono da juventude pelo poder público.


CONCLUSÃO

Com o discurso em favor da Redução da Maioridade Penal os mais jovens formam o novo grupo social que carrega o estereótipo de inimigo público. Geralmente, esses discursos de criminalização são dirigidos a segmentos socialmente vulneráveis. Não são poucos os grupos que querem reduzir os direitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Outrora, a percepção predominante na sociedade era do tratamento protetivo e pedagógico, com fins à reinserção social de adolescentes infratores. Isso foi expresso na promulgação da Constituição e do ECA. Atualmente, a percepção predominante é de que o tratamento a adolescentes que praticam atos infracionais deve priorizar medidas punitivas e ampliar o controle sobre os grupos sociais juvenis.

Por fim, apresentamos a crítica do direito penal seletivo para propor que a redução da maioridade penal é mais uma política de legitimação da desigualdade e do racismo no Brasil contemporâneo, revelando o completo abandono da juventude pelo Poder Público.

Diante desse cenário, onde os jovens sofrem o processo de criminalização, não só pela sua conduta criminosa, mas também pela classe e grupo social a que pertence, considera-se essencial refletir sobre as funções efetivamente exercidas pelo sistema penal. Assim, ao invés de Reduzir a Maioridade Penal faz-se necessária a criação de políticas públicas e projetos pedagógicos que impeçam a juventude de entrar no mundo do crime.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

REFERÊNCIAS

BARATTA, Alessandro. Criminología crítica y crítica del derecho penal: introducción a la sociología jurídico penal. Buenos Aires: Siglo Xxi Editores Argentina, 2004. 264 p. Traducción de: Álvaro Búnster, p. 184-186.

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007, p. 21

BOCCHINI, Bruno. Jovem é punido com mais rigor que adulto, diz presidenta da Fundação Casa. São Paulo: Agência Brasil. 18/04/2015. <http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2015-04/presidente-da-fundacao-casa-de-sp-diz-ser-contra-reducao-da.> Acesso em 07 mar. 2018.

DIETER, Maurício Stegemann; SOUZA, Luciano Anderson de. Irracionalismo e redução da maioridade penal. 2015. Boletim IBCCRIM. Disponível em: <https://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/5441-Irracionalismo-e-reducao-da-maioridade-penal>. Acesso em: 21 mar. 2018.

ECHEGARAY, Fabián. O papel das pesquisas de opinião pública na consolidação da democracia: a experiência latino-americana. Opinião Pública vol.7, no.1. Campinas, 2001.

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo, 2013;

______________. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo, 2014.

GARLAND, David. A cultura do controle. Crime e ordem social na sociedade contemporânea. Editora Revan. Rio de Janeiro, 2008.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Banco Sidra. Censo. IBGE, 2010. <https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/censo-demografico/demografico-2010/inicial> Acesso em: 07 mar. 2018.

IPEA/MJ-DCA. Mapeamento Nacional da Situação das Unidades de Execução de Medida de Privação de Liberdade (set-out/2002). Brasília, 2003.

LEVANTAMENTO NACIONAL DE INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS – INFOPEN. 2014. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2015/11/080f04f01d5b0efebfbcf06d050dca34.pdf.> Acesso em: 21 mar. 2018.

MELO, Doriam Luis Borges de; CANO, Ignácio (org). Homicídios na adolescência no Brasil: IHA 2008. Rio de Janeiro: Observatório de Favelas, 2011;

_____________. (org). Índice de homicídios na adolescência: IHA 2009-2010. Rio de Janeiro: Observatório de Favelas, 2012;

_____________. (org). Índice de homicídios na adolescência: IHA 2012. Rio de Janeiro: Observatório de Favelas, 2014.

MISSE, Michel. Crime, Sujeito e Sujeição Criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria “bandido”. Lua Nova. São Paulo, 79: 15-38; 2010;

_____________.(org). Acusados e Acusadores: estudo sobre ofensas, acusações e incriminações. Ed. Revan. Rio de Janeiro, 2008.

TORRES, Demóstenes. Parecer de 2007 sobre as Propostas de Emenda à Constituição que alteram o art. 228 da Constituição Federal para reduzir a maioridade penal. Brasília: Senado Federal, 2007.

WAISELFISZ, Júlio Jacobo. Mapa da Violência 2015. Brasília: Secretaria-Geral da Presidência da República/ Secretaria Nacional de Juventude/ Seppir, 2015.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Derecho Penal: parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2005, p. 7

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A questão criminal. Rio de Janeiro: Revan, 2013. 320 p. Tradução: Sérgio Lamarão.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Yara Greyck Pereira. Redução da maioridade penal: o discurso punitivo contra adolescentes em conflito com a lei. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5652, 22 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69617. Acesso em: 22 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos