4 REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL E SELETIVIDADE DO SISTEMA PENAL
Os sujeitos de classe social privilegiada com seu discurso do medo e sob o desejo social de segurança, são aqueles que fomentam a redução da maioridade penal. Afinal, é sabido que o direito penal brasileiro funciona muito bem para as classes marginalizadas da sociedade brasileira. Marcada pela superlotação e falta de acesso a direitos básicos, a realidade prisional no Brasil é seletiva, composta majoritariamente por jovens negros de baixa renda. Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN 2014), 67% (sessenta e sete por cento) da população carcerária é negra, 56% (cinquenta e seis por cento) é jovem e 53% (cinquenta e três por cento) não concluíram o ensino fundamental.
A doutrina penal costuma diferenciar a seletividade penal primária da secundária. Para Zaffaroni (2005) a criminalização primária seria aquela realizada pelo Legislativo de forma abstrata na definição do que é crime. Em relação à seletividade primária, Barata (2004) denuncia que o sistema de valores do direito penal refletem o universo moral de uma cultura burguesa-individualista que tende criminalizar o comportamento típicos de grupos sociais excluídos e marginalizados. Zaffaroni (2013) explica que desde a segunda metade do século XX, a criminologia passou a entender que o poder punitivo, com sua seletividade estrutural, criminaliza algumas pessoas e as usa para projetar-se como neutralizador da maldade social.
A criminalidade secundária é a aquela exercida concretamente pelas instituições judiciárias, como o Poder Judiciário, as polícias, os agentes penitenciários, etc. Baratta (2004) afirma que as investigações empíricas apontam para um tratamento desigual dado a indivíduos oriundos de determinadas classes sociais. Nesse sentido, a lei penal não seria igual para todos, pois o estereótipo de criminoso é distribuído de forma desigual entre os indivíduos, sobretudo, dependendo da camada social a que pertencem.
É importante ressaltar que os fatores (status social, gênero, etnia, cor, etc.) relacionados ao sujeito autor e da vítima influenciam na seletividade penal, isto é, os estereótipos criminológicos, associados geralmente a particularidades referentes aos sujeitos dos baixos estratos sociais, tornam-os imensamente vulneráveis, além de outros elementos concorrentes, a uma maior criminalização. Conforme Baratta (2004, p.165):
As maiores chances de ser selecionado para fazer parte da “população criminosa” aparecem, de fato, concentradas nos níveis mais baixos da escala social (subproletariado e grupos marginais). A posição precária no mercado de trabalho (desocupados, subocupação, falta de qualificação profissional) e defeitos de socialização familiar e escolar, que são características dos indivíduos pertencentes aos níveis mais baixos, e que na criminologia positivista e em boa parte da criminologia liberal contemporânea são indicados como as causas da criminalidade, revelam ser, antes, conotações sobre a base das quais o status de criminoso é atribuído.
Batista (2007) afirma que o direito penal é disposto pelo estado para a realização concreta de determinados fins, sendo que o direito penal assume a função conservadora de estruturar e garantir determinada ordem econômica e social. Sendo assim, o direito penal seletivo exerce um importante papel de controle social sobre determinado grupo social. Acompanhando a realidade do sistema penal, a redução da maioridade penal somente contribuirá para reforçar essa realidade.
Mauricio Stegemann Dieter e Luciano Anderson de Souza em artigo sobre proposta de emenda constitucional para a redução da maioridade penal explicam que qualquer tentativa de ampliar a competência punitiva do estado apontam para a absoluta incapacidade do Estado de implantar soluções alternativas não violentas, como políticas públicas de educação, emprego, cultura, lazer e etc. Assim, o Legislador deveria revisar as ações positivas do Estado em favor da emancipação social dos jovens ao invés de deliberar sobre o seu encarceramento.
O que se verifica, assim, é que a produção e reprodução social da criminalização é implementada mediante processos seletivos de atribuição fundados em estereótipos, e preconceitos dos agentes de controle social. A redução da maioridade penal reforça esse cenário de legitimação da desigualdade, representando um verdadeiro abandono da juventude pelo poder público.
CONCLUSÃO
Com o discurso em favor da Redução da Maioridade Penal os mais jovens formam o novo grupo social que carrega o estereótipo de inimigo público. Geralmente, esses discursos de criminalização são dirigidos a segmentos socialmente vulneráveis. Não são poucos os grupos que querem reduzir os direitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Outrora, a percepção predominante na sociedade era do tratamento protetivo e pedagógico, com fins à reinserção social de adolescentes infratores. Isso foi expresso na promulgação da Constituição e do ECA. Atualmente, a percepção predominante é de que o tratamento a adolescentes que praticam atos infracionais deve priorizar medidas punitivas e ampliar o controle sobre os grupos sociais juvenis.
Por fim, apresentamos a crítica do direito penal seletivo para propor que a redução da maioridade penal é mais uma política de legitimação da desigualdade e do racismo no Brasil contemporâneo, revelando o completo abandono da juventude pelo Poder Público.
Diante desse cenário, onde os jovens sofrem o processo de criminalização, não só pela sua conduta criminosa, mas também pela classe e grupo social a que pertence, considera-se essencial refletir sobre as funções efetivamente exercidas pelo sistema penal. Assim, ao invés de Reduzir a Maioridade Penal faz-se necessária a criação de políticas públicas e projetos pedagógicos que impeçam a juventude de entrar no mundo do crime.
REFERÊNCIAS
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