CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto e da problemática ora apresentada, viu-se que a Lei nº 12.015/09 trouxe grandes mudanças no que tange os crimes sexuais, sendo grandes progressos, sob determinados pontos de vista. No entanto, foi observado que entre outros aspectos a lei se mostrou obscura, principalmente no que concerne a modificação feita na ação penal cabível aos crimes de estupro qualificado, que passou a se proceder mediante ação pública condicionada a representação.
Ocorre que, como visto, com tal modificação criou-se a problemática jurídica no sentido de quem representaria a vítima no caso de estupro qualificado por morte, nos casos em que a mesma não tivesse familiares, bem como, foi observada a dificuldade de representação no caso de estupro qualificado pela lesão corporal grave praticado pelo (a) cônjuge ou companheiro (a).
Foi constatando tais problemas jurídicos expostos, que o Procurador Geral da República ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4301, com o requerimento da inconstitucionalidade parcial do caput do artigo 225 do Código Penal, que versa também, qual ação penal cabível aos crimes de estupro qualificado por morte ou lesão corporal grave, vez que, tal modificação realizada pela Lei nº 12.015/09, ocasiona uma violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e o princípio da proibição da proteção deficiente, vertente do princípio da proporcionalidade.
Notou-se ainda, a discussão doutrinária a respeito da validade ou não da súmula 608 do STF, visto que uma vez previsto expressamente qual ação penal cabível ao crime de estupro qualificado, não haveria mais necessidade de permanecer válida.
É válido frisar, a problemática abordada no que tange a possibilidade de retroatividade da em estudo, tendo em vista ser esta mais benéfica ao agente delituoso que praticou o crime de estupro qualificado anteriormente a sua vigência, vez que, quando se passou a depender da representação da vítima para condição de procedibilidade do processo, os processos em curso anteriores a Lei 12.015/09, dependeriam da representação para sua validade.
É evidente que o delito de estupro, especialmente quando praticado em suas modalidades qualificadas, afeta não só a vítima e a sua família, mas toda a sociedade, devido ao seu alto grau de agressividade ao bem jurídico tutelado. Dessa maneira, não é viável deixar nas mãos do cidadão a escolha de ser conveniente ou não punir quem violar a lei. Por isso, é indispensável e urgente a aplicação de punição a um criminoso capaz de levar a vítima à morte após violar sua dignidade sexual.
Seria uma ofensa ao princípio do retrocesso social deixar de punir o agente delituoso nos casos de estupro qualificado, por morte da vítima, nos casos em que esta não tiver deixado representante legal para representá-la. Isso porque, como visto no decorrer do artigo, o crime de homicídio por si só, se procede através de ação penal pública incondicionada, desse modo, é incongruente que o criminoso não seja punido por falta de representação da vítima ou de seu representante legal.
Conclui-se, portanto, diante da problemática jurídica apresentada, mais sensato é o entendimento de que, se em decorrência do estupro a vítima venha à óbito ou a ficar lesionada gravemente, a ação penal cabível deverá ser a ação penal pública incondicionada, sendo a persecução penal iniciada exclusivamente pelo Ministério Público, independentemente de iniciativa da vítima ou de seu representante legal, preservando dessa forma a dignidade da pessoa humana, bem como evitando a impunidade do agente delituoso.
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