Possibilidade de caracterização do concurso de pessoas no crime de infanticídio

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A doutrina majoritária se baseia nos artigos 29 e 30 do Código Penal para aduzir seus argumentos acerca da responsabilização do terceiro pelo crime de infanticídio juntamente com a mãe.

RESUMO: O crime de infanticídio é um tipo de crime doloso cometido pela mãe contra o próprio filho nascente, com previsão no artigo 123 do Código Penal Brasileiro. No entanto, esta tipificação penal não é uma forma privilegiada de homicídio, mas de delito autônomo e sua prática acontece por decorrência do estado puerperal, concretizado durante ou logo após o parto, que é uma condição particular para o ato ilícito deste crime. Sendo assim, será analisada a ocorrência do concurso de pessoas no crime de infanticídio sobre a legislação brasileira, uma vez que existem divergências quanto à penalidade a ser imposta ao coautor ou partícipe do referido crime. Falar-se-á sobre o concurso de pessoas no crime de infanticídio, demonstrando sua formalização contextual no crime de infanticídio perpetuado pelo concurso de pessoas, os posicionamentos doutrinários acerca da penalização dos co-autores e partícipes do crime de infanticídio e análises jurisprudenciais. E, por fim, as conclusões relativas ao concurso de pessoas no crime de infanticídio.

Palavras-chave: Infanticídio; Concurso de Pessoas; Coautoria; Partícipe.


 INTRODUÇÃO

O crime de infanticídio é um tipo de crime doloso cometido pela mãe contra o próprio filho nascente, com previsão no artigo 123 do Código Penal Brasileiro.

A pesquisa se justifica no sentido de demonstrar a ocorrência do concurso de pessoas no crime de infanticídio sobre a legislação brasileira, uma vez que existem divergências quanto à penalidade a ser imposta ao coautor ou partícipe do referido crime.

Isto porque esta tipificação penal não é uma forma privilegiada de homicídio, mas de delito autônomo e sua prática acontece por decorrência do estado puerperal, concretizado durante ou logo após o parto, que é uma condição particular para o ato ilícito deste crime.

E, dessa forma, questiona-se: Para o concurso de pessoas, será estendida a tipificação penal do crime de infanticídio, ainda que o referido tipo criminal se trata de crime autônomo?

Sendo o infanticídio considerado crime privilegiado, por se tratar de alterações fisiológicas que se refletem na incapacidade da mãe em executar o delito, sobre forte estado puerperal, pode este crime vir a ser concretizado com a colaboração de terceiros, havendo assim, o concurso de pessoas para o referido delito.  


1 CONCURSO DE PESSOAS NO CRIME DE INFANTICÍDIO

 1.1 Formalização contextual no crime de infanticídio perpetuado pelo concurso de pessoas

 O infanticídio é um crime que, assim como o homicídio, tem como núcleo o verbo matar. No entanto, trata-se de um delito do tipo autônomo, em que o legislador entendeu ser o caso de aplicar uma pena mais branda, em alegação da autora se encontrar em conjuntura díspar, isto é, estar influenciada pelo estado puerperal e causar o óbito do seu filho nascente ou neonato (GONÇALVES, 2009).

Para melhor entendimento, explica Menechini (2001, s/p):

O Infanticídio é um crime semelhante ao homicídio, onde ocorre a destruição da vida do neonato pela mãe, que se encontrara, no momento da consumação do crime, sob influência do estado puerperal (artigo 123 do Código Penal Brasileiro). É um crime próprio, somente a mãe pode ser autora da conduta criminosa descrita no tipo, pois se exige qualidades especiais, ou seja, "ser mãe". Assim como só o nascente pode ser sujeito passivo. O objeto jurídico do tipo penal é a preservação da vida humana, onde o crime se consuma com a destruição da mesma, pelo fato de ser um crime material, pois o tipo menciona a conduta e o evento, exigindo a sua produção para a consumação. É um delito que pode ser praticado por qualquer meio, ação ou omissão, admitindo-se somente a sua forma dolosa, devido a inexistência da forma culposa (princípio da legalidade). Quanto a tentativa, é admissível, não a punindo se o crime for impossível, no caso de a criança nascer morta (artigos 14, II e 17, ambos do CPB). É crime instantâneo, onde se contempla num só momento, e de dano, pois só se consuma com efetiva lesão do bem jurídico, além de ser necessário o exame de corpo de delito (CPP, artigo 158).

Sobre o contexto acima exposto, Souza e Japiassú (2011, p. 310) comentam:

O crime de infanticídio encontra-se definido no artigo 123 do CPB: [...] Cuida-se de previsão legal com o mesmo verbo do homicídio (matar), mas que dele se diferencia por ser tipo autônomo e por exigir a presença do estado puerperal, o que acarreta cominação de pena bem inferior à do homicídio simples (detenção de dois a seis anos ao invés de reclusão, de seis a vinte anos).

Para entendimento de Silva (2011) nada impossibilita a existência do concurso de pessoas no crime de infanticídio, conforme o artigo 29 do CPB, ao dispor que “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade” (BRASIL, 1940). 

No entanto, para Mirabete (2005), o crime de infanticídio é um crime privilegiado praticado pela mãe, que diante da situação psicológica que desfaz o ato criminoso, não deveria ser punida tão gravemente, considerando, assim, ser um crime autônomo com denominação jurídica própria. Conseqüentemente, os particípes não se beneficiariam pelo crime de infanticídio, mas responderiam pelo crime de homicídio.

Sobre o assunto, Capez (2003, p. 104) descreve:

O crime infanticídio é diferente do crime de homicídio, pois, exige do autor qualidades especiais, como ser mãe e estar sob influência do estado puerperal. É o crime em que a mãe mata o próprio filho, durante o parto ou logo após, sob a influência do estado puerperal. Ao excluir alguns dados do infanticídio, a figura típica deixará de existir, passando a ser outro crime (atipicidade relativa). Portanto, os componentes do tipo, inclusive o estado puerperal, são elementares desse crime. Sendo elementares, comunicam-se ao co-autor ou participe, salvo quando este desconhecer sua existência, a fim de evitar a responsabilidade objetiva.

Relevante expor que uma infração penal pode ser praticada por uma ou várias pessoas em concurso. Pode o sujeito ativo, isoladamente, materializar a conduta típica prevista no tipo legal do delito. Frequentemente, todavia, a infração penal é realizada por duas ou mais pessoas que concorrem para a eclosão do evento naturalístico. Nesta hipótese fática, ocorre a exteriorização do instituto criminal denominado concurso de pessoas (COIMBRA, 2009).

Nesse contexto, o infanticídio é um crime praticado pela mãe, de forma erma. Entretanto, Souza e Japiassú (2011) entendem que ele também pode ser efetuado mediante concurso de pessoas. Diante disso, manifesta-se a questão de saber se o co-autor ou partícipe do delito de infanticídio responderá por este crime ou pelo crime de homicídio.

Sobre o assunto, comentam Souza e Japiassú (2011, p. 10) que “quando várias pessoas concorrem para a realização da infração penal, fala-se em co-delinqüência, concurso de pessoas, co-autoria, participação, co-participação ou concurso de delinqüentes”.

Sendo assim, como o delito é um fato humano, pode ser cometido por diversas pessoas (concursus delinquentium), que se difere do concursus delictorum, em que acontece a prática de dois ou mais crimes. O concurso de pessoas seria, então, a consciente e voluntariosa participação de duas ou mais pessoas na mesma infração penal (SANNAZZARO, 2005).

O concurso de pessoas diz respeito à contribuição que foi desenvolvida por mais de um indivíduo para a consumação de um crime (NUCCI, 2014). Para Coimbra (2009, p. 04), para a existência do concurso de pessoas é indispensável a incidências dos seguintes pressupostos, a “pluralidade de condutas; a relevância causal da cada uma das ações; o liame subjetivo entre os agentes e a identidade de fato”.

No que diz respeito ao concurso de pessoas no delito de infanticídio, Nucci (2011, p. 652) discorre:

Tendo o Código Penal adotado a teoria monista, pela qual todos os que colaborarem para o cometimento de um crime incidem nas penas a ele destinadas, no caso presente, co-autores e particípes respondem igualmente por infanticídio. Assim, embora presente a injustiça, que poderia ser corrigida pelo legislador, tanto a mãe que mate o filho sob a influência do estado puerperal, quanto o participe que a auxilia, respondem por infanticídio. O mesmo se dá se a mãe auxilia, nesse estado, o terceiro que tira a vida do seu filho e ainda se ambos (mãe e terceiro) matam a criança nascente ou recém-nascida. A doutrina é amplamente predominante nesse sentido. 

Dessa forma, existe corrente que admite a extensão da penalidade infanticídio ao concurso de pessoas e outra, que considera o crime como sendo próprio específico da mãe, já que fora isso, o crime perderia sua tipificação especial. 

1.2 Posicionamentos doutrinários acerca da penalização dos co-autores e partícipes do crime de infanticídio

“O crime de infanticídio encontra-se descrito no artigo 123 do CPB: Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após” (BRASIL, 1940).

Para entendimento dos autores Rocha Júnior e Pacheco filho (2012) uma terceira pessoa também pode responder pelo infanticídio se atuar junto com a mãe, em concurso de pessoas, uma vez que a circunstância estado puerperal, além de ser pessoal, é elementar do crime. Como tal, estende-se ao terceiro que, por fixação jurídica, do artigo 30 do CPB, passa a estar também sob influência do estado puerperal.

No infanticídio, há probabilidade de terceiros operarem como agentes deste crime, seja ajudando a progenitora, como co-autor ou participante, seja como praticante, recebendo a ajuda da mãe auxílio, que quer vitimar seu próprio rebento. À vista disso, emerge uma velha discussão entre os juristas, quanto à punição deste terceiro que coopera para a consumação deste delito: o co-autor, participante ou executor que opera com ajuda da progenitora, deverá ser penalizado pelo delito de infanticídio ou de homicídio? (SOARES; PARAVINA, 2010).

Um dos maiores questionários doutrinários refere-se à penalidade a ser determinada àquele que coopera para a perpetuação do delito de infanticídio em conjunto com a genitora em razão da comunicabilidade ou não da elementar “influência do estado puerperal”, uma vez que se tem vasta dificuldade para a classificação do delito praticado pelo terceiro no infanticídio (SILVA, 2011).

Coimbra (2009) diz que a legislatura penal para a total definição do concurso de pessoas em relação à área temática, adotou o princípio da analogia dos antecedentes adotada quanto à relação de causalidade, equiparando os muitos antecedentes causais do delito, não discernindo entre os múltiplos participantes da prática delituosa e reunindo-os sob a denominação de co-autoria. Convém salientar que o CPB fazia uso da definição de concurso de agentes que, por seu caráter abrangente e compreensivo, até mesmo dos fenômenos naturais, no que se refere às leis da causalidade física, não foi dotada pela legislatura na reforma penal de 1984, que teve preferência pela terminologia concurso de pessoas.

No entanto, a legislatura brasileira não estipulou com clareza qual a pena a ser empregada ao partícipe e ao co-autor do delito de infanticídio e também no que diz respeito à comunicabilidade da elementar do tipo penal (SILVA, 2011).

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Para Silva (2011, p. 40), como resultante dessa omissão do legislador emergiram três teses que visam solucionar a problemática que sugere quando “a mãe e o terceiro realizam a conduta do núcleo do tipo penal quais sejam: matar; a mãe mata o recém-nascido havendo a participação acessória do terceiro; o terceiro mata a criança com a participação acessória da mãe”.

Na primeira tese há uma co-autoria, pois existe uma correlação de cooperação entre os autores tendo em vista um fim comum. O questionamento neste quesito é no que diz respeito à responsabilização dos co-autores, ou seja,se ocorrerá co-autoria no crime de infanticídio ou homicídio. Na segunda tese, caso a ação da mãe se encaixe nas elementares “sob influência do estado puerperal” e “durante ou logo após o parto”, ela responderá pelo delito de infanticídio e, neste caso, conforme prevê o artigo 30 do CPB quanto à comunicabilidade das elementares do tipo, também o terceiro responderá por infanticídio. A terceira tese apresenta uma situação em que o terceiro executa a conduta principal do tipo matar devendo, assim, de acordo com o conhecimento de Bitencourt e Prado, responder pelo delito de homicídio, sendo a mãe uma simples participante (SILVA, 2011).

Há duas correntes que tratam da temática. Uma, tutelada por Bitencourt, Noronha, Hungria Jesus, por exemplo,defende a comunicabilidade da elementar do artigo 123 do CPB (SILVA, 2011).

A polêmica centraliza-se, justamente, na questão da comunicabilidade das condições pessoais contempladas no tipo do artigo 123 do CPB, conforme a regra do artigo 30 também do CPB. De maneira geral, há três correntes que buscam discutir essa polêmica. A primeira delas assegura que, rigorosamente, o estado puerperal seria uma elementar personalíssima. Por isso, não seria comunicável ao concorrente, esgueirando-se, assim,do preceito da comunicabilidade (SOUZA; JAPIASSÚ, 2011).

Durante anos, Hungria foi um dos maiores patronos da incomunicabilidade da elementar do delito de infanticídio ao terceiro partícipe, devendo este responder pelo delito de homicídio e a progenitora por infanticídio (SILVA, 2011).

Porém, em meados de 1960, na derradeira edição de sua obra, Hungria modificou sua concepção, passando a concordar com o concurso de pessoas no delito de infanticídio tendo como justificativa que, “[...] em face do nosso Código, mesmo os terceiros que incorrem para o infanticídio respondem pelas penas a este cominadas, e não pelas do homicídio” (SILVA, 2011).

Para esta corrente, a substancial alegação apóia-se no determinado no artigo 29 do CPB, o qual designa que aqueles que contribuírem com o agente para a execução de um delito, deverão responder por igual crime, na equivalência da culpa de cada um. Além do estipulado no artigo 30 do CPB que institui a comunicabilidade das situações de caráter pessoal, caso essas sejam elementares do tipo. Assim, os doutrinadores referidos, além de Lyra, Noronha, Marques, e outros, defendem a comunicabilidade da elementar do infanticídio com o terceiro que de algum jeito contribuir para a geração de efeitos no mundo do direito (SILVA, 2011).

Para Silva (2011), a corrente predominante argumenta que o co-autor ou partícipe, juntamente com a mãe deve responder por infanticídio, uma vez que o elemento “influência do estado puerperal” é uma elementar do tipo penal.

Dentre os patronos desta concepção está Silva (2011, p. 37), que assegura o seguinte:

É certo e incontestável que a influência do estado puerperal constitui elementar do crime de infanticídio. De acordo com o que dispõe o artigo 30 do CPB, “não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. Assim, nos termos da disposição, a influência do estado puerperal (elementar) é comunicável entre os fatos dos participantes.

Em igual sentido, dispõe Silva (2011, p. 37) sobre o sentimento de arbitrariedade:

Tendo o Código Penal adotado a teoria monista, pela qual todos que colaborarem para o cometimento de um crime incidem nas penas a eles destinadas, no caso presente, coautores e partícipes respondem igualmente por infanticídio. Assim, embora presente a injustiça, que poderia ser corrigida pelo legislador, tanto a mãe que mate o filho sob a influencia do estado puerperal, quanto o partícipe que a auxilia, respondem por infanticídio.

Para esta segunda corrente, deve-se aplicar a regra do artigo 30 do CPB, visto que se trata de elementar do tipo penal relatado no artigo 123. O autor que,consciente da existência do estado puerperal, compartilhou com a mãe a ação de aniquilar seu filho, ou a pessoa que integrar material ou moralmente, desse delito,estará implicado na pena do infanticídio. Jesus, dentre outros, agrega-se a tal corrente, baseado na alegação de que, realmente, a influência do estado puerperal constitui elementar do infanticídio, comunicando, desde que constitua o dolo do agente (SOUZA; JAPIASSÚ, 2011).

A esse respeito, sobre outro pensamento, compreende Silva (2011, p. 40):

[...] o concurso de agentes é inadmissível. O privilégio se funda numa diminuição da imputabilidade, que não é possível estender aos partícipes. Na hipótese de co-autoria (realização de atos de execução por parte do terceiro), parece-nos evidente que o crime deste será o de homicídio.

Contudo, existe uma postura interposta: a solução do assunto dependeria da verificação do traço complementar da ação concorrente, ou seja, entender se ele caracterizou como partícipe ou co-autor do infanticídio. No primeiro caso, existiria existência da comunicabilidade, ambos respondendo pelo delito do artigo 123. Ao inverso, se deve invulgar o concurso de pessoas, penalizando de forma diferente cada um dos agentes, isto é, a figura do infanticídio será incomunicável ao concorrente (SOUZA; JAPIASSÚ, 2011).

No Brasil, prevalece a teoria da acessoriedade limitada para que o partícipe seja punido, ou seja, é necessário averiguar que o agente executou ao menos um ato típico e antijurídico. Se faltar tipicidade ou ilicitude, não haverá sentido em penalizar o partícipe, conforme demonstra Nucci (2014, p. 296), ao explicar que “outras teorias existem: acessoriedade extrema, que exige, para a punição do partícipe, tenha o autor praticado um fato típico, antijurídico e culpável, bem como a acessoriedade mínima, exigindo que o autor tenha praticado apenas um fato típico”.

Nesta lógica, a mãe e o terceiro praticam o centro do tipo; a mãe executa e o terceiro a ajuda; e o terceiro mata com o auxílio da mãe. Para este autor, na primeira tese, mãe e terceiro são co-autores do crime de infanticídio. Também na segunda tese o crime é de infanticídio para ambos. Finalmente, no último caso, o terceiro é responsabilizado como agente do delito de homicídio e a mãe como partícipe (SOUZA; JAPIASSÚ, 2011).

Sobre o caso, Souza e Japiassú (2010, p. 120) dizem:

Em que pesem os argumentos contrários, tem-se que não há com escapar da regra da comunicabilidade ao concorrente do infanticídio, sob pena de violação do princípio da legalidade. Não se pode aceitar a primeira corrente, visto que buscar discernir pessoal de personalíssimo é, fundamentalmente, uma burla de etiquetas. A tese intermediária, embora tecnicamente superior, não convence porque desconsidera não apenas o artigo 30, mas, igualmente, o artigo 29 do CPB, isto é, o princípio da unidade do delito. Portanto, apesar de louvável, é forçoso reconhecer que a preconizada distinção entre as figuras de co-autor e partícipe, importa em indevida analogia in malam partem (SOUZA; JAPIASSÚ, 2011 p. 120).

Existe quem alegue que se o terceiro é quem mata, responderá por homicídio mesmo que a mãe esteja influenciada pelo estado puerperal. Deve-se discordar de tal opinião, pois, nesse caso, a mãe seria co-autora do delito de homicídio, respondendo por delito mais grave e que não se considera a situação especial em que se encontra. De outro jeito, apesar de que o certo é que o terceiro sempre respondesse por homicídio e a mãe por infanticídio, não é o que está previsto no CPB e não se deve interpretar uma lei clara de forma contraria para lesar o réu. Com isso, se chega ao silogismo de que tanto a mãe quanto o terceiro deverão responder por infanticídio. É injusto, mas é legal (ROCHA JÚNIOR; PACHECO FILHO, 2012).

Pasquini (2002, p. 52) comenta:

Nos termos do parágrafo único do artigo 29, “se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço”. Essa redução da pena, presente a circunstância exigida, é obrigatória, portanto a expressão “pode”, refere-se ao quantum da diminuição.

A atenuante de um sexto a um terço deve diferir conforme a maior ou menor contribuição do co-autor no delito, sendo assim, quanto mais o ato do autor se avizinhar do centro do crime maior será sua punição, por outro lado quanto se distanciar do centro, menor será sua penalidade (PASQUINI, 2002).

Dessa forma, necessário averiguar que, no caso do crime de infanticídio, a mãe deverá se encontrar sobre influência de perturbação psíquica originada pelo estado puerperal e incapacitando-a de compreensão da atitude criminosa executada, havendo assim, a necessidade de comprovação do vínculo causal entre a morte do nascente e o estado puerperal da mãe.

1.3 Análises jurisprudenciais

O crime de infanticídio encontra-se prenunciado no artigo 123 do CPB e requer alguns quesitos como: que o delito seja cometido perante a influência do estado puerperal; que possua como alvo o filho da própria gestante; que seja praticado no decorrer ou logo após o parto. Importante notar que esse delito provem de uma hipótesejuris tantum, isto é, é reconhecido pela jurisprudência como um transtorno mental natural até que se ateste o oposto (NERY, 2014).

Pode-se assegurar, portanto, que o infanticídio figura crime autônomo (delictum sui generis) e privilegiado, porque, mesmo tendo o mesmo centro do homicídio, tem penalidade mais amena por se considerar que a genitora não atua de forma livre, mas sob influência de mutações físicas e psíquicas advindas do estado puerperal. A atenuante está relacionada especialmente ao estado exclusivo da genitora, que encontra-se inclusa em um cenário de perturbações psicológicas e físicas sofridas pela mãe em razão do parto (PESTILLI, 2012).

Demonstra-se abaixo o concurso de pessoas no crime de infanticídio, em que o partícipe contribui para a elaboração do ato criminoso, conforme RC: 713562 PR Recurso Crime Ex Off e em Sentido Estrito - 0071356-2, Relator: Antônio Gomes da Silva, Data de Julgamento: 09/12/1994, Quarta Câmara Criminal (extinto TA).

HOMICIDIO - CONCURSO DE PESSOAS - (ARTIGO 29, DO C. PENAL) - ADMISSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO. SE O PARTICIPE, EM TESE, CONTRIBUI MORALMENTE, INSTIGANDO, AMEACANDO OU PROVOCANDO A AUTORA AO COMETIMENTO DO DELITO DE INFANTICIDIO, DA DENUNCIA CONTRA ESTE NAO PODE SER AFASTADO.

Ainda que a legislatura brasileira permita a análise de cada ação precisa, viabilizando ao juiz entender e averiguaras características de cada condição e elucidando a relevância das situações traumáticas para a execução do ato delituoso, a jurisprudência tem compreendido, em todas as situações, a definição do benefício de crime incomum, decorrente do princípio in dúbio pro reo, sempre contemplando as mães homicidas com penas mais brandas (PESTILLI, 2012).

Demonstra-se conforme o processo nº 1.0702.04.170251-6/001 (1), relator Renato Martins Jacob, julgado em 16/04/2009, qual seja:

EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ERRO DE TIPO. CRIME IMPOSSÍVEL. CONTROVÉRSIA. HOMICÍDIO AFASTADO. INFANTICÍDIO. COMPROVADA INFLUÊNCIA DO ESTADO PUERPERAL NA CONDUTA DA MÃE. DESCLASSIFICAÇÃO NECESSÁRIA.- Existindo fortes indícios de que a acusada agiu com "animus necandi", não há como acolher, de plano, a tese de erro de tipo, razão pela qual deverá a acusada ser submetida a julgamento pelo Tribunal do Júri.- Se a prova dos autos, inclusive a de natureza pericial, atesta que a recorrente matou o seu filho, após o parto, sob a influência de estado puerperal, imperiosa a desclassificação da imputação de homicídio qualificado para que a pronunciada seja levada a julgamento pelo cometimento do crime de infanticídio (artigo 123 do Código Penal).

Nesse sentido, nota-se que a mãe incorreu nas penas do crime de infanticídio, uma vez que no momento do ato criminoso, passava por psicologia abalada, qual seja o caso:

Quando do seu interrogatório em juízo, a acusada assim relatou: "(...) que ao sair do banheiro em direção a seu quarto, onde também dormiam seus filhos de 3 e 2 anos de idade, sentiu uma dor mais forte, segurou na janela e o bebê caiu do interior da interroganda uma bolsa com o cordão deteriorado; que em seguida a interroganda pegou um cobertor, embrulhando a criança e colocou-a em cima da cama; que deitou-se e dormiu; que por volta de 0:00h acordou com a criança chorando; que colocou a mão sobre a boca da mesma, para que parasse de chorar; que tornou a dormir e no dia seguinte, o irmão da interroganda bateu na sua porta (...) que balançou a criança mas a mesma não mexeu; que quando os filhos da interroganda acordou levou-os para fora do quarto e voltou para limpa-lo; que retirou a bolsa e limpou o sangue; que a criança não chorou mais e permaneceu enrolada em cima da cama até sexta-feira, dia em que o colocou dentro do armário; que na quarta feira da semana seguinte, retirou a criança de dentro do guarda-roupa, onde já estava enrolada no cobertor e no lençol, levou-o até o fundo da casa, colocou-o no chão e cobriu com umas folhas secas de bananeira; que em seguida colocou fogo nas folhas" (fls. 83/84).

Conforme demonstrado, diante da penalização sentencial, foi adotado o critério fisiopsiquíco para caracterizar o crime de infanticídio, uma vez que demonstra o desequilíbrio físico e hormonal sofrido pela mulher durante a gravidez, no momento do parto.

Assim, não basta apenas a observação do delito, mas o fato da mulher encontrar-se sobre estado puerperal; imprescindível que a condição tenha influenciado diretamente a mão a matar o próprio filho.

Diante do processo acima descrito, percebe-se que o crime de infanticídio é um crime próprio da mãe, que no momento ou logo após o parto, sobre efeito psicológico abalado, comete crime contra o próprio filho.

Podendo nesse caso, a mãe cometer o crime com ajuda de terceiros, no caso do concurso de pessoas, no entanto, apenas a mãe se encaixará no rol de crime de infanticídio, sendo os demais, no crime de homicídio. 

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