DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
É sabido que atualmente o Brasil ostenta a terceira colocação de maior população carcerária do mundo, acima de 700 mil presos.
Somente em Minas Gerais, são aproximadamente setenta mil presos, e 63.737 mandados de prisão em aberto.
Com tanta gente confinada, certamente o país não consegue garantir os direitos assegurados à população encarcerada, e nem mesmo quem esteja fora do sistema prisional, quem nunca praticou crime, quem recolhe regularmente seus tributos, e sempre contribuiu com sua força laboral para o crescimento social.
Temos direitos garantidos, instrumentos de garantias, mas materialmente não há condições de implementar todos os direitos previstos, em razão de diversos fatores, inclusive a corrupção sistêmica, e claramente, se sabe, ninguém pode ser suprimido de um direito por ineficiência ou inoperância do Estado, restando ao Poder Judiciário a missão de fazer concretizá-los ainda que efetivados em parcelas.
E hoje em dia, esta parcela reprimida, de direitos aviltados, são as mulheres presas cujos direitos lhes são negados.
Assim, segundo a Lei de Execução Penal, os estabelecimentos penais destinados a mulheres serão dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até 6 (seis) meses de idade.
Nos estabelecimentos penais, faltam até policiais do sexo feminino para atender os interesses das mulheres.
E mais que isso. Com a entrada em vigor da Lei nº 13.257, de 2016, que modificou o Código de Processo Penal, em seu artigo 318, foi ampliado o rol de direitos à concessão de substituição da prisão preventiva para domiciliar a gestante, mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos e homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos, sendo necessário para a substituição, que o juiz exija prova idônea dos requisitos estabelecidos no artigo em apreço.
Aqui a Lei não especificou qual foi a natureza do crime praticado pela mulher, se hediondo ou não, se violento ou não, ficando claro que se o crime envolveu um descendente, por exemplo, e se punido com pena de reclusão, inevitavelmente, por questões imperativas, o Juiz de Direito deve enfrentar a questão dos efeitos específicos do artigo 92, II, do Código Penal, com nova redação determinada pela recente Lei nº 13.715 de 24 de setembro de 2018, acerca da incapacidade ou não para o exercício do poder familiar, da tutela ou da curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar, contra filho, filha ou outro descendente ou contra tutelado ou curatelado.
Portanto, direito assegurado por lei não se discute, ele existe para ser efetivamente cumprido. Se a Lei assegura a substituição da prisão preventiva em prisão domiciliar, nos casos elencados na legislação pertinente, inclusive, o direito e interesse do homem, caso seja ele o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos, caberá a Justiça efetivá-lo em nome da realização propositiva e da imposição normativa.
A decisão do STF encontra-se respaldo legal, é fruto da edificação do próprio homem, é questão de ação humanista, havendo convocação geral dos agentes de promoção da Justiça, nos exatos limites de sua atribuição ou competência, sem vaidades e sem estrelismos, tudo voltado, é claro, para a efetivação dos direitos assegurados, colocando o homem no centro das atenções, como protagonista de um mundo juncado de valores e sintomas de eticidade, e assim, estaremos diante de uma sociedade melhor para se viver.
Em voto contrário, o ministro Luiz Edson Fachin, aduz com singular sabedoria e clareza:
"(...) Não se dessume do Código de Processo Penal ou das normas internacionais de proteção à pessoa humana, diretriz interpretativa que inviabilize ao magistrado a aplicação, desde que justificada e excepcional, da prisão preventiva. No entanto, tal como asseverou o e. Ministro Ricardo Lewandowski, isso não significa que a sua substituição pela domiciliar fique a critério exclusivo do magistrado.
As alterações do Código de Processo Penal promovidas pela Lei 13.257/2016, que dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância, sinaliza para a teleologia de sua aplicação: um plus em relação a mera faculdade, sem, porém, consubstanciar um dever imediato.
Com efeito, a Lei vem a concretizar o disposto no art. 227 que dispõe ser “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
No mesmo sentido, a Declaração de Kiev (2009), em seu artigo 4.2, estabelece que sempre que os interesses das crianças estiverem envolvidos, o melhor interesse da criança deve ser o fator determinante em relação ao encarceramento de mulheres, o que implica pôr os interesses da criança em absoluta prioridade. Tais dispositivos são objeto de detalhada proteção no âmbito da Convenção de Direitos das Crianças.
Com efeito, logo no artigo 3.1 da Convenção, estabelece-se que “todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança”.
Por fim, a meu aviso, permissa maxima venia, a decisão do STF não poderia alcançar cegamente a todos os casos de forma indeterminada, sob pena de supressão da vontade do julgador, devendo o juiz de direito que preside o processo analisar CONCRETA e INDIVIDUALMENTE, caso a caso, e uma vez comprovados cabalmente os requisitos da substituição, conforme artigo 318, parágrafo único, do CPP, fazer a substituição, em consonância com a decisão do voto vencido, todavia, mais coerente, do ministro LUIZ EDSON FACHIN, que assevera: "defere-se a ordem de habeas corpus coletivo exclusivamente para dar interpretação conforme aos incisos IV, V e VI do art. 318 do Código de Processo Penal, a fim de reconhecer, como única interpretação constitucionalmente adequada, a que condicione a substituição da prisão preventiva pela domiciliar à análise concreta, justificada e individualizada, do melhor interesse da criança, sem revogação ou revisão automática das prisões preventivas já decretadas".