Capa da publicação Cobertura financeira para despesas de fim de mandato
Artigo Destaque dos editores

A cobertura financeira para as despesas de fim de mandato:

o polêmico art. 42 da LRF e a correta interpretação do TCE-SP

Leia nesta página:

É obrigatório que, no último exercício da gestão, haja superávit orçamentário? A lei manda que o governo reduza o saldo descoberto de despesas aptas a pagamento?

Este é o ano que marca o fim do mandato de vários titulares de Poder estatal e órgãos enunciados no artigo 20 da Lei de Responsabilidade Fiscal: o Presidente da República, os governadores, os presidentes de Assembleias Legislativas e, em boa parte dos casos, os procuradores gerais de justiça, os presidentes de tribunais de justiça, de contas e de câmaras municipais.

Norma para frear abusos financeiros em fim de gestão, o art. 42 daquela disciplina proíbe que, nos últimos quadrimestres, o gestor autorize despesa sem disponibilidade monetária:

Art. 42 - É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.

Parágrafo único - Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício.

O não cumprimento enseja que o Tribunal de Contas rejeite o balanço anual do gestor e, à conta do art. 359-C do Código Penal, remeta os autos ao Ministério Público para responsabilização criminal do responsável.

Esse artigo 42 ainda causa acentuada polêmica, se bem que duas delas já foram superadas, pois que, para cumprimento da regra, alguns intérpretes antes propunham, de modo equivocado, lastro financeiro para a integralidade da dívida de curto prazo (flutuante) e para os contratos que se estendiam pelo ano seguinte.

Vencidas tais controvérsias, argumentam alguns que o art. 42 não é para as despesas passadas, aquelas assumidas antes dos oito meses da vedação, o que afasta os elevadíssimos gastos preexistentes ao tempo da regra (folha de pagamento, encargos patronais, contratos de serviços contínuos, repasses obrigatórios e voluntários, entre tantos outros).

A valer tal exegese, deveriam os Tribunais de Contas analisar, um a um, empenhos e contratos formalizados no período de vedação; isso para distinguir se o gasto é antigo ou novo, remetendo-se apenas este último à necessidade de amparo financeiro, quer dizer, à restrição do artigo 42.

Nisso se afigura, de pronto, dificuldade conceitual e operacional; vamos a alguns exemplos: a) confissão de dívida feita em agosto é uma nova despesa, considerando que o gasto incorreu, de fato, sob a competência de anos pretéritos? b) é nova obrigação admitir servidores em face do desligamento de outros funcionários? c) é dispêndio novo o aditamento contratual de obra iniciada no ano anterior?

De outra parte, a Lei de Responsabilidade Fiscal combate o desequilíbrio entre receitas e despesas, daí evitando o aumento da dívida pública, quer de curto ou de longo prazo.

Assim, os preexistentes dispêndios, previsíveis, há muito tempo, no planejamento orçamentário, deveriam todos contar com amparo de caixa, principalmente em época de maior restrição fiscal: o de época eleitoral.

Do contrário, o Controle Externo laboraria na contramão do querer legal, sancionando dívida maior, a ser enfrentada pelo próximo mandatário.

Além de tudo, gestores irresponsáveis reservariam numerário para as novas despesas, aquelas contraídas entre maio e dezembro do último ano, deixando descobertas as geradas em época anterior, às quais, como se sabe, têm alentado vulto; relacionam-se à operação e manutenção da máquina pública. Fariam isso ao arrepio da ordem cronológica de pagamentos (art. 5º, da Lei 8.666/1992), mas, quanto a essa irregularidade, não há, na prática, penalidades que de fato se aplicam ao infrator.

Se a Lei de Responsabilidade Fiscal impõe vários mecanismos contra o déficit e a dívida, não seria em época mais tormentosa, a eleitoral, que tal intento seria afrouxado.

Em suma, não é só o gasto novo que precisa de saldo de caixa; o preexistente também disso necessita.

De mais a mais, ninguém desconhece que é de curto prazo a dívida de imensa parte dos municípios; para ela a única restrição é o debatido artigo 42, pois a Lei de Responsabilidade Fiscal, de concreto, não exige metas e limites para aquela pendência; só o faz para a outra dívida, a de longo prazo (consolidada).

Além disso, de ressaltar que, ano a ano, a lei de diretrizes orçamentárias (LDO) da União federal inclui, na vedação do art. 42, “a prestação de serviços existentes” e, não somente, os novos, os contraídos nos derradeiros oito meses do mandato.

É o que se vê na LDO federal para o ano de 2019 (Lei 13.707, de 2018):

Art. 146. Para efeito do disposto no art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal, considera-se contraída a obrigação no momento da formalização do contrato administrativo ou do instrumento congênere.

Parágrafo único. No caso de despesas relativas à prestação de serviços existentes e destinados à manutenção da administração pública federal, consideram-se compromissadas apenas as prestações cujos pagamentos devam ser realizados no exercício financeiro, observado o cronograma pactuado.

Diante de tudo isso, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP), corretamente, não impõe que, em fim de mandato, o Poder estatal reduza o saldo descoberto de despesas aptas a pagamento; tampouco que, no derradeiro exercício, haja superávit orçamentário. Ao contrário, tal Corte requer que não se aumente, ainda mais, os débitos sem amparo financeiro.

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É o que se vê em exemplo baseado na metodologia de apuração do TCESP:

  • Despesas a pagar em 30 de abril do último ano de mandato (empenhos a pagar e Restos a Pagar, todos já liquidados).
  • (-) efetiva disponibilidade monetária em 30.4 (já descontado o dinheiro vinculado a depósitos, cauções e consignações).
  •  (=) situação líquida de caixa em 30 de abril do último ano do mandato (sobra ou insuficiência monetária)

A COMPARAR COM A SEGUINTE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA:

  • Restos a Pagar Liquidados em 31 de dezembro.
  • (-) efetiva disponibilidade monetária em 31.12 (já descontado o dinheiro vinculado a depósitos, cauções e consignações).
  •  (=) situação líquida em 31 de dezembro do último ano do mandato (sobra ou insuficiência de caixa).

Exemplificando, se, em 30 de abril, havia uma dívida líquida de R$ 1.000 e, no dia 31 de dezembro, essa pendência foi reduzida para R$ 900, tal exemplo demonstra que, nos últimos quadrimestres, todas as despesas contaram com suporte de caixa, o que satisfaz ao art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Em rumo contrário, se houver elevação naquele endividamento de curto prazo, tal cenário evidencia que, no lapso de vedação, fez-se despesa sem a necessária cobertura monetária, o que, por certo, contraria a norma em estudo.

Sob tal leitura, o TCESP evita que se transfira mais ônus ao futuro mandatário, além dos que habitualmente já são repassados (déficit financeiro, parcelamento de precatórios, INSS, FGTS, PASEP, entre outros).

Por último, se pretendesse o legislador que a norma alcançasse somente as novas despesas, teria assim dito: “É vedado....contrair nova obrigação de despesa que.....”.

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Sobre o autor
Flavio Corrêa de Toledo Junior

Professor de orçamento público e responsabilidade fiscal. Autor de livros e artigos técnicos. Ex-Assessor Técnico do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLEDO JUNIOR, Flavio Corrêa. A cobertura financeira para as despesas de fim de mandato:: o polêmico art. 42 da LRF e a correta interpretação do TCE-SP. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5607, 7 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70142. Acesso em: 23 nov. 2024.

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