4 – LEI Nº 12.830/2013 E DEMAIS NORMAS COGENTES.
Publicada em 21 de junho de 2013 a Lei nº 12.830/2013 dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia, de sorte a assegurar, dentre outras prerrogativas, a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.
Extrai-se do dispositivo legal em apreço que a requisição estará vinculada a existência de uma investigação formalmente iniciada, significando um meio de coleta das provas em que o Delegado de Polícia, com o fim de agilizar as investigações, logicamente, ressalvadas diligências adstritas a autorização judicial, tais como interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário e fiscal, busca apreensão.
Portanto, salvo melhor juízo, a Lei nº 12.830/2013 deve ser interpretada e contextualizada às normas referentes aos documentos médicos, em especial o Art. 85 e Art. 88 do Código de Ética Médica.
Nesse aspecto, temos que o Art. 88 do Código Ética Médica prevê a possibilidade de exibição de prontuário médico para atender ordem judicial, cuja apresentação far-se-á ao médico indicado pelo juízo.
Desta forma, adotando a mesma simetria, poder-se-ia concluir que a requisição formulada pela Autoridade Policial, no que tange à exibição de prontuário médico, deve adotar a mesma forma procedimental seguida em juízo, qual seja, o prontuário médico deve ser exibido diretamente ao Instituto Médico Legal e analisado pelo médico legista frente à quesitação formulada pelo Delegado de Polícia.
Sem embargos a diversos entendimentos, conclui-se que adota tal procedimento quando da requisição de prontuário médico formulada pelo Delegado de Polícia, ao médico ou hospital responsável pelo atendimento ao paciente, estar-se-ia assegurando o sigilo profissional e, ao mesmo tempo, garantido o concatenar regular das investigações.
Razão assiste ao festejado Delegado de Policia, Henrique Hoffmann Monteiro de Castro, quando afirma que:
"(...) Vale lembrar que não apenas a obtenção do prontuário hospitalar, mas diversos outros atos investigativos independem de prévia autorização judicial, tais como apreensão de objetos (artigo 6º, II do CPP), requisição de perícias (artigo 6º, VII do CPP) e ação controlada no crime organizado (artigo 8º, parágrafo 1º da Lei 12.850/13), situações em que o delegado de polícia pode e deve agir de ofício(...)".
"(...) Portanto, resta claro que o sigilo médico, muito embora tenha importância ímpar para proteger aspectos confidenciais do paciente, não é oponível ao delegado de polícia no legítimo exercício de sua atribuição constitucional de investigar infrações penais(...)".
Em evento para promoção dos direitos fundamentais, realizado no Paraná, foram apresentados 21 anunciados inerentes à defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana e ao aperfeiçoamento da democracia como valor supremo do Estado de Direito em nosso país, decididos a fomentar e aplicar todos os fundamentos que balizam a atuação do Estado na persecução penal com total observância aos postulados que constituem o conjunto de garantias e direitos constitucionais do individuo sujeito a toda e qualquer investigação deflagrada pelas Polícias Judiciárias dos Estados e da União.
O enunciado 13 do II Encontro Nacional de Delegados de Polícia sobre Aperfeiçoamento da Democracia e Direitos Humanos, apresenta o seguinte teor:
"O poder requisitório do delegado de polícia abarca o prontuário médico que interesse à investigação policial, não estando albergado por cláusula de reserva de jurisdição, sendo dever do médico ou gestor de saúde atender à ordem no prazo fixado, sob pena de responsabilização criminal."
5 - PESQUISA JURISPRUDENCIAL
Sobre o sigilo do prontuário médico, a jurisprudência caminha no sentido de permitir o fornecimento deste documento médico, entendendo-se que tais sigilos não podem ser suscitados contra o próprio paciente ou, em caso de óbito, contra seus familiares, considerando o interesse destes no conhecimento das informações relativas ao de cujus para a preservação de direitos.
O posicionamento se funda na premissa de que o prontuário médico, nos casos de morte do paciente, seria um documento comum às partes e, considerando o justo motivo pelo qual se pretende a exibição, afasta-se, então, o sigilo médico, tendo o hospital ou o médico o dever de apresentá-lo, não se admitindo a recusa, conforme preconiza o artigo 399, III, do Novo Código de Processo Civil.
Nesse sentido, colacionam-se os seguintes julgados:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. PRONTUÁRIO MÉDICO PARA FINS DE ACIONAR O SEGURO E LIQUIDAÇÃO DO CONTRATO JUNTO AO BANCO CRESSOL. ALEGAÇÃO DE SIGILO QUE NÃO PODE SER INVOCADO PARA IMPEDIR O ACESSO DA AUTORA AO PRONTUÁRIO DO FALECIDO ESPOSO. PRECEDENTES DESTA CORTE. 1. Ainda que as informações médicas de pacientes sejam sigilosas, não podendo, em princípio, ser reveladas por médico ou hospital, em virtude do exercício da profissão, no caso dos autos, entendo que tais sigilos não podem ser suscitados contra o próprio paciente ou, em caso de óbito, contra seus familiares, considerando o interesse destes no conhecimento das informações relativas ao de cujus para a preservação de direitos. Caracterizado, pois, de documento comum às partes e, considerando o justo motivo pelo qual a autora pretende a exibição do prontuário médica, afastando-se, então o sigilo médico, patente o interesse da autora em obtê-lo e inequívoco o dever de o réu em apresentá-lo, não se admitindo a recusa, conforme preconiza o artigo 358, III, do CPC. 2. As Pessoas Jurídicas de Direito Público, estão isentas das custas processuais e emolumentos, devendo arcar com as despesas processuais previstas no artigo 6º, C, da Lei 8.121/85, com exceção das despesas relativas a conduções de Oficiais de Justiça. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO. Apelação Cível Nº 70063501936, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adriana da Silva Ribeiro, Julgado em 08/04/2015)
Este é o entendimento jurisprudencial, valendo a transcrição de Acórdãos do Superior Tribunal de Justiça:
"ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. 'QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL'. EXIBIÇÃO DE 'FICHA CLÍNICA' A PEDIDO DA PRÓPRIA PACIENTE. POSSIBILIDADE, UMA VEZ QUE O 'ART. 102 DO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA', EM SUA PARTE FINAL, RESSALVA A AUTORIZAÇÃO. O SIGILO E MAIS PARA PROTEGER O PACIENTE DO QUE O PRÓPRIO MÉDICO. RECURSO ORDINÁRIO NÃO CONHECIDO". (STJ. RMS 5821/SP, tendo como Relator o ministro Adhemar Maciel, 6ª Turma, j. 15/08/1996).
"RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO E CRIMINAL. REQUISIÇÃO DE PRONTUÁRIO. ATENDIMENTO A COTA MINISTERIAL. INVESTIGAÇÃO DE "QUEDA ACIDENTAL". ARTS. 11, 102 E 105 DO CÓDIGO DE ÉTICA. QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL. NÃO VERIFICAÇÃO. O sigilo profissional não é absoluto, contém exceções, conforme depreende-se da leitura dos respectivos dispositivos do Código de Ética. A hipótese dos autos abrange as exceções, considerando que a requisição do prontuário médico foi feita pelo juízo, em atendimento à cota ministerial, visando apurar possível prática de crime contra a vida. Precedentes análogos. Recurso desprovido" (ROMS nº 11.453/SP, DJ 25/08/2003, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca).
Todavia, não foi possível identificar, junto aos Tribunais Superiores, a existência de Julgados envolvendo a (im)possibilidade de requisição da Autoridade Policial do prontuário médico frente a edição da Lei nº 12.830/2013.
DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Constituição Federal assegura o direito à privacidade e intimidade, ao tempo em que as normas regulamentares de profissões liberais mantêm a preservação do sigilo profissional, seja, advogado, médico ou contador, a regra é a do sigilo.
Todavia, o sigilo profissional não tem caráter absoluto, comportando relativo elastério, podendo sua quebra ser imposta ao prudente arbítrio, quando, em face à peculiaridade do caso, se vislumbre a existência de justa causa a autorizá-la, evidentemente, salvaguardando os interesses de todos os envolvidos na promoção e realização do comando normativo, eis que não se pode querer garantir direitos com agressão ou violação aos direitos inerentes aos promotores de garantias. Não se pode promover direitos com agressões ou ameaças a direitos.
Portanto, o preceito sofre exceções, como bem estabelece o Código de Ética Médica, art. 89, ao excepcionar o sigilo quando houver justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente.
Ressalte-se que as informações contidas no prontuário médico não são exclusivas do hospital ou do profissional da área da saúde, mas também do paciente, na medida em que dizem respeito a ele.
A hipótese abrangida pela Lei nº 12.830/2013, que assegura à Autoridade Policial a possibilidade de requisitar documento, dentre eles, o prontuário médico, visa a instruir investigação criminal e, consequentemente, há justa causa para o afastamento do sigilo, de sorte estar em consonância com art. 89 do Código de Ética Médica.
Ao finalizar o presente estudo, chega-se à conclusão de que o instituto jurídico da requisição, previsto na Lei nº 12.830/2013, diante das razões fáticas e jurídicas do caso concreto, autorizam o Delegado de Polícia a ter acesso ao prontuário médico para instruir ao inquérito policial, destinado ao Instituto Médico Legal para a realização de perícia indireta, mesmo porque um documento havido como sigiloso, saindo para fazer parte de outro expediente também considerado sigiloso, como o Inquérito Policial, via de regra, artigo 20 do Código de Processo Penal, exigido no interesse da sociedade, estaríamos diante de um traslado de essência de sigilosidade.
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