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Inseminação heteróloga: direito a identidade genética, sigilo do doador e direito de herança

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DIREITO DE HERANÇA

Quanto à herança, no ordenamento jurídico pátrio, precisamente de acordo com o artigo 1.784 do Código Civil de 2002 traz a relação da sucessão onde faz referência aos herdeiros legítimos e não obstante aos testamentários, onde estes têm o direito desde a morte do de cujus, porém, faz ainda referência a que a transmissão da herança se dará apenas quando a sucessão for aberta (BRASIL).

Entretanto, esta Previsão é também imposta pela Constituição Federal de 1988 que traz o instituto do direito de herança como garantia fundamental do indivíduo (BRASIL). Portanto, é legado do filho o direito a herança, pois o ordenamento jurídico não faz distinção entre filhos advindos da paternidade genética com os advindos da relação afetiva ou por método de inseminação artificial heteróloga, entendimento esse que pressupõe o art.1.597, V, do Código Civil de 2002 (BRASIL).

Pois nesse sentido Pablo Stolze entende que nos dias atuais, em relação à normatização do direito de família o vínculo afetivo é muito importante sem desprezo da importância da família biológica, ou seja, geneticamente pai e mãe (GAGLIANO; FILHO, 2015, p.643). 

Assim, podemos observar que para o direito de família a relação parental vai além do genoma genético, pois abarca também o aspecto da filiação afetiva, pois no entendimento do presente autor que mesmo sendo de suma importância a figura do pai e da mãe biológica, não se deve desprezar a figura da relação parental por vínculo de afetividade (GAGLIANO; FILHO, 2015, p.643). 

Em complemento ao presente raciocínio, para Carlos Roberto Gonçalves, o direito pode dar um novo norte na relação familiar, isso porque, quanto aos institutos, sejam eles do casamento ou da união afetiva, o ordenamento jurídico já está dando tratamento mais igualitário (GONÇALVES, 2009, p.16/17).

Após a morte, quanto ao instituto da herança, este se perfaz num todo, isto é, quando um ou mais herdeiros existentes no direito a sucessão hereditária, o total da herança tornase direito unitário, contudo, à medida que é feito o inventário e posteriormente a partilha, cada um terá a sua cota parte. Nesse sentido traduz o Código Civil de 2002 quando trata dessas questões no seu art. 1.791 e Parágrafo Único (BRASIL).

É importante destacar que os bens deixados em herança, caso sofra ameaça de esbulho ou qualquer outro meio de turbação, caberá a qualquer um dos herdeiros proporem a medida cabível para proteger o bem ameaçado. Ademais, não poderá um dos herdeiros modificar o estado do bem da herança sem o conhecimento e consentimento dos demais, pois essa é uma prerrogativa importante para a preservação do bem comum a todos, qual trata o art.1.314, caput e parágrafo único do Código Civil de 2002 (BRASIL).

Ainda sobre o diapasão do condomínio entre herdeiros, de acordo o entendimento de Fábio Ulhoa, como não cabe aos herdeiros suportar débitos superiores à cota hereditária, como aduz o art.1.792 do Código Civil, deverá, portando, correr os débitos por conta do valor da herança, sem que os herdeiros suportem qualquer ônus por parte de dívidas oriundas do de cujus (COELHO, 2011, p. 261/262).

A família é uma base muito importante no contexto social, contudo, quando se trata de herança, há de se observar que o desenrolar desse instituto é complexo, isso porque envolve não só bens patrimoniais como também questões sentimentais. Porém, a possibilidade de dar fim ao casamento de forma amigável tornou-se um meio plausível, exceto, no caso de haver filho incapaz. Vez que antes do ano de 2007 tudo se resumia na conglutinação de processos no judiciário, pois o mesmo era alvo de grande demanda (COELHO, 2011, p.128).

Entretanto, ressalta-se que, uma das questões bastante corriqueiras e inconsequentes é o fato de que nem sempre é o patrimônio o principal motivo de relevância numa partilha. Isso se dar porque muitas das vezes a dor sentimental é o verdadeiro motivo em contenciosos da divisão dos bens (GAGLIANO; FILHO, 2011, p.309).

Outro aspecto fundamental é o modo como se der o regime de casamento. Uma razão importante a esse respeito é a possibilidade dos contraentes a casamento poderem escolher o regime de partilha. A esse respeito Pablo Stolze chama a atenção a respeito do pacto antenupcial, ou seja, meio bastante importante que os casais encontram para acordar sobre o regime de bem a ser adotado (GAGLIANO; FILHO, 2011, p. 311).

Contudo, Há de se observar que quando se trata de filhos advindos da relação, seja ela paterna, seja ela materna, ainda que por método artificial, a partilha abrange um contexto bem diferente em relação ao casal, isso fica evidente principalmente no regime de separação obrigatória de bens, qual trata o art. 1641 do Código Civil de 2002 (BRASIL).

Um ponto relevante ao artigo supracitado se perfaz aos maiores de 70 anos, que no caso de morte, havendo descendentes, não fará jus à herança o cônjuge sobrevivente. Nesse sentido, cabe destacar que não há diferenciação entre filho biológico, por adoção e por inseminação artificial, todos abrangidos pelo princípio da igualdade dos filhos, qual trata o art.1596 do Código Civil de 2002 (BRASIL).

É fundamental a disposição ao regime de bens a ser adotado pelo casal, pois, segundo PONTES DE MIRANDA (1947) citado por GONÇALVES (2009, p. 397), a importância que o regime de bens tem no sistema jurídico brasileiro é muito grande, pois diz respeito não só ao poder público, mas ao privado, devendo ser submetido às normas do ordenamento jurídico pátrio.


POSSIBILIDADES DE HERANÇA, SEGUNDO O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO, POR PARTE DE EMBRIÃO E MATERIAL GENÉTICO CRIOCONSERVADOS  

Esse é um tema bastante interessante, haja vista que no seu contexto pragmático só poderá ocorrer na inseminação artificial homóloga. Geralmente se dá após a morte de quem detenha a herança, como aduz o art.1.597, III, do Código Civil de 2002 (BRASIL).  Porém, não há no ordenamento jurídico uma forma de diferenciar sobre o aspecto natural ou artificial, tendo em vista que a norma jurídica é genérica, não adentrando em cada instituto de forma aprofundada (COELHO, 2011, p.295).

Ainda a esse respeito o presente autor, ao refutar-se sobre os embriões crioconservados, aduz que, em caso de morte do genitor após os espermas serem crioconservados, caso venham esses embriões a serem gerados, passarão a ter direito na herança ou em sua cota parte. No presente comentário, o autor cita ainda que o ser gerado tenha até os vinte oito anos para peticionar, requerendo o seu direito de herança em detrimento aos demais sucessores (COELHO, 2011, p. 296).

Obviamente é interessante ressaltar que, como não há diferenciação quanto aos filhos, sejam oriundos da filiação natural ou artificial, seja por meio de adoção, os direitos permanecem os mesmos, segundo a legislação brasileira. Nesse sentido, é aplicável o instituto da aceitação e renúncia da herança em ambos os casos. Contudo, cabe destacar que quanto à aceitação, mesmo que o filho não esboce nenhuma reação quanto à vontade de herdar, ainda assim terá direito a sua cota parte na herança (COELHO, 2011, p.265).

De outro lado, não menos importante, tem-se a possibilidade de renúncia. Ocorre que nessa, não basta tão somente o silencio do filho, possível herdeiro, basta uma formalidade diferenciada em relação à aceitação. É, portanto necessário que além do desejo expresso, haja também escritura pública e na sua falta que seja manifestada então a vontade de renúncia nos autos do inventário (COELHO, 2011, p.265).

É muito comum a observação do direito visto sobre o prisma do solucionador de litígios. Portanto, não é diferente para dirimir litígios envolvendo o direito de herdar. Nesse sentido, cabe destacar que caso haja suspeita de usurpação ou apossamento de herança por parte de quem não tem legitimidade, poderá qualquer um dos coerdeiros manejar ação de petição de herança (COELHO, 2011, p.267). 

Por outro lado, cabe destacar ainda que, caso na relação familiar venha alguém a se declarar como filho, ainda que depois da morte do pai ou mãe, provando ser realmente filho poderá, através do reconhecimento da paternidade ou maternidade, reivindicar judicialmente a sua cota parte da herança e consequentemente, ainda que já tenha havido a partilha, este requerer sua corta parte daqueles que já a receberam (COELHO, 2011, p.268). 

Também é importante frisar que, não obstante ao desconhecimento da sucessão, quando verificado a existência de testamento, ainda que encontrado após a partilha, caberá ao testamentado requerer a sua parte na herança, pois também ele terá direito na herança (COELHO, 2011, p.268).


OS DESCENDENTES COMO SUCESSORES E O DIREITO DE REPRESENTAÇÃO

No direito de herança, a divisão dos bens a serem herdados encontra respaldo no ordenamento jurídico. O Brasil, quanto ao estilo de divisão de herança, faz referência a sua divisibilidade por vocação hereditária. Perfazendo assim por grau mais próximo de parentesco. Segundo o entendimento aduzido pelo art. 1.833 do Código civil de 2002, primeiramente caberá aos filhos o direito nos bens deixados como herança e só na ausência destes como herdeiros, ou seja, caso não exista filhos, é que a herança deverá ser passadas as demais na ordem estimada pelo presente Código Civil de 2002 (BRASIL).

Porém, cabe destacar que quanto ao cônjuge ou companheiro do falecido, este passa a concorrer com os descendentes. Contudo a ressalva de que em caso de comunhão universal ou separação obrigatória de bens, não haverá a possibilidade de concorrências, nos moldes do art. 1829, Inc. I do Código Civil de 2002 (BRASIL).

Contudo, é sabido que em relação ao direito de representação, este é cabível quando o detentor do direito à herança, no caso de falecimento, deixando herdeiros, estes poderão representá-lo em sua parte da herança. No presente caso não importa se o filho é advindo de adoção ou se é filho biológico, pois o direito permanece o mesmo (COELHO, 2011, p.293).

Essa relação de representatividade não se dar em razão de ascendentes ou colaterais, pois é cabido apenas em linha reta descendente, como preceitua o Código civil de 2002, no seu artigo 1852 (BRASIL). Desse modo, um fato a ser observado trata-se da renúncia, pois nessa, quando ocorre, não caberá representação por parte de seus descendentes (COELHO, 2011, p.293).


CONCLUSÃO

Ao que se pode notar, o presente artigo, no seu contexto fático jurídico e doutrinário, mostrou muitas peculiaridades a respeito do instituto apresentado com tema. Cabe ressaltar que a informação contida no presente artigo não esgota a seara do instituto da inseminação artificial heteróloga e suas peculiaridades, pois é um campo amplo a ser amadurecido juridicamente no decorrer do tempo.

O fato preponderante do presente estudo foi vislumbrar o posicionamento acerca da reprodução humana, assim como também abordar aspectos jurídicos e doutrinários do instituto da herança, identidade genética e sigilo do doador, ao qual demonstrou que, quanto ao instituto da origem genética, prevalece o direito de conhecer a ascendência genética, qual seja, identidade genética.

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Outro ponto verificado é que, embora proporcionar a realização de um sonho, qual seja a possibilidade de ser pai e mãe, traz pontos a serem discutidos juridicamente de forma sistemática pelos tribunais superiores, pois ficou verificado e assentado que a doutrina majoritária entende ser direito do filho saber sua origem genética.

Ademais, verificou-se que, embora o sigilo do doador de gametas proporcione um maior interesse para que haja novos doares, este não se perfaz frente ao direito personalíssimo do indivíduo, pois doutrinariamente verificou-se que o desconhecimento da origem genética pode provocar situações constrangedoras, dentre as quais se cita a possibilidade de irmãos contraírem em matrimônio ou relacionamento amoroso, por consequência, relação sexual.

De outro lado, observa-se ainda que o fato do conhecimento à origem genética pode colaborar para um procedimento adequado e promissor, em caso de doenças que necessitem de transplante. Cita-se aqui o caso de medula óssea, pois quando faz parte da cadeia genética, as condições de tratamentos com possibilidades de cura podem ser mais satisfatórias.

Cabe destacar que, quanto ao direito sucessório, o ordenamento jurídico não faz distinção entre filhos, sejam eles havidos por método natural ou artificial, entendimento esse já pacificado. Portando, quanto ao instituto do direito de herança, os filhos havidos de inseminação artificial tem os mesmos direitos que os filhos havidos de forma natural, ou seja, através da relação sexual, inclusive os filhos adotivos.

Por fim, verificou-se que, embora iniciado, precisamente nos Estados Unidos, a inseminação artificial heteróloga encontrou também respaldo no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, foi demonstrado que, embora haja essa previsão no ordenamento jurídico, há muito ainda a ser feito como medida de proteção dos direitos gerados a partir do presente instituto, haja vista não haver uma legislação especial, que possa abordar sistematicamente as questões advindas da inseminação artificial.


REFERÊNCIAS 

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BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em dar provimento ao recurso especial. Acórdão da 3ª. Turma do STJ. Relator: Ministro Moura Ribeiro. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc. jsp> . Acesso em: 13 de Junho de 2015.

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Sobre os autores
Leandro Barbosa de Araujo

Formado em Direito pelo Centro Universitário Projeção/DF, Pós Graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Estácio de Sá/RJ. Atuante nas áreas de : Cível; Família; Trabalhista e Criminal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo publicado em 2016 pela revista de ciências jurídicas e sociais do Centro Universitário Projeção/DF.

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