RESUMO: Busca-se, neste artigo, realizar uma análise da execução penal, em face do princípio basilar da Constituição Federal de 1988, a Dignidade da Pessoa Humana. A evolução das penas privativas de liberdade foi marcada na história pela aplicação de penas cruéis, verdadeiros martírios e sofrimentos, os condenados, em praça pública, serviam de espetáculo e de exemplo a toda a sociedade. A dignidade da pessoa humana e outros direitos, como o contraditório ou a presunção de inocência sequer eram cogitados. O mundo, felizmente, evoluiu, sobretudo, quanto ao cumprimento de pena, inexistindo mais espaço jurídico para a aplicação da tortura à pessoa do condenado. Contudo, até o presente momento, nenhum dos sistemas de penas até então adotados conseguiu diminuir os problemas enfrentados pela sociedade contemporânea de presídios superlotados e total desrespeito à dignidade da pessoa humana do enclausurado. Diante da constatação de que o sistema penitenciário brasileiro vive uma crise generalizada em todos os Estados, sobretudo, porque as penas privativas de liberdade evidenciam cada vez mais a sua incapacidade de ressocialização, pretende-se verificar se o Método APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) pode alterar essa realidade, trazendo dignidade ao condenado, para que este retorne melhor à sociedade.
Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana; Sistema Prisional; Lei de Execução Penal. Método APAC.
ABSTRACT: Search, in this article, perform an analysis of the criminal execution, in the face of the basic principle of the Federal Constitution of 1988, the dignity of the human person. The evolution of custodial sentences was marked in history by applying cruel, true martyrdom and suffering, the damned, in the public square, served as spectacle and an example to the whole of society. Human dignity and other rights, such as the contradictory or the presumption of innocence even were bandied about. The world, fortunately, has evolved, especially regarding the fulfillment of shame, no more legal space for the application of torture on the person of the condemned. However, to date, none of the systems of penalties until then adopted managed to decrease the problems faced by contemporary society of overcrowded prisons and total disrespect to the human dignity of the shut-in. Faced with the realization that the Brazilian penitentiary system live a generalized crisis in all States, above all because the custodial sentences show more and more their inability to resocialization is designed to verify that the APAC Method (Association for protection and assistance to convicts) can change this reality, bringing dignity to the doomed to return to society.
KEYWORDS: Human dignity. Prison system. Law of Penal Execution.method APAC.
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Breve histórico do sistema prisional até os dias atuais; 3 Das diversas Espécies de Penas; 4 Da Teoria da Pena; 5 Objetivos da Lei Nº 7.210/84 – Lei de Execuções Penais; 6 O Problema do Brasil aos dias atuais; 6.1 O sistema prisional brasileiro em números; 6.2 O sistema prisional tradicional na atualidade 7 O método APAC como alternativa à pena privativa de liberdade em Minas Gerais; 7.1 Filosofia do Método APAC; 8 Jurisprudência acerca da aplicação do método APAC; 9 Conclusão; Referências.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa demonstrar a problemática da persecução penal que nada mais é do que um procedimento jurisdicional que visa na aferição da condenação ou absolvição de quem esta sendo acusado ou processado, o procedimento criminal deve se embasar sob o enfoque da dignidade da pessoa humana e o respeito ao preso, à luz da Lei de Execução Penal. Para tanto, traçar-se-á breve esboço dos sistemas penitenciários, abordando as diversas espécies de pena ate os dias atuais.
Visando melhor aplicabilidade da pena e do direito propriamente dito, apresenta-se, ainda, um breve histórico do surgimento da Lei nº 7.210. (Lei de Execução Penal), abordando seus objetivos norteadores de garantias e deveres daqueles que se encontram encarcerados; os problemas enfrentados pelo Brasil, nos dias atuais, que resultam em diversas complicações como, por exemplo, a ociosidade dos presos, a superlotação, fazendo-se, ao final, um panorama da situação do Estado de Minas Gerais.
Por fim, será objeto de estudo o surgimento do Método APAC, como alternativa na aplicação da pena privativa de liberdade, medida voltada ao respeito e à ressocialização do preso.
Assim, por meio de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, o presente artigo pretende traçar a diferença do sistema prisional tradicional e o Método APAC, a fim de verificar se este realmente cumpre o objetivo de ressocializar aquele que se encontra recluso.
2 BREVE HISTÓRICO DO SISTEMA PRISIONAL ATÉ OS DIAS ATUAIS
Segundo Gilherme de Souza Nucci [3]: A pena É a sanção imposta pelo Estado, através da Ação Penal, ao criminoso, cuja finalidade é a retribuição ao delito perpetrado e a prevenção a novos crimes. Verifica-se que, desde a antiguidade, basicamente por volta do século XVIII, as penas tinham característica extremamente aflitivas, ou seja, o corpo do delinquente pagava pelo mal por ele praticado, consistindo-se em penas de morte, sofrimento físico (açoites e mutilações).
Segundo ANDRADE (2014) “o Direito medieval, fortemente influenciado pelo Direito Canônico, adotou a pena de morte por métodos cruéis, como fogueira, afogamento e tinha a finalidade de intimidar.”[4]
No que diz respeito à evolução das penas, a história está repleta de casos cruéis e atrocidades. Entre elas, é possível se deparar, nos manuais de Direito Penal, por exemplo, com o famoso caso conhecido como episódio Francês, de 02 de março de 1757, ocorrido em frente à igreja principal de Paris, quando o infeliz condenado Damiens passou por várias sessões de tortura, a fim de que se consumasse o desejo estatal na persecução penal em seu desfavor por cometer determinado delito. Sobre o fato, tem-se o relato segundo Michel Foulcault
Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da porta principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Greve, e sobre uma patíbulo que será erguido, atenado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenizado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.[5]
Foucault relata em sua obra, que os suplícios eram ostentados e momentos legitimados pela ordenação que regeu a França de 1670 até a Revolução. As formas gerais da prática penal hierarquizavam os castigos por ela prescritos, resumidos na morte, os açoites, a confissão pública, o banimento. “As penas físicas tinham, portanto, uma parte considerável. Os costumes, a natureza dos crimes, o status dos condenados as faziam variar ainda mais”. [6]
O suplício era uma pena corporal dolorosa mais ou menos atroz, relata Foucault, acrescenta que: “é um fenômeno inexplicável a extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade”[7]. O entendimento era de que o corpo suplicado traria à luz a verdade do crime. O condenado não tinha sequer acesso ao procedimento ou às peças do processo, assim como não existia o contraditório, nem simétrica paridade entre as partes. O Estado privava o condenado do direito a um advogado, até mesmo para o ato básico de verificação do andamento regular do processo ou para participar da defesa. Por certo, o devido processo legal nem se cogitava, pois tais preceitos eram sucumbidos.
Nesse período, não existiam casas de custódia de presos ou lugar algum onde se pudessem abrigar os que atentavam contra as leis, e, diante da inexistência de estabelecimentos prisionais, muitas vezes, os presos eram levados para lugares em condições subumanas de ocupação. Foi na sociedade cristã que a ideia inicial da pena de prisão se tornou uma forma inicial de sanção, visto que somente no Século XVIII é que a pena de prisão começou a ser reconhecida em substituição as penas de morte. Cabe destacar que que em uma ideia inicial , o aprisionamento se dava em palácios de reis, ou em templos ou ao redor das cidades para se evitar a fuga. Não se tinha uma ideia de estabelecimentos prisionais adequados, até porque as condições econômicas da época não permitiam. Havia a concepção de reclusão e meditação como forma de recuperar o infrator, mas sem perder caráter de expiação, circunstância que acabou por influenciar o direito punitivo, tornando-se inquestionável antecedente da prisão moderna. Inclusive, o vocábulo “penitenciária” tem sua origem na palavra penitência, intimamente vinculada ao Direito Canônico. A prisão como forma de aplicação de pena surge na era cristã, tendo forte influência por parte da Igreja Católica, como aponta Durval Ângelo de Andrade.
[...] A prisão como pena, ou castigo, surgiu, portanto, na sociedade cristã, como uma criação do Direito Canônico. dos séculos XIII a XIX, para punir quem não confessasse a fé católica, a Igreja praticou a Inquisição, criando prisões onde eram praticados suplícios cruéis que podiam culminar com a morte na fogueira. As prisões, denominadas “penitenciarias”, eram em geral, subterrâneas, escuras e imundas, a fim de propiciar a penitencia, a expiação e a purgação. [8]
Todavia, como pensar em ressocialização se a própria história mostra que o sistema penitenciário já fora extremamente cruel, sendo que as pessoas se deleitavam em assistir tais execuções?
Hoje, apesar de não existirem mais tais procedimentos, a nação brasileira vive em um sistema prisional extremamente falido e ineficaz, fazendo com que a sociedade clame ao Poder Público a elevação das penas e a criação de outras mais cruéis, como forma de tentar resolver o problema. Como buscar uma solução justa, quando se tem diversos problemas no sistema penitenciário brasileiro?
É uma missão difícil para o governo, pois, novos presídios são construídos, mas a corrupção e o abandono do Estado, dentre tantos outros fatores, impedem tal feito. Rogério Greco, dissertando acerca dos problemas que ocorrem hoje no sistema penal, no que toca ao desrespeito ao preso, aduz:
[...] A toda hora testemunhamos, pelos meios de comunicação, a humilhação e o sofrimento daqueles que por algum motivo se encontram em nosso sistema carcerário. Não somente os presos provisórios, que ainda aguardam julgamento nas cadeias públicas, como também aqueles que já foram condenados e cumprem pena nas penitenciarias do Estado. Na verdade, temos problemas em toda a federação. Motins, rebeliões, mortes, tráfico de entorpecentes e de armas ocorrem com frequência em nosso sistema carcerário[...], no entanto o Estado quando faz valer o seu “Jus puniendi”, deve preservar as condições mínimas de dignidade da pessoa humana. O erro cometido pelo cidadão ao praticar um delito não permite que o Estado cometa outro, muito mais grave, de tratá-lo como um animal. Se uma das funções da pena e a ressocialização do condenado, certamente num regime cruel e desumano isso não acontecera. As leis surgem e desaparecem com a mesma facilidade. Direitos são outorgados, mas não são cumpridos. O Estado faz de conta que cumpre a lei, mas o preso, que sofre as consequências pela má administração, pela corrupção dos poderes públicos, pela ignorância da sociedade, sente-se cada vez mais revoltado, e a única coisa que pode pensar dentro é em fugir daquele ambiente imundo, fétido, promiscuo, enfim, desumano, é em fugir e voltar a delinquir, já que a sociedade jamais o receberá com o fim de ajudá-lo. [9]
Sendo assim, percebe-se que a reclusão, nos moldes tradicionais, nada tem a oferecer no quesito de recuperação, pelo contrário, acaba por corromper a própria personalidade do recluso, ao invés de ajudá-lo. Não basta prender, é preciso ressocializar para que o egresso do sistema prisional realmente encontre amparo frente às suas necessidades, para que não volte a delinquir novamente. Deve-se entender que de nada adianta ter apenas lindos escritos constitucionais e simplesmente responsabilizar o Direito Penal ou o sistema carcerário, se o próprio Estado vem provando sua incapacidade de resolver o problema, ou de, ao menos, amenizá-lo. Prova disso são os noticiários, com inúmeros relatos de rebeliões e desrespeito aos Direitos Humanos.
Assim, também não será o sistema penal que proporcionará uma solução eficiente para a demanda, pois, como afirma Michel Foucault a prisão “em vez de devolver a liberdade em indivíduos corrigidos, espalha na população, delinquentes perigosos”[10]. Para uma eventual mudança, necessária a mobilização do governo e da sociedade, por meio de incentivos e criação de políticas públicas, atos que reduziriam, em muito, a reincidência. Com a prática do respeito ao preso e da pessoa, no que diz respeito aos valores humanos, ter-se-ia uma sociedade melhor, mais tranquila, singularmente mais segura.
Cabe lembrar, tanto às autoridades como a toda sociedade, que o preso tem direito a sua integridade física, moral e social, cumprindo a todos o seu devido respeito.
Muito embora se busque a paz, em um aparelho jurídico equilibrado e que vá ao encontro de um sistema democrático e constitucional, não é possível fazê-lo se vários direitos hoje, no Brasil, são desrespeitados. É sabido que a pena é um mal necessário, contudo, deve ser aplicada de forma justa e eficaz, uma vez que está contida na norma penal e constitucional. Infelizmente, não é assim que acontece.
É a pena com a função de prevenção, tanto geral como especial, através do senso de justiça e reeducação do indivíduo. Nesse sentido, Luiz Regis Prado disserta que:
“Em linhas gerais, três são os efeitos principais que se vislumbram dentro do âmbito de atuação de uma pena fundada na prevenção geral positiva: o efeito de aprendizagem, que consiste na possibilidade de recordar ao sujeito as regras sociais básicas cuja transgressão já não é tolerada pelo Direito Penal; o efeito de confiança, que se consegue quando o cidadão vê que o Direito se impõe, e o efeito de pacificação social, que se produz quando uma infração normativa estatal, restabelecendo a paz jurídica.
A prevenção especial, a seu turno, consiste na atuação sobre a pessoa do delinquente, para evitar que volte a delinquir no futuro, assim, enquanto a prevenção geral se dirige indistintamente à totalidade dos indivíduos integrantes da sociedade, a ideia de prevenção especial refere-se ao delinquente em si, concretamente considerado, manifesta como advertência, intimidação individual, correção, emenda do delinquente, reinserção social ou separação, quando incorrigível ou de difícil correção. A prevenção especial se apoia basicamente na periculosidade individual, buscando sua eliminação ou diminuição. Portanto, quando se consegue tal objetivo, assegura se a integridade do ordenamento jurídico com relação a um determinado indivíduo (sujeito/agente do delito). Sua ideia essencial é de que a pena justa é a pena necessária .”[11]
Chegou-se à conclusão, portanto, que o Estado deveria acabar com as penas e tratamentos cruéis, devendo apenas aplicar o senso de justiça, eliminando, de uma vez por todas, com as penas punitivas de vingança a que eram submetidos os condenados.
Passa a ser objeto de análise pela sociedade a procura de uma nova e melhor estratégia para aplicar a punição, tendo-se em mente o princípio da moderação, a fim de se evitar o abuso. O Judiciário anseia por modificações relevantes no setor penitenciário. A nova ordem é buscar novos métodos, eficazes, a fim de desenvolver no indivíduo repulsa ao crime.
É importante compreender a evolução do sistema penal e da aplicação da pena, pois ao longo da história, surgiram vários sistemas modelos, e cada um, dentro do possível e de seu alcance, buscou mudar o velho modelo tradicional de cumprimento de penas. Conhecidos como sistemas penitenciários clássicos, são eles: Sistema Pensilvânico; Sistema Auburniano; Sistema Progressivo Inglês, Sistema Progressivo Irlandês, Sistema de Montesinos que não serão tratados no presente artigo sob pena do mesmo ficar extenso.