O método apac como alternativa de ressocialização do preso, à luz da lei de execução penal

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7 O MÉTODO APAC COMO ALTERNATIVA À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM MINAS GERAIS

A APAC foi fundada em 1972, na cidade de São José dos Campos, São Paulo, por meio de um grupo, liderado pelo Dr. Mário Ottoboni, que, preocupado com o problema das prisões na cidade, passou a pesquisar a situação carcerária em âmbito nacional. No início, era um trabalho na forma de uma Pastoral Penitenciária, contudo, diante das dificuldades observadas, transformou-se em uma entidade civil de direito privado, surgindo como alternativa ao sistema prisional, já falido e que não recupera ninguém.

Segundo Mário Ottoboni, citado por Durval Ângelo de Andrade as APAC’s, tem sido uma alternativa em relação ao sistema prisional tradicional, em virtude disso tem se mostrado como um sistema de elevado sucesso não só no Brasil, mas como em outras partes do mundo”[23]. Isso se deve à redução de índices de reincidências e a minimização de índices de violência em seus diversos Centros de Reintegração Social.

A eficácia do método, ao longo de todos esses anos, desde que foi implantado, consiste em trabalhar sob a filosofia de que todo homem é maior que seu erro, todos merecem uma nova chance, e nesse prisma, o indivíduo precisa ser recuperado. Esse é o objetivo central do método, como aponta Mario Ottoboni, citado por Durval Ângelo de Andrade :

[...] Não basta prender, é preciso recuperar. Este é o objetivo central que deve imperar. Ninguém é irrecuperável. Nascemos puros e com o alvará de soltura. A liberdade sucede ao nascimento, portanto, é a segunda mais valiosa conquista do ser humano. Segundo Jean Jacques Rousseau, “nascemos puros, o meio ambiente é que corrompe”. [24]

O modelo “Apaqueano” reflete uma preocupação por parte do legislador em garantir uma política criminal que torne efetiva a punição do agente que atua em desconformidade com a legislação, observando a humanização da execução penal.

Dispõe o art. 3º na Lei de Execução Penal, que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”[25]. Tal dispositivo deixa clara a imprescindibilidade da oferta de meios pelos quais os apenados possam participar construtivamente da comunhão social, assegurando-os direitos fundamentais, dispostos no art. 5º, salientando-se aqui o inciso XLIX, da Constituição Federal no qual “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.[26] No mesmo sentido o artigo 38 do Código Penal prescreve que: “O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”. [27]

Conforme disserta  Júlio Fabbrini Mirabete: O sentido imanente da reinserção social, nos termos da LEP, compreende a assistência e a ajuda na obtenção dos meios capazes de permitir o retorno do apenado e do internado ao seio social, em condições favoráveis para a sua integração , não se confundindo com qualquer sistema de tratamento que procure impor uma hierarquia de valores em contraste com os direitos de personalidade do condenado.[28]

Para que se tornem efetivos todos os preceitos normatizados pela legislação de execução penal é imprescindível a cooperação da comunidade, prevista no artigo 4º da LEP, que determina que “o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança”. [29]

7.1 FILOSOFIA DO MÉTODO APAC

A filosofia do método APAC tem como função orientar todos os recuperandos, observando a valorização da pessoa humana, com disciplina rígida, baseada no respeito, trabalho e envolvimento familiar do sentenciado, como forma de se manter os laços afetivos, dando condições e ânimo para que o condenado tenha maiores chances de recuperação. Segundo Mario Ottoboni “a APAC propugna acirradamente por matar o criminoso e salvar o homem. Por isso, justifica-se a filosofia desde os primórdios de sua existência: matar o criminoso e salvar o homem”.[30]

Consoante dados do Relatório do Programa Novos Rumos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, apurados em dezembro de 2013, mostram que 1.882 recuperandos cumprem pena nos 34 (trinta e quatro) Centros de Reintegração Social da Associação de Proteção aos Condenados em funcionamento no Estado de Minas Gerais, o que representa 84,74% de ocupação das vagas disponíveis nas mesmas. Foram realizados 2.443 atendimentos a recuperandos nessas APAC’s.[31] Como alternativa, o método APAC tem como objetivo trabalhar a recuperação e a ressocialização, dedicando-se à reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade. O trabalho da APAC é baseado no método da valorização humana, oferecendo ao condenado condições dignas de se recuperar, buscando, a todo custo, a devida aplicação da Lei de Execução Penal, sem a presença da Polícia, de armas ou agentes penitenciários, sob a filosofia fantástica idealizada pelo seu criador, o advogado Mario Ottoboni, qual seja, “todo homem é maior que seu erro”.[32]

Em contrapartida ao sistema tradicional, o método APAC é visto como um sistema socializador, tendo como alternativa concreta às disfuncionalidades do sistema prisional atual. A pena é vista com caráter dúplice, punitiva e recuperativa, chamando a atenção para que a sociedade tenha consciência de que a recuperação do preso é necessária, é um imperativo de ordem moral. Nesse sentido disserta Mario Ottoboni:

[...] o delinquente é condenado e preso por imposição da sociedade, ao passo que recuperá-lo é um imperativo de ordem moral, do qual ninguém deve se escusar. A sociedade somente se sentirá protegida quando o preso for recuperado. A prisão existe por castigo e não para castigar, é a afirmação cujo conteúdo não se pode perder de vista.

O Estado, enquanto persistir em ignorar que é indispensável cumprir sua obrigação no que diz respeito á recuperação do condenado deixará a sociedade desprotegida. Como é sabido, nossas prisões são verdadeiras escolas de violência e criminalidade.[33]

A APAC é resultado da metodologia de esforço, voltada para a política do trabalho do preso e sua preparação para o retorno à sociedade. Em um mundo que vive a era do caos, das catástrofes, o ser humano, enquanto recluso, viverá num sistema de círculo vicioso da violência, da banalização da maldade. A metodologia apaqueana está fundada no papel social, ligado ao trabalho e à educação, bem como ao amor ao próximo inspirado nos mandamentos bíblicos. Durval Ângelo de Andrade destaca, em sua obra “APAC - a face humana da prisão” que:

A metodologia APAC está fundamentada no papel social do trabalho, rompendo com a ociosidade do sistema prisional, raiz de inúmeras crises. Ela trabalha com valores religiosos e questões lúdicas, priorizando a educação como forma de promoção humana. Neste modelo, o preso tem possibilidades reais de recuperação, porque redescobre valores morais, éticos e espirituais, passando a encarar a vida, a sociedade e até a sua transgressão com um outro olhar. [34]

A justiça restaurativa à luz do método APAC proporciona a recuperação do condenado, preparando-o para retornar ao convívio social. Mas não é só isso. A recuperação no Método APAC atenta à preocupação de ministrar e atingir a todos os elementos necessários ao desenvolvimento da pessoa humana, quais sejam, a saúde, educação, instrução, independentemente do delito praticado.


8 JURISPRUDÊNCIA ACERCA DA APLICAÇÃO DO MÉTODO APAC

O entendimento do Tribunal de Justiça mineiro tem sido no sentido de valorizar e viabilizar a aplicação do método APAC, conforme jurisprudência abaixo colacionada:

EMENTA: AGRAVO EM EXECUÇÃO - AGENTE EM CUMPRIMENTO DE PENA NO REGIME ABERTO - AUSÊNCIA DE CASA DE ALBERGADO NA COMARCA - IMPOSIÇÃO DE COMPARECIMENTO DO REEDUCANDO NA APAC- POSSIBILIDADE. 1 - Tendo o legislador, consoante o disposto no artigo 115, I, da Lei 7.210/84, deliberado ser condição geral e obrigatória que o Reeducando, em regime aberto, permaneça no local que lhe for designado, durante o repouso e nos dias de folga (artigo 115, I, da Lei 7.210/84), mostra-se legítima a decisão judicial que, ao vislumbrar que o presídio da Comarca não oferece condições estruturais para que o agente possa lá pernoitar e permanecer recolhido nos dias de folga, determina que ele se recolha na APAC-Associação de Proteção e Assistência ao Condenado, em fins de semana e feriados, com horários fixados.Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais processo.AgExec 1.0016.14.009220-2/001. (MINAS GERAIS, 2016).[35]

O presente julgado mostra que não ser aceitável que o preso sofra com a ineficiência do Estado pela falta de casas do albergado. De acordo com o artigo 115 da LEP “ o juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, sem prejuízo das seguintes condições gerais e obrigatórias [...].[36]

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A decisão dada pelo TJMG foi no sentido de autorizar a permanência do detento, durante o repouso e nos dias de folga, para que o mesmo pudesse pernoitar e permanecer recolhido na APAC da comarca, já que, pelo caso em tela, quando não há estabelecimento adequado para o cumprimento de pena no regime aberto, é lícito o comparecimento do reeducando à APAC, visando a promoção de palestras e cursos que lá são oferecidos, promovendo o desenvolvimento do preso reeducando.

Em outro julgado, observa-se a importância da APAC ao promover o trabalho ou o estudo como atividades que podem ensejar a remissão de parte da pena, in verbis:

AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL -REMIÇÃO DE PENA - ATIVIDADE DE LABORTERAPIA - MÉTODO APAC - ESPÉCIE DE ATIVIDADE DE TRABALHO - INTERPRETAÇÃO DO ART. 126 DA LEP - POSSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO. - O art. 126 da LEP (redação dada pela Lei nº 12.443/11), dispositivo legal que regulamenta o instituto da remição, limita-se a apontar o trabalho ou o estudo como atividades que podem ensejar a remição de parte da pena, não conceituando o termo ""trabalho"" ou discriminando espécies deste. - A finalidade primordial da pena, em fase de execução penal, é a ressocialização do reeducando, diretriz que deve servir de parâmetro para interpretação de qual atividade pode ser entendida como forma de trabalho. - A atividade de laborterapia é desenvolvida e reconhecida pela metodologia APAC como espécie de trabalho que visa à ressocialização do reeducando em cumprimento de pena em regime fechado, sendo, portanto, imperioso o seu reconhecimento para fim de remição de pena. Tribunal de Justiça de Minas Gerais processo AgExec.nº 1.0042.10.002895-2/001 (MINAS GERAIS, 2012).[37]

O julgado acima, cuja relatoria é do Des. Herbert Carneiro, deu provimento ao Agravo em Execução Penal, contra decisão do juiz da 2º Vara da Comarca de Arcos, que indeferiu pedido de remissão de pena por ter o agravante desenvolvido atividades de laborterapia, o que, no entendimento do juiz, não configura atividade como forma de trabalho. Entendeu o relator que a atividade de laborterapia é reconhecida e desenvolvida pela metodologia APAC como espécie de trabalho que visa a ressocializaçao e recuperação do preso, uma vez que, pela regra do artigo 126 da LEP, que traz a regra da remissão, limita-se tão somente a apontar o trabalho ou estudo como atividades que podem remir parte do tempo de execução da pena, não fazendo acepção da espécie do gênero trabalho. O Relator assim destaca:

"[..] A finalidade primordial da pena, em fase de execução penal, é a ressocialização do reeducando, diretriz que deve servir de parâmetro para interpretação de qual atividade pode ser entendida como forma de trabalho. Dessa forma, a meu ver, a atividade laboral exercida pelo reeducando durante o cumprimento de pena, de forma regular e devidamente reconhecida e gerenciada pela direção do presídio, que permita a este o avanço no processo de recondução ao âmbito social, como ocorreu no caso em questão, deve ser interpretada como trabalho. Tribunal de Justiça de Minas Gerais processo AgExec.nº 1.0042.10.002895-2/001 (MINAS GERAIS, 2012)."

Verifica-se, portanto, que os magistrados do tribunal mineiro enxergam a importância da APAC como entidade de ressocializaçao, visando promover a dignidade do preso, em observância à Lei de Execução Penal, a muito se observa a necessidade de humanização no sistema prisional. A jurisprudência tem entendido que as atividades desenvolvidas pela APAC são atividades voltadas para a promoção do trabalho e da recuperação por parte daquele que está envolvido como, por exemplo, as atividades de laborterapia.

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Sobre os autores
Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas

Coordenadora do Curso de Direito da Faculdade Del Rey – Uniesp - Professora de Direito da PUC MINAS e Faculdades Del Rey – UNIESP. Professora-tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Doutora e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.

Paulo Drummond Silva

Advogado , Pós graduado em Direito Penal e Processo Penal pela UCAM Universidade Cândido Mendes/RJ.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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