Preço de transferência: provas, presunções e o ônus da prova

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04/01/2019 às 17:00
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O preço de transferência é utilizado nas operações internacionais por meio de um método para pessoas jurídicas com domicílio no Brasil. O preço utilizado como preço de referência é dado por uma tabela da Receita Federal do Brasil.

Resumo: Este artigo trata do conceito de preço de transferência analisando sua aplicação no Imposto de Renda, a presunção, as provas, o ônus da prova e a prova diabólica. O preço de transferência é utilizado nas operações internacionais, através de um método para pessoas jurídicas com domicílio no Brasil. O preço utilizado como preço de referência é dado por uma tabela da Receita Federal do Brasil. A administração pública atua como uma presunção relativa quando há um preço de transferência e cabe ao contribuinte demonstrar a ocorrência dos pagamentos com base em preço reais de mercado, assim, existe a inversão do ônus da prova. Como há uma prova impossível do contribuinte obter, por muitas vezes estar preso a contratos de sigilo, a empresa em muitos casos não consegue produzir as provas necessárias para reverter os autos de infração, tornando a presunção relativa em presunção absoluta.  

Palavras-chave: Preço de transferência, Prova, Presunção, Preço de referência.


I- Introdução

Diante do fenômeno de Globalização e difusão do comércio em patamares considerados improváveis no passado, implicou na profusão de novas empresas e grupos econômicos que fortaleceu vínculo dentre países, sociedade e mercados, criando um ambiente de uma política de instituição e soberania, num panorama econômico de internacionalização, resultando em desafios incontestáveis à administração pública.

Neste contexto um elemento importante é o preço de transferência, que consiste numa referência de determinação de preços a serem utilizados nas operações dentre as empresas relacionadas com operações no comércio internacional. Tal transação são realizadas dentre empresa interdependentes, em virtude de não serem negociadas sob uma lógica mercantil, podem, consequentemente, ser manipuladas para subvalorizar ou supervalorizar os valores afetando a base de cálculo dos tributos.

A acepção preço de transferência deriva do inglês, transfer pricing, que na tradução denotativa implica na fixação de preço de transferência ou apreçamento de transferência, conforme o entendimento de Agostinho Toffoli Tavolaro[1]. Trata-se da determinação do preço, mediante o qual uma empresa transfere bens corpóreos ou incorpóreos e fornece serviços às empresas e às vinculadas.

Para o doutrinador Luis Eduardo Schoueri, o preço de transferência consiste numa política de preços estabelecida dentre empresas interdependentes que mantém uma relação espacial em determinado território. Logo, implica numa política de fixação de preços artificiais, a fim de concentrar a riqueza nesta ou naquela empresa de um grupo empresarial[2].

Apesar do preço de transferência não ser originalmente um conceito tributário, trata-se de um dos importantes assuntos da tributação internacional. Assim, o preço de transferência no âmbito da administração financeira é o valor atribuído aos produtos, serviços e direitos transacionados dentre as partes que esteja num controle comum, desde o departamento de uma mesma empresa até empresas pertencente do mesmo grupo econômico, passando por meio de relações comerciais que permitam algum tipo de controle, como no caso de representações comerciais, fixação de preços que não observa as condições de mercado.

Neste artigo é abordada a relação entre o preço de transferência e sua relação com a prova, com a presunção absoluta e relativa, ônus da prova e a prova diabólica. Algumas indagações permeiam o artigo, como o preço de transferência se trata de uma presunção ou ficção?

A questão que suscita neste artigo é a aplicação do ônus da prova, em favor do contribuinte, perante o ato de lançamento tributário constituído pela administração pública, que deve ter respaldo em enunciados probatórios. 

Uma outra indagação é como o contribuinte obtêm as provas em face de uma exação por parte do fisco, fundamentada numa presunção de caráter relativo.


     II – Preço de Transferência e Imposto de Renda

O preço de transferência nas operações de importações se realiza por meio de um método, que são aplicáveis às pessoas jurídicas com domicílio no Brasil, optantes ou obrigadas à apuração da base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica e da Contribuição Social do Lucro Líquido com base no lucro real, em face das características de dedutibilidade de custos de operações de importação aplicável a commodities.

Na seara do Direito Tributário, o preço de transferência tem por premissa determinar a base de cálculo de dois tributos devidos da pessoa jurídica com representações no exterior, como por exemplo, o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), incidentes sobre o lucro fiscal. É imperioso ressaltar que na legislação há diferença dentre o lucro contábil e o lucro fiscal, também denominado de lucro tributável.

O lucro contábil faz referência ao resultado da empresa durante o exercício social como o resultado de sua atividade. Já o segundo representa o montante utilizado pela administração pública para o lançamento tributário do Imposto de Renda Pessoa Jurídica e Contribuição Social do Lucro Líquido.

Ressalta-se, que o lucro contábil é influenciado pelo preço de transferência, observados que nas transações dentre as partes relacionadas, tem-se o corolário inevitável de demonstrações contábeis que podem indicar a existência de preços, condições e reflexos para apuração do resultado da pessoa jurídica.

A administração pública, ao apurar o valor do tributo, tem por média a base de cálculo do lucro fiscal da empresa, conforme dispõe o Decreto n. 3000 de 1999 como Regulamento do Imposto de Renda (RIR). Neste raciocínio, o lucro real pode ser determinado se utilizando o lucro real, lucro presumido, ou o lucro arbitrado, conforme dispõe a Lei n. 9.981 de 1995, que se estende à Contribuição Social do Lucro Líquido com o mesmo tratamento dado ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica. 

Nesta esteira, o lucro real[3] é o método padrão de apuração da base de cálculo do qual é determinado após as deduções e acréscimos permitido na legislação do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica.

Os conceitos de lucro acima elencados têm grande relevância para o estudo de preços de transferências, perante o fato que a fixação de preço de transferência estar intimamente conectada às adições atinentes ao lucro real.

O doutrinador Ricardo Marozzi Gregorio[4] aduz que a legislação de preços de transferência instituiu a seguinte a premissa, se o preço praticado é superior, nas importações, ou inferior, nas exportações ao preço parâmetro, do qual deve-se  tributar a renda auferida, como mecanismo para operacionalizar o ajuste que é a figura da adição do lucro real, conforme dispõe a legislação do Imposto de Renda.

Nesta esteira é por meio das adições, as divergências relevantes nos preços atribuídos aos bens, serviços e direitos para definir as receitas e as exclusões, custos suportados nas operações comerciais, que pode haver correta identificação da receita líquida para apuração da base de cálculo na qual incide o Imposto de Renda e a Contribuição Social do Lucro Líquido.

Por fim, o preço de transferência no ordenamento jurídico brasileiro tem como aspecto controvertido a criação de uma hipótese de incidência fictícia, ou uma presunção absoluta na medida que estabelece margens de lucro sem considerar a realidade do mercado.


 III – Método de apuração do preço de transferência e a presunção

As normas que regulam os preços de transferência são utilizadas nas relações comerciais dentre empresa, grupo econômico que estejam em jurisdição tributária diferentes. As operações sujeitas ao controle fiscal do preço de transferência, conforme a Instrução Normativa 1312 de 2012 são: a importação de bens, serviços e direitos, exportação de bens, serviços e direitos, pagamento ou crédito de juros correspondentes as operações financeiras e juros auferidos atinente as operações financeiras cujos contratos não estejam registrados no Banco Central do Brasil.

Assim, as normas jurídicas de preço de transferência são regulação da Instrução Normativa, do qual explica de forma detalhada os métodos de cálculo considerado para fins fiscais, em operação de importação e exportação de bens, serviços ou direitos.

As normas jurídicas de preço de transferência determinam o preço praticado, que é o valor efetivamente aplicado na operação, com denominado preço parâmetro, cujo o preço de transferência é calculado, em consonância com a legislação fiscal. Logo, no caso de constatado a diferença dentre o preço praticado e o preço parâmetro seja significativa em favor do contribuinte, conclui-se, pela margem de divergência assumida de 5% (cinco por cento), que deve ser objeto de ajuste nas apurações do imposto de renda e da contribuição social do lucro líquido.

Nas operações supracitadas na Instrução Normativa 1312 de 2012, as importações e exportações de bens, produtos e direitos implicam numa dificuldade para administração tributária, perante o imenso volume de trocas internacionais. No caso do imposto de importação, evidencia-se a distorção dentre o preço praticado pelas empresas vinculadas e o preço parâmetro, quando o contribuinte reconhece como custo ou despesa um valor maior que o devido, diminuindo a apuração do lucro real que é a base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica e da Contribuição Social do Lucro Líquido.

Os métodos de preços de transferência são regulados no ordenamento pela lei n. 9.430 de 1996, que apresenta quais os métodos de avaliação de preço de transferência são disponíveis na importação do Brasil. Trata de métodos matemáticos de controle de preços de transferência que na prática, por intermédio de diferentes fórmulas encontrar um preço parâmetro adequado para as transações, devendo ser contraposto ao preço realmente praticado dentre as pessoas jurídicas.

O preço de transferência é um preço parâmetro que será aplicado na ocasião que o preço da importação registrado pela empresa, neste caso, há uma necessidade de ajuste dos preços de transferência, que nada mais é do que uma adição à base de cálculo do lucro real e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).

Adicionalmente, nas operações de exportação, em que o preço praticado for inferior ao parâmetro, há uma precisão de ajustar os preços transferência, por meio de adição das bases de apuração do lucro real e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido, bem como na tributação do lucro presumido.

Assim, o Método do Preço Independentes Comparados (PIC), conforme dispõe o artigo 18 da lei 9.430 de 1996, concerne numa média aritmética dos preços de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, apurados no mercado brasileiro, ou outros países em operação de compra e venda de produtos.

Na perspectiva internacional, por um lado os preços de transferência asseguram a preservação da base tributária, enquanto que, por outro lado, geram questões pertinentes a sua compatibilização no sistema tributário interno, seja por meio de atos internacionais, como os tratados, com finalidade de evitar a dupla tributação e os tratados relacionados à integração regional, em respaldo ao artigo 98 do Código Tributário Nacional. Critérios, adotados que se relacionam ao desenvolvimento econômico e social do país.

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IV – Princípio arm’s length

Os preços de transferência tem por premissa a busca do valor que seria praticado pelas partes no ato de comércio, pois a partir disto que são previstos os métodos destinado à apuração do denominado preço arm’s lenght, ou preço de referência, em muitos casos divergem do preço praticado dentre as partes, em virtude de ter o ajuste maior ou menor, do qual, consequentemente, repercuti na base de cálculo do Imposto de Renda.

O princípio arm’s lenght como um princípio comum permite a criação de um consenso quanto os critérios e metodologia compatíveis. Foi originado com controle tributários dos preços de transferência, cuja elaboração das normas tributárias é voltada para correção de distorções no lucro contabilizado e consequente, na base de cálculo do imposto de renda, em face do super ou subfaturamento de transações fronteiriças dentre as partes não-independentes.

O controle de preço é denominado de princípio arm’s lenght que busca o valor a ser praticado pelas partes, independentes em transações idênticas ou condições similares do mercado.

Na dimensão tributária o preço de transferência é definido em consonância com o princípio arm’s length, através das palavras do doutrinador Paulo de Barros Carvalho:

“O preço de transferência é exatamente a forma encontrada para, verificando-se ter sido efetuada a transação entre as partes vinculadas, mediante a fixação de preço diverso do de mercado, substituir o preço maculado pela influencia das partes por aquele, independente do vínculo, impedindo com isso a distribuição disfarçada de lucro, e assim, permitindo-se aferir o real montante de renda auferida, sujeita à tributação em consonância com o princípio arm’s lenght[5].

Neste raciocínio, os preços adotados em tais operações podem ter por intuito à redução da base de cálculo do imposto de renda, perante a prática comum dos Estados de adotarem normas que estabeleça um mecanismo de controle tributário. Todavia, tal controle pode se pautar numa legislação específica sobre matéria, inspirado em Diretrizes para Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE), ou através de regras antielisivas com caráter geral, com a finalidade de evitar a prevalência da substância sobre a forma.

A OCDE tem um importante papel na regulação da matéria de preços de transferência. A acepção preços de transferência é utilizada para definir o valor atribuído em operações com venda de bens, prestação de serviços, transferência e uso de tecnologia, dentre as pessoas vinculadas e situadas em diferentes jurisdições, tal valor traz repercussões sobre o lucro e consequente apuração da base de cálculo do imposto de renda.

O Brasil possui uma legislação Lei n. 9430 de 1996 sujeita a modificação que estabelece os preços de transferência para as operações internacionais. Apesar da exposição de motivo de tal lei mencionar os parâmetros da OCDE, os critérios da normativa brasileira afasta do princípio arm’s lenght e a realidade do mercado, em face da pré-fixação de margens de lucro, a inversão do ônus da prova, que se torna prejudicial ao contribuinte, perante a violação à liberdade de iniciativa e a livre concorrência dentre as empresas.

Sob o prisma dos tratados internacionais, a inserção de normas sobre o preço de transferência no sistema jurídico interno, levanta questionamento quanto a compatibilização das normas com o compromisso jurídico firmado, por meio de tratados internacionais para evitar a dupla tributação e para construção de um mercado comum com a livre circulação de bens, serviços, pessoas e capital.

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