Preço de transferência: provas, presunções e o ônus da prova

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04/01/2019 às 17:00
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V- Presunção, Ficção e preço de transferência

Na condição de signo, a prova nunca atinge o objeto que representa, por ser uma prova indireta pode ser definida como uma presunção. A prova é representada pelo interprete por meio de uma inferência lógica, que a partir dela, pode se deduzir o fato principal. Logo, a prova se baseia num suporte fático probatório emitido por pessoas jurídicas que constam em levantamento de faturas de produtos vendida e emitida a terceiros. As empresas elaboram as faturas da venda em consonância com as publicações oficiais de preço de transferência.

Assim, a prova nada mais é que um fato que conduz à presunção de veracidade de outro fato, que depreende de uma relação probatória que exige a presença de dois fatos, o primeiro fato que se pretende provar e segundo, o fato empregado para demonstrar a veracidade do fato probando, pois ambos tem liame num vínculo implicacional, dado que toda decisão são fundadas em provas decorrente de uma presunção, do qual o fato provado implica logicamente num fato probando, ora, num fato presuntivo que alude num fato presumido.

As presunções são técnicas que possibilitam o conhecimento indireto do fato. Assim, há uma hipótese presumida de o fato conhecido infere indiretamente no fato presumido. Sua enunciação apresenta a seguinte estrutura lógica, se ocorrido um fato conhecido (Fc), pode ser um fato fictício (Ff) que provavelmente ocorreu.

A presunção, segundo Alfredo Augusto Becker[6], é o resultado do processo lógico mediante o qual, do fato conhecido cuja inferência implica no fato desconhecido cuja existência é provável. Para este doutrinador, as presunções se classificam em absolutas, aquelas que não admitem prova em contrário, as relativas quando admitem e as mistas, são as que admitem apenas alguns meios de provas fixados em lei.

 Geraldo Ataliba[7], por sua vez, admite as presunções como um meio de prova, em virtude de a presunção ser um meio especial de prova, que consiste num raciocínio do exame de um fato conhecido, que conclui pela existência de um fato ignorado. Já para José Soares de Melo[8], corrobora com a premissa, no sentido de presunção ser um resultado do processo lógico, mediante o qual um fato é conhecido e a sua existência é certa, que se infere num fato duvidoso, cuja existência é provável. Por fim, a doutrinadora Fabiana Del Padre Tomé[9], reforçando o entendimento com relação a teoria das provas, define presunção como uma operação intelectual que estabelece uma relação de causalidade dentre o fato indiciário e o fato probando.

Neste contexto, as presunções e as ficções fazem parte de um processo de conhecimento do sujeito cognoscente, do qual chega-se a uma realidade fenomenológica conhecida por meio de uma percepção direta.

A presunção é uma proposição prescritiva que imputa na construção de uma norma jurídica deonticamente incompleta de natureza probatória, cuja a comprovação do fato diretamente provado se dá juridicamente o fato indiretamente provado. Logo, a presunção implica numa relação dentre o vínculo jurídico que se estabelece entre fato indiciário e o interprete, aplicador da norma, conferindo um dever e o direito de constituir indiretamente um fato.

Neste raciocínio, o fato é o consequente da proposição prescritiva, pois relata um evento de ocorrência fenomênica provável e passível de ser refutado por intermédio de apresentação de provas contrárias.

Com relação a ficção, o doutrinador Alfredo Augusto Becker[10], entende que se trata de uma norma jurídica que se baseia num fato conhecido cuja a existência é certa, em virtude de impor uma certeza jurídica acerca de um fato desconhecido, improvável, perante a falta de correlação natural dentre a existência desses dois fatos. Na visão de Luís Eduardo Schoueri[11], a ficção jurídica no Direito Tributário trata de uma forma de emprestar o consequente de uma norma jurídica a um antecedente diverso daquele que lhe corresponde.

Neste contexto, há possibilidade do uso de presunção para fins de antecipar a ocorrência do fato jurídico tributário, quando for extraída pela Constituição Federal, no caso de não haver uma autorização indiscriminada para o seu uso, posto que as ficções e as presunções absolutas não se coadunam com o princípio da tipicidade e nem com o princípio da capacidade contributiva.

Com relação a presunção relativa tem se admitindo o uso em matéria tributária, quando a administração pública no dever de fiscalização sem a presunção relativa, ante o efetivo controle da adoção de práticas evasivas pelo contribuinte, quando se verifica o inequívoco o nexo causal dentre o fato conhecido e o desconhecido de existência provável, do qual seja facultado ao contribuinte no curso do processo administrativo, antes do ato administrativo de lançamento tributário apresentar provas contrárias a ocorrência do fato presumido, sob a ressalva que as provas sejam passíveis de evidenciar a inocorrência do fato presumido ao alcance do contribuinte por meios lícitos, num momento anterior a constituição do fato jurídico tributário.


VI- Preço de transferência presunção ou ficção?

Num primeiro momento, pode-se entender que o preço de transferência trata de uma presunção relativa, visto que admite prova em contrário, por exemplo, no caso de o contribuinte sinta-se lesado com a fixação legal de margens de lucro dos paradigmas, provando a impropriedade, que implica no pleito de requerer a redução do percentual de alíquota.

Na visão de Ricardo Mariz de Oliveira[12], não existe o estabelecimento de presunção relativa na fixação do preço de transferência, a lei cria uma presunção de caráter relativo que visa determinar o fato presumido, desde que seja verdade até se provar em contrário. No caso do preço de transferência é o ônus da prova da administração pública, a despeito de caber a administração pública o ônus da prova do que se alega, pois é dado ao contribuinte a possibilidade de fazer a contraprova. Porém, é importante ressaltar que a contraprova terá um alcance limitado, perante os parâmetros, como por exemplo, as presunções absolutas.

Por outro lado, a presunção tem por ponto de partida a pré-fixação das margens de lucro na finalidade de impedir a evasão tributária, perante a prevalência de um preço objetivo, presume que as empresas vinculadas negociem entre si por preços não condizentes com a realidade do mercado, estabelecendo assim, uma base de cálculo de imposto com elementos hipotéticos não efetivos.

Neste contexto é dado a administração pública o direito de investigar a ocorrência de manipulações ilegais de valores.

 Já para o doutrinador Luís Eduardo Schoueri, com base na teoria do separate accounting theory, que resultou na ficção da proposição, considera a ficção jurídica nos termos do preço de transferência um sentido do empréstimo à transação dentre as partes relacionadas. Pois, o consequente jurídico da tributação é praticado dentre as partes independentes, que ocorrerá simultaneamente numa presunção relativa, enquanto que a ficção se dá por um tratamento igual as partes relacionadas como se independentes fossem. Logo, é por meio de presunção que se apurará como as partes independentes se relacionam.

 A lei determina os critérios aptos para fixar os preços de transferência que, presumindo o preço justo da transação. Tal opção ocorre por intermédio da escolha de métodos que legitima a própria presunção.

Neste sentido, existe vínculo existente entre o preço presumido no caso, de transferência e o preço efetivo, pois sempre há de manter vivo como uma orientação última e também originária, que confere o fechamento do raciocínio presuntivo e justifica como um todo. Logo, a presunção é constitucionalmente admitida, pois estabelece as relações dentre os fatos nelas estabelecidas, tomando-se como um sistema lógico.

A norma jurídica tributária não guarda relação lógica com o controle de preço de transferência conceituado pela OCDE. Logo, a lógica pode ser considerada em pessoa jurídica vinculada a matriz ou filial que detenha uma relação societária que se utiliza do preço de transferência para realizar o planejamento tributário com duas empresas que não detenha qualquer vínculo societário, administrativo, de exclusividade ou de parentesco. 

O preço de transferência resulta num raciocínio presuntivo, do qual se tem os fatos presuntivos que resultaria de um fato presumido, advindo da referida norma que identifica como custos e preços. Tais valores são obtidos por meio de fatos presuntivos.


VII- Preço de transferência e a inversão do ônus da prova

O ônus compreende uma espécie de encargo jurídico que se veem submetidas as partes do processo, com intuito de obter um resultado que o sistema outorga para quem realiza os atos na forma e no tempo estabelecidos. A acepção ônus tem por finalidade precípua possibilitar a constituição da decisão quando o conjunto probatório se demonstra insuficiente para convencer o arbítrio do julgador.

O direito da produção da linguagem probatória advém da liberdade das partes de argumentar e demonstrar a veracidade das alegações, com a finalidade de convencer o julgador. Por outro lado, o direito à prova concerne a existência do ônus, que pressupõe a determinado sujeito do processo a incumbência de produzir a linguagem das provas em face dos fatos alegados por ele, sob a condição de ver frustrada a pretensão resistida e a aplicação do direito material.

Assim, a existência do ônus pressupõe um direito subjetivo disponível de razão que não pode indagar que o fisco tem o ônus da prova, no entanto, tem a administração pública o dever de provar atos administrativos que detenha presunção de legitimidade, posto que não dispensa a constituição de prova, desde que os atos estejam regidos em respaldo ao princípio da estrita legalidade.

Neste contexto, no que concerne as presunções incumbe a administração pública o dever de apresentar as provas de fato, segundo o qual se estabelece o raciocínio presuntivo, que demonstra a prova dos indícios para demonstrar a existência de causalidade sobre o fato ocorrido no mundo social. 

A inversão do ônus da prova ocorre sempre que houver o estabelecimento de certas presunções legais de existência de fatos, quer constitutivos, quer extintivos, impeditivos ou modificativos, em face de uma das partes, cabendo, portanto à parte contrária a produção de prova que invalide tal presunção.

Neste raciocínio, aduz Paulo Ayres Barreto[13] que já houve tempo em que propugnava ser o ônus da prova incumbência do contribuinte, em virtude da presunção de legitimidade do ato administrativo. Tal interpretação é afastada pela doutrina, perante a necessidade de a administração pública provar os fatos alegados por ela.

Assim, no preço de transferência cabe ao contribuinte a demonstração que os pagamentos efetuados se baseiam em preços reais de mercado, em face da admissão das margens de lucro diversas que são possíveis, desde que o contribuinte a comprova.

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A legislação do preço de transferência desconsidera as peculiaridades dos diferentes mercados e economia, do qual podem implicar preços diferentes pactuado dentre as partes. No que tange a tributação da operação, a inversão do ônus da prova é patente, perante o contribuinte que necessita produzir a linguagem da prova para comprovar que o preço praticado dentre as partes é de acordo com os valores de mercado.

Neste contexto, a linguagem da prova produzida pelo contribuinte é de suma importância, em face das normas aplicáveis no preço de transferência, que estabelece a eventual diferença dentre o preço praticado pelo contribuinte e o preço parâmetro calculado com base nos métodos disponíveis, que se computa pela respectiva adição do montante transferido em função da diferença do preço na base de cálculo do Imposto de Renda Pessoa Jurídica e a Contribuição Social do Lucro Líquido,  por exemplo, em casos que ocorre superfaturamento nas importações, perante o ato de glosa da diferença apurada, imputando os cálculos dos referido tributo sobre o valor glosado[14].

Assim, no ato de lavrar o lançamento tributário e constituir o crédito tributário, a administração pública deduz pela linguagem da prova que as empresas relacionadas praticaram entre si, um preço manipulado que não condizem com os preços de mercado, cabendo, portanto à empresa situada no território nacional constituir prova e demonstrar ao fisco que o preço praticado dentre as partes relacionadas estão em consonância com os valores pactuados pelo mercado.

Neste raciocínio, entende-se que a administração constitui o lançamento tributário com pressuposto de uma presunção relativa, do qual uma empresa nacional importa serviços por parte de empresa vinculada no exterior que tem acesso às informações solicitadas, quais sejam, os custos de produção, documentos de venda da parte relacionada ao exterior, informações relativas as transações comerciais realizadas entre as pessoas jurídicas.

Considerando, que os de transações comerciais realizadas dentre as pessoas jurídica, com base no preço de transferência, na maioria dos casos tratam de documentos sigilosos e informações protegidas, em o fisco não tem acesso. Logo, tal ato de lançamento tributário será viciado em sua motivação, perante a ausência de elemento indispensável para a subsistência, tipificando num defeito de ordem material, perante a juntada de provas que visam comprovar a ocorrência de fato que desencadeia uma relação inferencial presuntiva.

  Neste contexto, o processo administrativo será um instrumento pelo qual o contribuinte poderá utilizar como meio de prova, de que o ato de lançamento vinculado depende da existência de um suporte em provas, que a administração pública possui o dever de provar e não apenas um mero ônus, que o transações em comento, com base em preço de transferência, contém documentos sigilosos, tratando-se de uma presunção relativa, no qual há de demonstrar a ocorrência de fato de inferência presuntiva, bem como a comprovação de indícios, bem como o nexo causal dentre fato presumido com o grau de probabilidade.

O ônus da prova é um mecanismo de força probatória, num limite espaço-temporal para a realização por meio das linguagens da prova apresentada pela administração pública no sentido de reconstrução dos acontecimentos, que o evento, por exemplo, venda de produtos importados pactuados dentre pessoas jurídicas num valor artificial, em desacordo ao estabelecido pela legislação do preço de transferência,  só pode ser considerado fato jurídico, suscetível de ser tomado como pressuposto, motivo do ato administrativo lançamento e de ilícito tributário, se houver provas de caráter documental, por exemplo, custo de produção, nota fiscal que comprova a vendas da parte relacionada situada no exterior, sem que detenha dados sigilosos.

A produção probatória cabe a administração pública e não ao contribuinte, posto que não caracteriza mero ônus, mas um encargo necessário para atingir a pretensão, perante o caráter vinculado do lançamento tributário e de ato de aplicação da penalidade tributária, pois é dever da administração pública certificar a ocorrência ou não do fato jurídico desencadeador da exigência do crédito tributário, que só é possível mediante a linguagem da prova, por exemplo, cópia de documento fiscais de venda de consumidores, emitidos por pessoa jurídica localizada no país de destino de bens, serviços ou direitos, com indicação do respectivo preço cobrado.

Em contrapartida, o contribuinte, numa operação tributária que envolva preço de transferência, detém muita dificuldade para produzir meio de prova em face de lançamento tributário constituído pela administração pública, posto que fato alegado padece de provas de cunho sigiloso e informações protegidas e também a limitação de provas posta pela administração pública que viola o artigo 148 do Código Tributário Nacional, que pressupõe ao contribuinte a possibilidade de dispor de todos os meios de provas admitidos.

O artigo em avento critica a controvérsia e inconsistência trazida pelo artigo 21 da Lei n˚9.430 de 1996, pois possibilita a administração pública limitar os meios de provas que podem ser produzidas pelo contribuinte, posto que só serão aceitas como meio de prova o preço de mercado, do qual o contribuinte não consegue produzir por outros meios de provas, perante a dificuldade de demonstrar que o preço praticado com as empresas do grupo são valores de mercado, em consonância com as característica do negócio da empresa no ambiente econômico que atua. Logo, não resta alternativa ao contribuinte, senão ajustar a base de cálculo do imposto de renda com base no preço praticado, comparável e comum ao mercado.

Ressalta-se, que o preço de transferência, implica de antemão evidente inversão do ônus da prova, em virtude de ter sido delegado ao contribuinte o dever de produzir prova impossível, que fere o princípio do devido processo legal, ante o fato que as operações de negócio variam bruscamente de empresa para empresa, de acordo com o mercado em que as multinacionais estão inseridas, razão pelo qual não é crível que os métodos sejam engessados a ponto de impedir o contribuinte de fazer provas suficientes para demonstrar o contexto empresarial que atua.

Nesta seara, sustenta o doutrinador José Soares de Melo[15], que no lançamento tributário o ônus da prova cabe a administração pública, pois compete a este de modo privativo e obrigatório a constituição do crédito tributário, implicando, consequentemente, na comprovação de todos os componentes do fato jurídico tributário.

Porém, não é assim que acontece nos casos que envolvem operações de preço de transferência, pois o contribuinte se vê impelido a produzir provas impossíveis e de cunho sigiloso, desrespeitando o disposto no artigo 148 do Código Tributário Nacional.

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