Preço de transferência: provas, presunções e o ônus da prova

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04/01/2019 às 17:00
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  VIII- Preço de Transferência e a prova diabólica

A acepção prova é plurissignificativo, diante da sua utilização em diversas áreas do conhecimento. Os sentidos das provas são construídos no momento que é a prova comprova é considerada como algo finalizado, apto para demonstrar a verdade de um fato, enunciado e a atividade desenvolvido pelas partes e pelo magistrado ao convencimento da veracidade de suas alegações, enunciação, o instrumento é empregado para constituir o fato provado no seu processo de enunciação-enunciada, do qual os efeitos e elementos de convencimento do julgador.

A prova não se confunde com o meio de prova, pois a prova denota algo que serve para o convencimento de outrem, enquanto que o meio de prova consiste num mecanismo utilizado para transportar os fatos no processo, formando-se provas. Trata de uma atividade exercida em consonância com as normas posta no sistema jurídico, relatada numa linguagem prescrita pelo direito, enunciação-enunciada.

O artigo 333 do Código de Processo Civil de 1973 estabelece um critério fixo para distribuir o ônus probatório. Nesta esteira, o ônus da prova incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito e ao réu na comprovação da existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo ao direito do autor.

Adicionalmente, este artigo implica numa hipossuficiência probatória, diante da presença da prova impossível ou muito difícil de produzir. Diante de tal problemática, de ser produzida por aquele sobre qual recaísse o ônus de sua produção.

O Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu a distribuição estática do ônus da prova, diante da prova impossível e de difícil produção, que é ilustrada nos casos de presunções relativas.

Assim, a distribuição dinâmica do ônus da prova, apenas é vedada em casos em que se torna impossível ou excessivamente difícil. Tal premissa foi tomada para resolver o paradoxo, atinente a inversão do ônus da prova, precisamente em casos que se pretenda prevenir a imposição dada ao contribuinte de inversão da produção de prova diabólica, que por hora, viola o princípio do contraditório e da ampla defesa, pois seria ilógico resguardar o contraditório substancial de uma parte e sacrificar o contraditório da parte contrária.

A grande problemática se estabelece no parágrafo 2˚do artigo 21 da Lei n˚9.430 de 1996, que admite as margens de lucro diversa ao adotada na determinação dos métodos, com a ressalva de que o contribuinte as comprove por meio de provas documentais, como por exemplo, as publicações, pesquisa ou relatórios, que houverem sido realizados em consonância com os métodos de avaliação internacionalmente adotado para apuração da base de cálculo do imposto de renda.

Subtende-se, através deste dispositivo que se pode comprovar que as normas jurídicas de preço de transferência no Brasil, não se trata de presunções absolutas, perante a possibilidade da prova em contrário a ser produzida pelo contribuinte.

É patente a não admissibilidade de presunção absolutas no direito tributário, perante a dificuldade da administração pública de concluir pela relatividade da presunção.

O doutrinador Schoueri[16] constata que as provas documentais, como por exemplo, as publicações, pesquisa e relatórios são imprescindíveis para determinação da margem fixas da base de cálculo:

“ (...) uma publicação, oficial ou técnica, somente poderá ser utilizada para apuração dos preços e custos médios quando: (i) for detalhada (especificando o setor, o período, as empresas pesquisadas e a margem encontrada, além de identificar, por empresa, os dados coletados e trabalhados); (ii) for contemporânea (abrangendo todo período de apuração do imposto de renda do contribuinte brasileiro); (iii) apurar médias ponderadas; e (iv) não incluir preços e custos de transações entre empresas vinculadas.

A união desses requisitos justifica o temor que dificilmente as publicações oficiais ou técnicas serão de valia para a prova de preço e custo médios no tema dos preços de transferência”.

Neste contexto, a utilização das margens fixas, quais sejam no percentuais de 20% (vinte por cento), 30% (trinta por cento), 40% (quarenta por cento) ou até mesmo em 60% (sessenta por cento), concernem numa grande problemática debatidas nas doutrinas, pois conduz a determinação de um preço que pode vir a refletir a uma situação de não transparência, consoante as regras de mercado. Tal fato advém da crítica de que do princípio arm’s length se fundamenta na ideia de comparação dentre as transações controladas com aquelas que observam as condições de mercado e da livre da concorrência, que permeia todos os métodos desenvolvidos pela OCDE.

Ressalta-se que a legislação em vigor do preço de transferência prevê a margens de lucros fixas, pouco se importando com as transações comercial estabelecida dentre as empresas.

Assim, buscando compreender  a sistemática do preço de transferência, no que tange a real função dos percentual preestabelecidos, conclui-se, que tais percentuais podem ser alterados, conforme dispõe a legislação, em virtude deles servirem como garantia ao contribuinte de ver guardados tais percentuais, pois a administração pública não imporá outros mais gravosos, pois servem para dispensar o fisco do ônus da prova de comprovar os percentuais praticados por terceiros[17].

A prova diabólica tipifica-se no preço de transferência, quando o contribuinte pratica ato de comércio em que margem percentual do preço desrespeita o previsto na legislação de preço de transferência. Neste momento que surge para administração pública, as marcas, os indícios e as hipóteses presuntivas para constituir o lançamento tributário e consequente crédito tributário, que imputará ao contribuinte a produção de uma prova impossível.

Neste raciocínio, o contribuinte busca socorro no parágrafo 2˚do artigo 20 da Lei 9.430 de 1996 e solicita a alteração da margem, com respaldo ao princípio arms’ lenght. Na constituição do lançamento tributário e consequente, instauração do processo administrativo, abre-se para a empresa o direita da impugnação em consonância ao princípio contraditório, a produção de provas que por meio da prova documental, demonstrará por análise comparativa outro percentual do qual pedirá ao magistrado em sua alegações para que outro percentual ser aplicado, que terá por conteúdo os meios de provas, ora, a margem negativa, que será exemplificada por meio de condições de mercado, seja por se tratar de venda marginal, visando comprova por meio todos os meios  probatórios o tempo de maquina ocioso, visando a cobertura de custo fixos.

A grande dificuldade para o contribuinte no contencioso administrativo e posterior, contencioso judicial é cumprir as exigências previstas na legislação para solicitação e produção probatória de alteração de percentuais estabelecidos pela IN 1.312 de 2012, que prevê a juntada dos seguintes documentos:

“Art. 47. As solicitações de alteração de percentuais, efetuadas por entidades de classes ou por pessoa jurídica, deverão conter indicação do prazo de vigência das margens sugeridas e ser instruídas com os seguintes documentos:

I-demonstrativos dos custos de produção de bens, serviços ou direitos, emitidos pela pessoa jurídica fornecedora, domiciliada no exterior;

II-demonstrativo do total anual da compras e vendas, por tipo de bem, serviço ou direito, objeto da solicitação;

III-demonstrativo dos valores pagos a título de frete e seguros, relativamente aos bens, serviços ou direitos,

IV-demonstrativo da parcela do crédito presumido do IPI, como ressarcimento da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, correspondente aos bens, serviços ou direitos.

§1˚Os demonstrativos deverão ser corroborados com os seguintes documentos:

I-cópia dos documentos de compra dos bens, serviços ou direitos e dos demais documentos de pagamento dos impostos incidentes na importação e outros encargos computáveis como custo, relativos ao ano-calendário anterior,

II-cópia de documentos fiscais de venda emitidos no último ano-calendário, nas operações entre pessoa jurídica vinculada, domiciliada no exterior, e as pessoas jurídicas atacadistas, não vinculadas, distribuidoras dos bens, serviços ou direito, objeto da solicitação;

IV- cópia de documentos fiscais de venda a consumidores, emitidos por pessoa jurídica varejista, localizadas no países de destino dos bens, serviços ou direitos, com indicação do respectivo preço cobrado.

§ 2˚ Os documentos a que se refere o § 1˚não serão anexados ao processo, devendo ser mantido à disposição da Cosit, no domicílio fiscal da pessoa jurídica solicitante ou representada pela entidade de classe.

§ 3˚Além dos documentos mencionados neste artigo, as solicitações de alteração de percentuais poderão ser justificadas com os documentos referidos no artigo 43.

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Desse modo, o artigo 47 demonstra que ao contrário do resultado da operação de inferência lógica da administração pública de construção do enunciado linguístico com base num suporte fático presuntivo. Tal ato é objeto de dedução do fato jurídico tributário com base num conjunto probatório presuntivo.

Não é raro, que os custo de produção, ora, documentos de vendas por parte relacionada ao exterior, dentre outras informações relativas às transações comerciais, são tratados como provas, porém são documentos sigilosos da empresa, que tem por conteúdo dados sigilosos de operações e informações protegidas que consequentemente não pode ser usado como meio de prova pelo contribuinte numa impugnação administrativa.

Uma outra indagação é como o contribuinte obtêm as provas em face de uma exação por parte do fisco, fundamentada numa presunção de caráter relativo. De tal sorte, diante de todas estas dificuldades para o contribuinte, embora tenha a possibilidade de produção de outros meios de provas, não dispõe, especificamente da linguagem de prova prevista. Logo, pode se entender que o lançamento tributário constituído pela administração pública, em consonância a uma presunção tida como relativa, se torna, consequentemente, em absoluta.

É patente que o Poder Executivo obstar os meios de justificação do contribuinte, no momento de uma impugnação administrativa, restringindo-lhe os meios para demonstrar que as margens de lucro atribuída pela lei imputa a terceiros independentes que foge da prática do mercado, pois tal demonstração não exigirá a atividade probatória tão rigorosa a ponto de determinar, com exatidão os percentuais praticados por terceiros independentes. Logo, tal detalhamento exigido ao contribuinte no ato de demonstrar o contraditório, diante das alegações tecidas pela administração pública, revelar-se impossível imputando numa probatio diabólica.

Assim, num contexto de uma prova possível, implica no enunciado probatório que possui uma sintaxe interna, em que se tem uma alegação de um fato indicativo que caminha para produção de uma prova (Fp), desencadeando a realização de atos conforme o procedimento de organização probatória (Sp),  incorrendo no enunciado probatório pretendido (E),  numa fórmula lógica se tipifica da seguinte forma: (E): (Fp’ . Sp) →E.

Já concernente a prova diabólica, trata de uma prova impossível, que estabelece um enunciado probatório, em que se tem alegação de um fato indicativo (Fp) com a necessidade de se produzir uma certa prova de conteúdo impossível (-Sp), concernente na não constituição de um enunciado probatório (E).

Neste raciocínio, caso ocorra a produção de uma prova (Fp) e exista o evento de procedimento de organização probatória (Sp), este fato implica necessariamente que ocorre o enunciado probatório.

 Pode-se, concluir, que a presunção relativa objeto de constituição de lançamento tributário por parte da administração pública não corrobora com a premissa de ser uma presunção absoluta, em face do artigo 20 da Lei 9.430 de 1996 que estabelece a possibilidade do contribuinte trazer indícios, permitindo uma inferência indutiva, relação de causalidade dentre o indício e o fato probando, suficientes para corroborar com a alegação tecida pelo contribuinte que a margem de lucro imposta não é a adequada.

O preceito legal do artigo 20 da Lei 9.430 de 1996 não corrobora com a ideia de presunções absolutas, pois dentre os seus ditames é a constitucionalidade da Lei 9.430, que permite as alterações das margens de lucro no preço de transferência[18].  

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