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A gênese do princípio do "open access" a gasodutos no Brasil

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08/08/2005 às 00:00

Resumo:


  • O livre acesso a instalações de transporte de gás natural no Brasil é fundamentado nas bases jurídicas gerais, incluindo a legislação brasileira e a Doutrina das Infra-Estruturas Essenciais dos EUA.

  • O princípio do livre acesso busca promover a concorrência no setor de transporte de gás natural, democratizando os meios de produção e fomentando o desenvolvimento regional e horizontal da indústria energética brasileira.

  • Apesar da necessidade de normas específicas e detalhadas para regulamentar o livre acesso, o arcabouço jurídico existente ainda é escasso, carecendo de novas produções e de uma lei específica para o gás natural no Brasil.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo – O objetivo deste trabalho é traçar as bases jurídicas gerais sobre as quais se apóia o instituto do livre acesso a instalações de transporte de gás natural no Brasil. Inicialmente é feito um breve apanhado histórico da legislação brasileira no que tange ao gás natural no país. Em seguida busca-se conferir um embasamento doutrinário para o princípio do livre acesso, tomando como parâmetro a Doutrina das Infra-Estruturas Essenciais criada nos EUA. Ademais o livre acesso é levantado de acordo com a teoria constitucional brasileira. Finalmente faz-se a análise da evolução da regulação do instituto, iniciando nas primeiras portatias até alcançar o tratamento que recebe nos dias de hoje.

Palavras-Chave: Infra-estrutura, essencial, transporte, acesso, gasoduto.


Abstract – The object of this paper is to outline the general law basis upon which open access to natural gas pipelines is settled in Brazil. First, a brief panorama of the history of natural gas in the country is presented. Following, a theoretical doctrinary basis in connection with the principle of open access is launched, the background of which is the Essential Facilities Doctrine created in the USA. Furthermore open access is brought up in Brazilian constitutional jurisprudency. Finally, an analysis of the evolution of regulation of such institute is made, starting on the primary ordinances until the treatment itcurrently receives.

Keywords: facility, essential, transportation, access, gas pipelines.


1. Introdução

            Desde a sua mais remota origem, a raça humana valeu-se sistematicamente dos recursos naturais para sobreviver e desenvolver-se ao longo da sua história. Acredita-se que a descoberta do gás natural tenha ocorrido no atual Irã (antiga Pérsia), entre 6000 e 2000 a.C., porém foi somente no final do século XIX que o gás natural, como combustível, começou a ser utilizado em maior escala na Europa. Naquela época as técnicas de engenharia para construção de dutos de transporte de gás ainda não haviam sido desenvolvidas a ponto de permitir o transporte de grandes volumes a longas distâncias. Os gasodutos alcançavam, no máximo, 160 km de extensão [01].

            O transporte de gás natural para longas distâncias foi viabilizado a partir de 1930, e em conseqüência dos avanços na tecnologia de construção de gasodutos obteve crescimento considerável na matriz energética mundial após a Segunda Guerra Mundial. A partir deste momento histórico, o índice de consumo mundial de gás natural verificou uma curva de ascensão que se tornou mais acentuada a partir dos choques do petróleo de 1973 e de 1979, quando as grandes potências consumidoras de energia se defrontaram com a elevação dos preços do petróleo e tomaram a decisão de diversificar seus suprimentos de energia, modificando substancialmente suas matrizes energéticas (Henriques Jr, 2002).

            De uma forma geral países mais desenvolvidos apresentam uma malha de gasodutos bastante ramificada, capaz de atender satisfatoriamente à sua própria demanda por gás. Inversamente a este estágio evolutivo, o Brasil depara-se com uma rede de transporte atrofiada e ineficaz na disponibilização de gás para o mercado nacional (Augusto et alli, 2004).

            Há atualmente uma série de projetos para o desenvolvimento da indústria do gás natural que visam à ampliação das malhas brasileiras de gasodutos, como por exemplo, a Malha de Gasodutos do Nordeste, o Gasoduto Sudeste-Nordeste (GAZEAI), o Gasoduto Urucu – Coari – Manaus, o Gasoduto Campinas – RJ e a Malha de Gasodutos do Sudeste, que deverão proporcionar uma maior integração regional entre as áreas de produção gasífera e o mercado consumidor do produto.


2. Panorama Histórico do Gás Natural no Brasil

            2.1. Legislação Brasileira

            O tratamento constitucional conferido ao petróleo e ao gás natural tem sido linear através da evolução da ordem econômica. Desde a sua primeira inserção na Lei Fundamental, em 1934, as jazidas de petróleo e gás natural foram consideradas monopólio da União.

            Na esfera infraconstitucional, o primeiro diploma legal que abordou a temática do gás natural no Brasil foi o Decreto-Lei no 366 de 11 de abril de 1938, que instituiu o regime legal das jazidas de petróleo e gases naturais, inclusive gases raros, incorporando-o ao Código de Minas vigente à época. (Pires, 2000).

            Durante a Era Vargas, foi editada a Lei no 2.004, de 3 de outubro de 1953, para "dispor sobre a política nacional do petróleo e definir as atribuições do Conselho Nacional do Petróleo bem como instituir a sociedade por ações de economia mista Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRÁS". Segundo relata Paim (1992, apud Ribeiro, 2003), predominava o caráter liberal no projeto da referida Lei no 2.004/53, uma vez que admitia a participação de capitais privados na formação societária da Petrobras, tanto nacional quanto estrangeiro, apesar de manter o monopólio da União quanto à exploração do petróleo e do gás.

            Durante um duradouro lapso de tempo a política econômica brasileira inclinou-se para o nacionalismo, impedindo o acesso de capitais estrangeiros a setores estratégicos até que, em 1995 foi editada a Emenda Constitucional no 9 que alterou o art. 177 da Constituição da República de forma a permitir que a União transferisse a execução de determinadas atividades, cujo desempenho era exclusivamente reservado ao poder público, para a iniciativa privada, não mais restringindo sua execução a empresas estatais. Através desta medida o governo admitiu a participação do capital privado em áreas anteriormente consideradas monopólio da União, dando início aos procedimentos de desestatização e privatização, que tinham por objetivo modificar a posição estratégica do Estado na economia e transferir à iniciativa privada a atuação em áreas da economia em que a presença estatal era dispensável.

            Em seguida foi editada a Lei no 9.491/97, Lei do Plano Nacional de Desestatização – PND, de acordo com a qual poderão ser objeto de desestatização os serviços públicos objeto de concessão, permissão ou autorização. Frise-se que o regime jurídico aplicável ao transporte de gás natural encontra-se determinado no art. 56 da Lei no 9.478/97, qual seja, o das autorizações, destinado à construção de instalações e exploração de qualquer modalidade de transporte de gás natural, seja para suprimento interno ou para importação e exportação.

            2.3. O Transporte de Gás após a Lei do Petróleo

            Em 6 de agosto de 1997 foi promulgada a Lei no 9.478, que criou o Conselho Nacional de Política Energética, o CNPE, conferindo-lhe a atribuição de propor ao Presidente da República diretrizes sobre o aproveitamento do gás natural. Esta lei criou também a Agência Nacional do Petróleo – ANP com a finalidade de promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas que integram a indústria do petróleo, aí inseridas as atividades relativas ao gás natural.

            Com o advento da Lei do Petróleo foi incorporada ao ordenamento jurídico pátrio uma grande inovação no transporte dutoviário de petróleo e de gás natural, consubstanciada no direito de livre acesso. A referida lei, no artigo 58 facultou a qualquer interessado o uso dos dutos de transporte existentes, ou a serem construídos, mediante remuneração adequada ao seu proprietário. O objetivo desta disposição foi não só ampliar as possibilidades de fornecimento de gás natural no país, mas também fomentar a livre concorrência preceituada pela ordem econômica constitucional no setor.

            A partir dessas inovações, que trouxeram a abertura do setor gasífero, iniciou-se um desenvolvimento horizontal mais diversificado na indústria do gás natural brasileiro (Krause e Pinto Jr, 1998).


3. A Doutrina das Infra-Estruturas Essenciais

            3.1. Direito Comparado e Recepção de Direitos

            Dado o recente ingresso do instituto do livre acesso no Brasil, ainda não há produção doutrinária em volume suficiente para que haja uma teoria jurídica sólida sobre o assunto, por este motivo procura-se compatibilizar o ordenamento brasileiro com a Doutrina das Infra-Estruturas Essenciais, desenvolvida originalmente nos Estados Unidos da América, a fim de que tal teoria contribua como arcabouço conceitual doutrinário para a instituição e implementação do livre acesso no Brasil.

            Não raro deparam-se os pensadores do direito com institutos oriundos de ordenamentos alienígenas integrados ao sistema jurídico brasileiro, fenômeno ao qual é conferida a denominação de recepção de direitos, os também chamados transplantes legais, migrações, importações ou empréstimos de direitos. Tavares (1983) define: "o fenômeno que a expressão ‘recepção de direitos’ evoca é a introdução, em um determinado sistema jurídico, de regras, noções ou institutos pertencentes a um outro sistema". Para exemplificar pode-se citar o sistema de freios e contrapesos que equilibra os três poderes, Legislativo, Executivo e Judiciário, o qual, embora seja facilmente encontrado na literatura do direito constitucional brasileiro, teve sua concepção nos EUA.

            Funcionam como propulsores da técnica de internalização de direitos os movimentos de globalização e estreitamento das relações internacionais e de intensificação do dinamismo social, econômico e político entre os povos, facilitando a circulação de informação e fomentando a troca de conhecimento entre sistemas jurídicos (Tavares, 2002 e Torres, 2002).

            3.2. Origem

            A Doutrina das Infra-Estruturas Essenciais, tem origem nos tribunais dos Estados Unidos, no caso United States v. Terminal Road Association, julgado em 1912 pela Suprema Corte daquele país. Neste caso, a Suprema Corte determinou que fossem tomadas providências com o objetivo fundamental de viabilizar a concorrência no setor de transportes no Estado do Mississipi. Ficou estabelecido que a Terminal Road Association passaria a conceder as mesmas condições de uso das instalações conferidas às empresas já associadas a quaisquer outras operadoras titulares de linhas e terminais ferroviários interessadas no trecho sub judice. Além disso, o grupo deveria permitir que outras operadoras que não tivessem o intuito de adquirir ou construir novas linhas férreas ou que objetivassem tornar-se proprietárias e ocupar a mesma posição das empresas associadas, pudessem ter acesso à infra-estrutura já existente, titularizada pela Associação (Lipsky Jr. e Sidak, 1999). Estas medidas configuraram a gênese do conceito de acesso a infra-estruturas essenciais.

            3.3. Conceito e Aplicabilidade no Direito Brasileiro

            Pela expressão "essencial facility" pode-se entender "uma facilidade ou infra-estrutura, sem cujo acesso os concorrentes não poderão oferecer serviços a seus clientes" (Glasl apud Franceschini, 2000). Lipsky Jr. e Sidak (1999) conferem ao vocábulo "facility" a significação de estrutura física ou grande bem de capital com custo consideravelmente alto ou com uma característica singular capaz de lhe atribuir poder de monopólio e controle de mercado, decorrendo estes da superioridade de que deve dispor a estrutura ou bem de capital para o alcance dos fins a que se destina.

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            A caracterização de "essencial" revela-se na inexistência de alternativas viáveis para se proceder à duplicação da instalação, cuja exploração monopolizada controle o mercado alvo da atividade desenvolvida pelo proprietário da infra-estrutura [02]. Assim, "essential facilities" são aquelas estruturas físicas ou grandes bens de capital, cuja titularidade pertence a um agente econômico monopolista que desenvolve isoladamente a atividade precípua daquela estrutura ou bem de capital de que é proprietário, impedindo ou recusando o ingresso de competidores. Destaque-se que a duplicação com a finalidade de exploração da mesma atividade em estrutura diversa, por outro agente, deve ser inviável [03].

            Mesmo que seja fisicamente possível a construção de uma outra estrutura destinada à utilização exclusiva por terceiros interessados, a Doutrina das Infra-Estruturas Essenciais será aplicável desde que se apresente uma circunstância em que seja excessivamente oneroso duplicar e/ou em que haja negativa [04] por parte do proprietário em conceder acesso às suas instalações (Lipsky Jr. e Sidak 1999).

            Salomão Filho (2001) explicita as seguintes estruturas passíveis de classificação como "essential facilities": as redes de telecomunicações, sistemas portuários, redes de transmissão de energia elétrica e malhas rodoviárias, incluindo-se também nesta categoria as redes de transporte dutoviário de petróleo e gás natural. A Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB/SP) ratificou o entendimento de que gasodutos podem ser considerados essential facilities em documento produzido pela Comissão Especial de Defesa da Concorrência – CEDCon relatando o Workshop sobre Direito de Acesso aos Gasodutos realizado em novembro de 2003.

            No que respeita à aplicabilidade do conceito das infra-estruturas essenciais, Siclen (1996), Secretária da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) afirma que as controvérsias envolvendo esta modalidade de estruturas tende a aflorar em situações em que a atividade econômica para a qual se faz uso de instalações essenciais esteja sujeita à regulação pelo Estado. Salomão Filho (2001) esclarece que basta a simples existência de uma rede natural ou artificial, física ou virtual, de duplicação inviável para que haja regulação econômica, independentemente da presença estatal. E completa, afirmando que o desenvolvimento da Essential Facilities Doctrine foi voltado para os casos considerados monopólios naturais pela doutrina econômica, em que um bem, mais freqüentemente uma estrutura organizada em rede, recebe importância tamanha que se torna impossível existir competição sem a presença deste bem.

            Celso Fernandes Campilongo, conselheiro do CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, ao proferir voto no julgamento do processo administrativo travado entre Directv, em um dos pólos, e Rede Globo no outro, decidiu pelo compartilhamento de sinal de TV aberta, e teceu, na oportunidade, alguns comentários sobre as infra-estruturas essenciais, deixando consignada sua opinião ao esclarecer que tal conceito apenas deve ser aplicável em casos extremos, nos quais a detenção exclusiva de um serviço ou produto por um determinado prestador inviabiliza por completo a existência de um regime de competição, e ainda quando o bem negado não pode ser duplicado por constituir um monopólio natural.

            Tendo em vista as disposições legais que fomentam a concorrência no Brasil, constantes da Lei no 8.884/94, pode-se concluir que a negativa de acesso a uma infra-estrutura essencial por parte de seu proprietário configura inegavelmente infração à ordem econômica, sujeita à fiscalização e imposição de sanção pelo CADE.

            3.4. Embasamento Constitucional

            A Doutrina das Infra-Estruturas Essenciais é eminentemente jurisprudencial, logo seus fundamentos devem servir apenas como fonte interpretativa do direito posto, sem prevalecer sobre qualquer norma jurídica positiva (Aragão, 2003). Ensina Barroso (1999): "a atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie".

            Destacamos, então, como princípios constitucionais que norteiam a doutrina ora analisada a livre iniciativa e, como seus corolários, a função social da propriedade e a livre concorrência, todos constantes do art. 170 da Constituição Federal, na seção reservada à Ordem Econômica.

            No plano empírico a liberdade de iniciativa se manifesta mais evidentemente através da livre concorrência e da livre negociação, refletindo-se na promoção de um ambiente de competitividade em que qualquer agente poderá desenvolver a atividade econômica que lhe aprouver, salvo quando houver restrições legais [05]. Por outro lado, a concorrência em si pressupõe a existência de um cenário em que haja uma multiplicidade de agentes econômicos desenvolvendo um mesmo nicho de atividades e deve visar à criação e à manutenção de estruturas de mercado capazes de gerar benefícios ao consumidor e ao desenvolvimento nacional.

            Ao estabelecer que a todos os cidadãos deveria ser concedido o direito à propriedade, a Constituição estabeleceu também a ressalva de que esta mesma propriedade deveria necessariamente atender à sua finalidade social. Após seu período liberal, o papel do Estado na economia evoluiu para tornar-se cada vez mais interventivo, buscando assumir um papel de fomentador do bem-estar social ou welfare state. O Código Civil de 2002 também contempla a questão da função social da propriedade no art. 1.228 § 1o.

            Para que o direito de propriedade possa condizer com as suas finalidades econômicas, ele deve ser produtivo. Entretanto ser apenas minimamente produtivo não é o suficiente quando o assunto diz respeito à propriedade de infra-estruturas essenciais. Esta categoria de bens é fundamental para o desenvolvimento econômico do país, especialmente quando se direciona para o setor de energia e telecomunicações. Ademais, garantir que as infra-estruturas existentes contribuam para o desenvolvimento nacional é dever não só do governo, como um dos objetivos fundamentais da República brasileira, mas também da sociedade como um todo. Nas palavras de Salomão Filho (2001), "aí, a função social passa a significar uso da propriedade em benefício de terceiros".

            É nítida a sinergia entre os dois princípios, livre concorrência e função social da propriedade. A combinação deles é capaz de proporcionar meios eficazes de sustentar a instituição e implementação do livre acesso no ordenamento jurídico pátrio. Aliados um ao outro, tais princípios têm o condão de defender a licitude da compulsoriedade de compartilhamento de infra-estruturas essenciais entre proprietários e terceiros interessados em tais instalações.


4. O Livre Acesso

            O livre acesso a estruturas essenciais por terceiros interessados (ou open access) é a manifestação concreta resultante da aplicação Doutrina das Infra-Estruturas Essenciais. É, na verdade, o próprio objetivo desta doutrina [06], i.e., a tentativa de justificar a licitude da democratização dos meios de produção através do compartilhamento de infra-estruturas entre proprietários e terceiros interessados.

            Na qualidade de indústria de rede, mais especificamente rede dutoviária de transporte, a sua operação mantém-se tecnicamente como monopólio natural, devendo por isso ser alvo de regulação, a fim de que a competição possa manifestar-se nos demais segmentos potencialmente competitivos, como a produção, a comercialização etc. [07]

            4.1. Normatização do Livre Acesso

            O marco legal inicial do livre acesso foi a Lei no 9.478/98, conhecida como Lei do Petróleo que, em seu artigo 58, determinou que terceiros interessados poderiam ter acesso a instalações de transporte de gás natural. A partir da inserção open access no sistema jurídico brasileiro, surgiu uma série de questionamentos acerca do instituto, especialmente quanto à maneira de se realizar sua implementação, a qual não foi prevista concomitantemente à sua positivação.

            Em 1998 a Agência Nacional do Petróleo editou a Portaria no 169, que regulamentava o art. 58 da Lei do Petróleo estabelecendo, em caráter regulatório, as regras e conceitos a partir dos quais pretendia viabilizar o acesso aos gasodutos por terceiros interessados no transporte de gás natural [08]. Este normativo, no entanto, teve vida curta e foi revogado em 17 de abril de 2001, pela Portaria ANP no 62. As motivações que culminaram na revogação desta Portaria não foram publicadas pelo entre regulador, apenas foram vislumbradas em Resolução de Diretoria da ANP cujo teor não foi divulgado, por tratar-se de assunto interna corporis da instituição, explica Fontes Filho (2002).

            Ainda hoje existe um grande vácuo no que diz respeito à regulamentação do livre acesso, o qual ainda não foi preenchido pela entidade reguladora. Desde a revogação da Portaria 169/98, que abrangia a totalidade das etapas necessárias ao compartilhamento de gasodutos, a ANP elaborou uma série de minutas de portarias, almejando conceder um tratamento mais sistemático à matéria, e submeteu-as a diversas consultas públicas. Das cinco minutas de portarias elaboradas em substituição à Portaria 169/98, apenas duas obtiveram sucesso e passaram a integrar o arcabouço regulatório relativo à indústria do gás natural.

            A ANP, conforme relata Dias (2004), na procura de eximir-se da responsabilidade pela escassez normativa relativa ao transporte de gás natural, atribuiu sua inércia em editar normas regulamentares à pendência de elaboração de uma política do gás natural pelo Ministério de Minas e Energia, ressalvando todavia a sua atuação conjunta no sentido de propor um novo modelo para a indústria de gás ao governo federal.

            Dentre as principais proposições deste novo modelo para a indústria do gás natural destaca-se a perspectiva de criação de uma Lei do Gás. Porém, ainda há uma série de procedimentos a serem realizados para que se dê prosseguimento à definição de um novo marco regulador para o gás natural no Brasil.

            Haja vista a necessidade de aperfeiçoamento da matéria anteriormente regulada pela Portaria no 169/98, bem assim a necessidade de conferir um tratamento mais abrangente e detalhado aos temas relacionados ao livre acesso, a Superintendência de Comercialização e Movimentação de Gás Natural (SCG/ANP), atendendo à política de introdução da concorrência nos setores da economia sujeitos à regulação, em fevereiro de 2001 editou e colocou em consulta pública uma minuta de Portaria de Livre Acesso às Instalações de Transporte de Gás Natural.

            Após a apreciação dos comentários e sugestões recebidos, o ente regulador empenhou-se em elaborar uma nova minuta de Portaria de Livre Acesso, de forma a satisfazer as críticas apontadas no texto da primeira minuta. Assim, foi aberta nova consulta pública com o intuito de aperfeiçoar o tratamento dispensado à matéria.

            Houve, entretanto, enquanto ainda estava em circulação a segunda minuta de portaria para a regulamentação do livre acesso aos gasodutos, um momento em que a expansão das instalações de transporte de gás já existentes à época se fez de extrema urgência, a fim de atender às necessidades do Programa Prioritário de Termeletricidade e contornar a crise energética pela qual atravessava o país naquela ocasião.

            Assim, em junho de 2001, deu-se a publicação da Portaria ANP no 98/2001 com o objetivo de regular a oferta de capacidade de transporte decorrente da expansão de gasodutos. Esta oferta assemelha-se a uma espécie de leilão das novas capacidades de movimentação de volumes de gás entre os interessados, denominado Concurso Aberto. Através desta medida foi possível estimular a concorrência no setor de transporte de gás natural uma vez que reduziu a participação da Petrobras, antes detentora do monopólio do referido setor. Faz-se mister ressaltar que a Portaria que regulamenta o concurso aberto disciplinou apenas uma parte das questões atinentes ao livre acesso, reservando-se apenas ao acesso resultante da expansão dutoviária. Manteve-se com isso, a lacuna regulatória quanto ao transporte de gás natural.

            Com a finalidade de agilizar e conferir maior praticidade às normas de regulação do livre acesso, a ANP decidiu desmembrar o conteúdo da proposta de Portaria posta em consulta pública em 2001 em cinco outras Portarias, de acordo com cada um dos temas inicialmente abrangidos: (a) Portaria de Livre Acesso às Instalações de Transporte de Gás Natural; (b) Portaria que Regulamenta os Critérios Tarifários para o Transporte Dutoviário de Gás Natural; (c) Portaria que Regulamenta o Processo de Resolução de Conflitos; (d) Portaria que Estabelece os Procedimentos para o Envio das Informações Referentes às Atividades de Transporte e de Compra e Venda de Gás Natural ao Mercado, aos Carregadores e à Agência Nacional do Petróleo - ANP; e (e) Portaria de Cessão de Capacidade de Transporte de Gás Natural.

            De todas as seções em que foi subdividida e esquematizada a temática do livre acesso, apenas duas minutas foram concluídas e publicadas, convertendo-se nas Portarias relativas ao o processo de resolução de conflitos e ao fornecimento de informações referentes às atividades de transporte e de compra e venda de gás natural ao mercado, aos Carregadores e à ANP, sob os nos 254/2001, e 01/2003, respectivamente, enquanto as outras minutas de Portarias ainda aguardam desfecho.

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Sobre a autora
Luciana Figueiras de Góis

advogada no Rio de Janeiro (RJ), pós-graduanda em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GÓIS, Luciana Figueiras. A gênese do princípio do "open access" a gasodutos no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 765, 8 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7123. Acesso em: 19 dez. 2024.

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