V. Os portadores de deficiência e a reserva de vagas em concursos públicos
Feitos estes esclarecimentos, passa-se ao exame dos dispositivos legais que conferem aos portadores de deficiência uma reserva de vagas em concursos públicos.
A legislação brasileira confere aos deficientes algumas prerrogativas quando submetidos a concurso para provimento de cargos e empregos públicos da administração direta e indireta. A principal delas é a reserva de vagas.
A Constituição Federal dispõe em seu artigo 37, inciso VIII, que "a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão".
No mesmo sentido a Lei n.º 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais:
Art. 5º.
§ 2º. Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscreverem em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso.
Temos ainda a Instrução Normativa do Tribunal Superior do Trabalho n.º 07, de 21 de março de 1996 (DJU 29.03.1996), que estabelece: "1. Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscreverem em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras".
Constata-se, dessa maneira, que há dispositivos legais capazes de possibilitar o ingresso das pessoas portadoras de deficiência no serviço público. Entretanto, em decorrência da confusão que é feita quanto ao alcance do termo deficiente, o que foi objeto de análise no item anterior, estes dispositivos terminam sem produzir, na prática, os efeitos almejados, carecendo, assim, de eficácia.
VI. Considerações finais:
Após essas ponderações, verifica-se que há em nosso ordenamento jurídico dispositivos legais aptos a eliminar, ou pelo menos diminuir, as barreiras impostas aos portadores de deficiências com relação ao ingresso no serviço público através dos concursos públicos. No entanto, em decorrência da falta de preparo técnico daqueles encarregados de avaliar os candidatos e suas limitações, a garantia constitucional por vezes é desrespeitada, carecendo, assim, de eficácia.
Para que a norma tenha um maior alcance, atingindo assim o seu fim social, mister se faz que as pessoas responsáveis pelo processo seletivo passem por um curso de capacitação, que deverá abordar a definição de pessoa portadora de deficiência e as múltiplas variações e manifestações desta, destacando todas as hipóteses legalmente previstas.
Cabe aqui observar que, em caso de dúvida com relação à existência ou não da deficiência, é mais adequado e justo possibilitar um amplo contraditório na seara administrativa, evitando levar ao Poder Judiciário lides desnecessárias como a que foi analisada, por ser plenamente possível a solução administrativa. Isso, além de evitar o dispêndio de valores, tanto pelo Poder Público quanto pelos portadores de deficiência, ameniza o sofrimento causado pela morosidade da Justiça.
Por fim, entendemos que para evitar maiores problemas e discussões sobre o direito de determinado cidadão à reserva de vagas, a instrução normativa n.º 07 do Tribunal Superior do Trabalho, deveria ser estritamente observada, especialmente o seu item 7:
7. A pessoa portadora de deficiência deverá submeter-se à avaliação, com o objetivo de ser verificada a compatibilidade ou não da deficiência de que é portadora com o exercício do cargo que pretende ocupar.
7.1. A avaliação de que trata este item será realizada por equipe multidisciplinar, do Órgão ou por ele credenciada, antes da aprovação da inscrição pretendida. (negrito acrescido)
Procedendo dessa maneira o candidato a uma vaga de deficiente saberia, antes mesmo das provas, se estaria ou não amparado pela reserva de vagas. Não seriam criadas falsas expectativas.
VII. Referências:
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1998. Brasília: Senado Federal/Centro Gráfico, 2002.
BRASIL. Decreto n.º 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Diário Oficial da União de 21 de dezembro de 1999.
BRASIL. Decreto n.º 3.956, de 8 de outubro de 2001. Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Diário Oficial da União de 09 de outubro de 2001.
BRASIL. Instrução normativa n.º 07, de 21 de março de 1996, do Tribunal Superior do Trabalho. Regulamenta, no âmbito da Justiça do Trabalho, o artigo 5º, § 2º, da Lei 8.112/90. Diário da Justiça da União de 29 de março de 1996.
BRASIL. Lei n.º 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Diário Oficial da União de 12 de dezembro de 1990.
Júris síntese millennium: legislação, jurisprudência, doutrina e prática processual. ano 7. n. 40. mar./abr. 2003. São Paulo: Editora Síntese, 2003. 1 CD-ROM.
Notas
1
Mandado de Segurança n.º 2003.84.00.004964-8 (autuado em 07/05/2003), em trâmite perante a 3ª Vara da Justiça Federal da Seção Judiciária do Estado do Rio Grande do Norte.2
Agravo de Instrumento n.º 2003.05.00.016510-7, em trâmite perante a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região.