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Os portadores de deficiência e o concurso para provimento de cargos e empregos públicos.

A ineficácia dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais

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12/08/2005 às 00:00
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I. Introdução:

            Recentemente, foi submetida à apreciação do Poder Judiciário uma questão envolvendo a violação aos artigos 7º, inciso XXXI, 37, inciso VIII, e 227, § 1º, II, todos da Constituição Federal, que tratam da garantia de acesso aos cargos e empregos públicos, conferida às pessoas portadoras de deficiência.

            O tema discutido despertou o interesse em aprofundar o estudo sobre o alcance da proteção outorgada aos portadores de deficiência pela Constituição Federal de 1988 e pela legislação vigente, bem como analisar a eficácia, ou ineficácia, destas normas.

            O presente trabalho objetiva avaliar o real intuito das normas, seu fim maior, através da análise do caso concreto. Em um primeiro momento será exposta a síntese dos fatos, tal como ocorreram e foram apresentados ao Poder Judiciário. Em seguida será feita uma abordagem dos dispositivos legais que definem o que vem a ser portador de deficiência, distinguindo esta de incapacidade/inaptidão, e, logo em seguida, o tratamento dado pela legislação ao ingresso daquelas pessoas no serviço público, com o fim de assegurar um tratamento diferenciado, especial, na busca da inclusão social.


II. Os portadores de deficiência e a evolução da sociedade:

            É crescente nos últimos anos o movimento em defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência. Constantemente são lançadas campanhas de conscientização pelo Poder Público, pelo Ministério Público e pelo terceiro setor visando à integração social daquelas pessoas.

            Durante muitos anos as pessoas portadoras de deficiência foram tratadas à margem da sociedade, algumas vezes segregadas em hospitais, clínicas e outras instituições. Eram injustamente discriminadas, chegando ao ponto de serem taxadas de pessoas diferentes, "anormais".

            No passado predominava o entendimento de que as pessoas portadoras de deficiência, por serem "anormais", deveriam se adaptar à sociedade. O portador de deficiência é que, a despeito de suas limitações, deveria se ajustar à sociedade em que vivia, a qual em nada deveria ser alterada. Aqueles deveriam ir além de seus limites para poder desfrutar um convívio social mais amplo e justo. Pensava-se que a sociedade, nessa época, não necessitava de nenhuma modificação.

            Contudo, graças à iniciativa de alguns cidadãos visando a conscientização da sociedade, essa discriminação foi amenizada (amenizada, apenas, por ainda ser facilmente presenciada). Porém, apesar da discriminação não ter sido eliminada por completo, a sociedade despertou para as necessidades daquelas pessoas que de alguma forma possuem limitações, sejam elas físicas, biológicas ou mentais, buscando cada vez mais a inclusão social delas.

            Na atualidade, em virtude da evolução cultural e social, predomina o pensamento de que a sociedade e as pessoas portadoras de deficiência devem buscar juntas a integração social destas. Foi abandonado aquele pensamento retrógrado e individualista de que apenas os portadores de deficiência deveriam lutar por sua inclusão.

            Conforme o preâmbulo da nossa Constituição Federal, a igualdade é um dos valores supremos da sociedade brasileira que, apesar de bastante ignorado em tempos pretéritos, possui significativo respeito na atualidade.


III. Breve relato dos fatos articulados no Mandado de Segurança:

            Apesar de se tratar da uma análise de um processo judicial [01], que é público e a ele todos podem ter acesso, em respeito à pessoa que sofreu a discriminação seu nome não será divulgado no presente trabalho. Será tratada apenas como Impetrante em face da sua qualidade processual.

            A Impetrante, visando ingressar no serviço público federal, submeteu-se ao concurso público realizado recentemente pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, regido pelo Edital n.º 1/2003, de 15 de janeiro de 2003, que atendendo ao art. 37, VIII, da Constituição Federal, destinou 5% (cinco por cento) das vagas aos portadores de deficiência.

            Por ser portadora de deficiência, conforme havia atestado um médico ortopedista com base em radiografias da coluna dorso-lombar e tóraco-lombar, a Impetrante efetuou a sua inscrição como tal para o cargo de Analista Previdenciário, sendo aprovada no certame.

            De acordo com o atestado fornecido pelo médico que a acompanha desde o início da enfermidade, a Impetrante é portadora de "acentuada escoliose toraco-lombar", cujo código é CID 10:m.41.3., "deficiência que não a incapacita para as atividades de analista previdenciário", segundo fez constar no atestado fornecido e anexado aos autos do processo.

            Pois bem. Após a aprovação no concurso houve a nomeação da Impetrante através da Portaria n.º 591, de 31 de março de 2003, cuja publicação no Diário Oficial da União se deu no dia 1º de abril.

            Após a submissão ao exame médico – que a considerou apta para o trabalho – e a apresentação dos documentos exigidos por lei, atendendo ao princípio de que "Funcionário nomeado por concurso tem direito à posse" (súmula 16 do Supremo Tribunal Federal), a Impetrante entrou em exercício no dia 11 de abril de 2003, como comprovava o Termo de Posse e a Folha de Registro de Comparecimento – FRC, igualmente anexado aos autos judiciais. Registre-se que o referido exame médico foi realizado no dia 10 de abril de 2003, antes de tomar posse no cargo.

            Entretanto, em 25 de abril de 2003, após 15 dias de efetivo exercício no cargo de Analista Previdenciário, foi surpreendida com a informação de que não poderia continuar no cargo por não ser deficiente, sendo encaminhada a uma avaliação por uma junta médica.

            Com base no parecer que deveria ter sido elaborado por uma junta médica, o qual foi subscrito apenas por um único médico, a Impetrante foi afastada em 25 de abril, sem que lhe fosse dada oportunidade de manifestação sobre o dito laudo, atitude esta que ensejou a impetração do Mandado de Segurança por violar o direito constitucional ao devido processo legal, ao contraditório e a ampla defesa. Este foi o principal argumento formulado na petição inicial do mandado de segurança em análise.

            A definição de pessoa portadora de deficiência e a abrangência da proteção constitucional e infraconstitucional não foram deixadas de lado, apesar de não terem sido tratadas de forma imediata, principal. Estas questões também mereceram a devida atenção.

            Como o objetivo do presente trabalho é analisar o que vem a ser pessoa portadora de deficiência, e a conseqüente aplicação das normas que asseguram a estas um percentual de vagas em concursos públicos, a matéria relacionada com o devido processo legal, contraditório e ampla defesa não será examinada.

            O parecer referido acima não é fundamentado em doutrina médica, apóia-se em breves definições do dicionário Novo Aurélio da Língua Portuguesa Século XXI.

            Como pode um laudo médico, eminentemente técnico, ser baseado no que diz um dicionário e não em doutrina médica? Isso de início já demonstra a falta de preparo das pessoas para tratar de tema de especial importância na atualidade.

            Outro aspecto a ser considerado está relacionado com a definição de deficiente contida no citado parecer. Há uma confusão entre deficiente e inválido, adotando-se equivocadamente o conceito do segundo para definir aquele.Apenas para ilustrar, cumpre consignar que o eminente Juiz Federal Francisco Eduardo Guimarães, da 3ª Vara da Justiça Federal da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, ao apreciar o pedido de liminar, o deferiu, determinando

            à Autoridade Coatora que se abstenha de praticar qualquer ato tendente a obstaculizar o exercício do cargo de analista previdenciário no qual a Impetrante foi investida, garantindo-lhe, inclusive, o direito a perceber vencimentos a partir da entrada em exercício, esta ocorrida em 11/04/2003, até decisão posterior ou até o julgamento de mérito do presente mandamus.

            Insatisfeito com o teor da decisão, o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS recorreu, por meio de Agravo de Instrumento [02], ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Devidamente distribuído, o ilustre Relator, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, concedeu efeito suspensivo ao recurso, cassando assim a liminar deferida em primeiro grau. Em breve exposição, com base nas razões de recurso apresentadas pelo Recorrente, o Relator concluiu que:

            está provado, tanto por laudo do instituto agravante, quanto pelos exames particulares que instruem a inicial, que, de fato, a candidata é portadora de escoliose. Entretanto, esta moléstia não a impossibilita de praticar os atos do cotidiano, inclusive, exercer o cargo de analista previdenciária.

            Mais à frente fez a seguinte ponderação:

            Pretender concorrer a certame na qualidade de deficiente físico, e se valer da proteção constitucional garantida àqueles, inclusive logrando ser aprovada em detrimento de outros candidatos com deficiências mais graves, é esvaziar por completo o conteúdo da norma.

            Ao nosso ver a decisão do Ilustre Relator é que fere os dispositivos constitucionais. Seus argumentos violam o princípio da isonomia na medida em que sustenta que deve haver diferenciação entre os próprios deficientes, e não apenas entre estes e as demais pessoas ditas normais. Explica-se: existem pessoas com diferentes graus de deficiência; no entanto, a legislação não as diferencia, tratando simplesmente dos deficientes lato sensu. O intuito da norma é o de tratar de maneira especial pessoas que, de alguma forma, possuem limitações, enquadrando-as em cargos compatíveis com a sua deficiência. Contempla, desse modo, o princípio segundo o qual os iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais, desigualmente.

            Por mais absurdo que possa parecer, o "afastamento" da Impetrante se deu sem que houvesse sido sequer instaurado um processo administrativo para tal fim, o que fere frontalmente os princípios elencados no caput do art. 37 da Constituição Federal: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Neste processo administrativo seria averiguada especificamente a existência ou não de deficiência na Impetrante, proporcionando-lhe o direito de produzir provas e impugnar as que fossem apresentadas pelo INSS.

            Mas assim não foi feito e esta matéria está sendo discutida no Mandado de Segurança, cabendo aqui apenas o estudo das questões relacionadas com a deficiência, objeto mediato daquela ação.

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            Apenas para esclarecer e fundamentar o que foi exposto destaca-se o seguinte julgado do Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região:

            "ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO – DEFICIENTE FÍSICO – Candidata aprovada em concurso público na qualidade de deficiente físico. Decisão administrativa que expungiu a impetrante da relação de candidatos deficientes, com fundamento em parecer do serviço médico do tribunal, atestando a inexistência da deficiência. Necessidade de se observar o devido processo legal, assegurando-se prévio contraditório e ampla defesa. Concessão, em parte, da segurança. (TRF 5ª R. – MS 57.204 – Rel. p/o Ac. Juiz Ridalvo Costa – J. 09.04.1997)"

            O Relator designado para redigir o acórdão, Desembargador Federal Ridalvo Costa, voto-vencedor no julgamento daquele Mandado de Segurança destacou em seu voto:

            No instante em que a impetrante se vinculou ao procedimento de um concurso na condição de deficiente, como tal admitida, para que lhe fosse retirada essa classificação, necessitaria do devido processo legal.

            A vinculação da impetrante ao concurso se deu na condição de deficiente e o Tribunal admitiu. Não questionou. Para expungir essa candidata da relação de deficiente, é necessário que se estabeleça prévio contraditório e seja assegurada a ampla defesa.

            O só fato de ter havido uma perícia ou o oferecimento de um laudo pelo serviço médico deste Tribunal, não basta para assegurar a amplitude do direito de defesa.

            Teria a Presidência ou o serviço médico do Tribunal que assegurar à impetrante o direito de vista, o direito de se pronunciar, de se defender sobre o laudo oferecido, podendo fazer contra-prova, inclusive, submeter-se à nova perícia. O que não pode, a meu ver, é o Tribunal decidir com uma prova unilateral, produzida apenas pelos serviços internos da Casa, sem que a interessada tenha a oportunidade de contraditá-la ou de fazer prova em contrário.

            Portanto, para que a exoneração da Impetrante se desse de acordo com os preceitos legais deveria ter sido instaurado um processo administrativo para averiguar sua deficiência, assegurando-lhe plena participação e produção de provas que julgasse pertinentes.


IV. Deficiência: sinônimo de aptidão e capacidade para o trabalho?

            De acordo com o relatado acima, antes de entrar em exercício no cargo de analista previdenciário, a Impetrante foi submetida a um exame médico que apresentou a seguinte conclusão: "Não existe incapacidade para o trabalho, sendo considerado apto".Outrossim, deve ser consignado que o "Laudo de Exame Médico Pericial de Servidor" concluiu que a deficiência física da autora "não impede de realizar o trabalho" do cargo para o qual foi nomeada.

            Desse modo, tem-se que o exame realizado antes da posse da Impetrante reconhecia a sua deficiência, bem como atestava que não a impedia de exercer as atribuições do cargo para o qual concorreu e foi devidamente nomeada.

            Por sua vez, o parecer elaborado unilateralmente pelo INSS, que concluiu que a Impetrante "não se enquadra na condição de deficiente", é muito singelo em sua fundamentação, não servindo para fundamentar nenhuma decisão.

            A primeira falha detectada no citado parecer é a sua fundamentação. Em que pese o conhecimento de quem o elaborou, percebe-se facilmente que sua fundamentação não se deu com base em doutrina e conhecimentos da área médica, e sim de acordo com o que diz o dicionário "Novo Aurélio da Língua Portuguesa Século XXI".

            Cumpre indagar novamente: como pode um parecer técnico e científico ser baseado em definições de verbetes encontradas em dicionário? No mínimo deveria ser fundamentado em lições de doutos na área médica.

            Um segundo ponto a ser destacado diz respeito à confusão de conceitos apresentada no parecer. Deficiente é tratado como inválido.

            Consta no documento a seguinte passagem:

            Considerando a definição do conceito de Pessoa Portadora de Deficiência, como aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em razão de anomalias ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênita ou adquirida, que impeçam o desempenho da atividade da vida diária e do trabalho normalmente. (destaques acrescidos).

            Pois bem. Vejamos a definição de deficiente apresentada pelo direito:

            a) Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, promulgada pelo Decreto n.º 3.956/2001:

            Artigo I

            Para os efeitos desta Convenção, entende-se por:

            1. Deficiência

            O termo "deficiência" significa uma restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social. (destaques acrescidos).

            b) Decreto n.º 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que Regulamenta a Lei nº 7.853, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências:

            Art. 4º É considerada pessoa portadora de deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias:

            I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;

            II - deficiência auditiva - perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e níveis na forma seguinte:

            a) de 25 a 40 decibéis (db) - surdez leve;

            b) de 41 a 55 db - surdez moderada;

            c) de 56 a 70 db - surdez acentuada;

            d) de 71 a 90 db - surdez severa;

            e) acima de 91 db - surdez profunda; e

            f) anacusia;

            III - deficiência visual - acuidade visual igual ou menor que 20/200 no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20º (tabela de Snellen), ou ocorrência simultânea de ambas as situações;

            IV - deficiência mental - funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:

            a) comunicação;

            b) cuidado pessoal;

            c) habilidades sociais;

            d) utilização da comunidade;

            e) saúde e segurança;

            f) habilidades acadêmicas;

            g) lazer; e

            h) trabalho;

            V - deficiência múltipla - associação de duas ou mais deficiências.

            De acordo com as ponderações do parecer, deficiente seria aquele indivíduo impossibilitado de trabalhar por doença física ou mental, mutilação ou paralisia, e não aquela pessoa que possui limitada capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária, sendo apta para as demais.

            Contudo, verifica-se que há uma diferença significativa entre deficiência e incapacidade, o que não foi observado quando da elaboração do parecer.

            Da análise dos dispositivos citados, percebe-se, inicialmente, que o conceito de deficiência para o direito é bem mais abrangente do que aquele apresentado no parecer. Isso demonstra a falta de preparo dos profissionais que estão lidando com esta questão nova e complexa, acarretando conseqüências mais das vezes injustas e danosas.

            Admitindo-se a tese defendida pelo INSS e corroborada pelo ilustre Relator do Agravo de Instrumento, tem-se que uma pessoa pode ser considerada deficiente para um determinado cargo e normal para outro, como se o estado de deficiência dependesse das atribuições e atividades a serem desenvolvidas. Entender assim é um absurdo!

            A Impetrante enquadra-se perfeitamente na definição legal. Possui capacidade limitada para exercer algumas atividades, possuindo plenas condições de desenvolver outras, sem que com isso deixe de ser deficiente.

            Há uma confusão de significados entre deficiência e aptidão/capacidade para o trabalho. Um deficiente pode ser apto ou não para determinado cargo ou função; mas sempre será deficiente.

            Ademais, de acordo com os argumentos que fundamentam o parecer, a pessoa portadora de deficiência seria:

            aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em razão de anomalias ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênita ou adquirida, que impeçam o desempenho da atividade da vida diária e do trabalho normalmente (negrito acrescido).

            Cabe aqui uma indagação: como poderia o serviço público ser integrado por uma pessoa incapacitada para o trabalho e que está impedida de desempenhar suas atribuições?

            No mínimo é contraditório, já que a administração pública tem como princípio fundamental a eficiência. "O deficiente deve ser aproveitado em atividade para a qual demonstre aptidão específica, sob pena de comprometer a eficiência da administração com a contratação de pessoas que não tenham condições de exercer a atividade" (TST – ROMS 705650 – TP – Rel. p/o Ac. Min. Ives Gandra Martins Filho – DJU 15.03.2002).

            Se a pessoa é incapacitada para o trabalho em razão de anomalias ou lesões irreversíveis de natureza hereditária, congênita ou adquirida, que impeçam o desempenho do trabalho, ela é deficiente e não está apta para trabalhar.

            Essa não é a situação da Impetrante, pois ela é deficiente, mas, como demonstram os exames médicos elaborado pelo próprio INSS, está apta para as atribuições do cargo de analista previdenciário. Nesse sentido:

            ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO

PARA AGENTE-FISCAL DO TESOURO NACIONAL. CANDIDATO COM VISÃO MONOCULAR. EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO DE RESERVA DE VAGA. DISTINÇÃO ENTRE DEFICIÊNCIA E INVALIDEZ. 1 - Deficiência, para efeito de reserva de vagas em concurso público, é a situação intermediária entre a plena capacidade e a invalidez. 2 - A visão monocular cria barreiras físicas e psicológicas na disputa de oportunidades no mercado de trabalho, situação esta que o benefício de vagas tem por objetivo compensar. 3 - Caso em que não se vislumbra prejuízo concreto para outros candidatos.(TRF –1ª Região - Classe: AMS – Apelação em Mandado de Segurança – 01000817891; Processo: 199901000817891; UF: DF; Órgão Julgador: Primeira Turma; Data da decisão: 02/06/2000; Documento: TRF100095196; DJ data: 26/06/2000; página: 18 – Relator Juiz Plauto Ribeiro).

            EMBARGOS INFRINGENTES – CONCURSO PÚBLICO – DEFICIENTE FÍSICO – DEFICIÊNCIA COMPATÍVEL COM AS TAREFAS DO CARGO – INAPTIDÃO AFASTADA – 1. Verificada a compatibilidade entre a deficiência física da candidata e as funções inerentes ao cargo público a que concorrera, não se justifica a sua exclusão do certame, em que almejou justamente vaga reservada a portadores de deficiência, na forma do que estabelece o art. 37, inciso VIII, da Constituição Federal. 2. Embargos improvidos. Unânime. (TJDF – EIC 20000150041916 – 2ª C.Cív. – Relª Desª Adelith de Carvalho Lopes – DJU 20.03.2002 – p. 52). (destaques acrescidos).

            ATO ADMINISTRATIVO – AUTORIDADE COATORA – LEGITIMIDADE DE PARTE – CONCURSO PARA PROVIMENTO DE CARGO PÚBLICO – EDITAL DO CONCURSO – INTERESSE DE DEFICIENTE FÍSICO – ORDEM CONCEDIDA – Administrativo. Legitimidade. Mandado de Segurança. Concurso Público. Deficiente físico. É parte legítima para figurar como autoridade impetrada o Secretário de Estado que determina a publicação do edital, delegando à FESP a execução do concurso. Nos termos do art. 5º, caput c/c 37, I, ambos da Constituição Federal, a deficiência física do Impetrante não é óbice para o desempenho do cargo para o qual concorre em concurso público. Discriminação ilegal e inconstitucional. Concessão da segurança. (MGS) (TJRJ – MS 589/98 – (Reg. 050.599) – 5º G.C.Cív. – Rel. Des. Paulo César Salomão – J. 24.02.1999). (destaques acrescidos).

            Constata-se, após essas explanações, que deficiência e aptidão/capacidade para o trabalho são conceitos completamente distintos. A pessoa portadora de deficiência pode ser capaz e incapaz, dependendo da atividade a ser desenvolvida.

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Sobre o autor
Adriano Mesquita Dantas

Juiz Federal do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região/PB, Professor Universitário e Presidente da Amatra13 - Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Pós-Graduado em Direito do Trabalho e em Direito Processual Civil pela Universidade Potiguar (UnP). Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino (UMSA). Foi Agente Administrativo do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região/RN, Advogado, Advogado da União e Diretor de Prerrogativas e Assuntos Legislativos da Amatra13 - Associação dos Magistrados do Trabalho da 13ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Adriano Mesquita. Os portadores de deficiência e o concurso para provimento de cargos e empregos públicos.: A ineficácia dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 770, 12 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7150. Acesso em: 18 abr. 2024.

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