Atos de disposição voluntária do próprio corpo em vida.

Os casos do transexual e do doador de órgãos

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O conteúdo que se apresenta visa, de modo sintético, à análise de um tema demasiadamente vasto, a respeito das intervenções provocadas pelos indivíduos sobre seu próprio corpo.

Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. Direitos da personalidade, integridade física e suas limitações voluntárias; 3. Transexualidade: noções essenciais; 3.1. Distinção em relação a outros fenômenos sexuais; 3.2. O direito à cirurgia de redesignação sexual; 3.3. Efeitos jurídicos da mudança de sexo; 4. Transplantes de órgãos, tecidos e partes do corpo humano em vida: os limites legais; 5. Considerações finais; 6. Referências bibliográficas.


1. Considerações iniciais

O conteúdo que se apresenta visa, de modo sintético, à análise de um tema demasiadamente vasto, a respeito das intervenções provocadas pelos indivíduos sobre seu próprio corpo ou, de maneira geral, as limitações voluntárias praticadas pelas pessoas sobre sua integridade física.

Do amplo universo de hipóteses que o tema abarca, serão abordados, em especial, dois tópicos: a transexualidade e os transplantes de órgãos, tecidos e partes do corpo humano. Embora eventualmente ambos sejam objetos de alguns estudos doutrinários, ainda pairam inúmeras incertezas sobre seus reflexos, sobretudo quanto à transexualidade, matéria que jamais foi objeto de qualquer lei no Brasil. Como consequência, tais temas acabam por ser tratados com certa superficialidade, inobstante mereçam ser aprofundados, devido à sua complexidade e singularidade.

Antes, contudo, de se proceder à abordagem dos principais aspectos que circundam a transexualidade e os transplantes, faz-se necessário o esboço de algumas linhas sobre os direitos da personalidade, nomeadamente a integridade física, e suas possíveis limitações voluntárias. A partir destas bases, será possível compreender quais as balizas para a realização dos transplantes no Brasil e em que medida cabe defender que os transexuais têm o direito de optar pela cirurgia de redesignação sexual, ainda que ela implique numa permanente redução de sua integridade física.


2. Direitos da personalidade, integridade física e suas limitações voluntárias

Existem valores da pessoa humana que o ordenamento jurídico considera intangíveis, já que ela apresenta um valor em si e por si. Tais valores integram a personalidade humana, que, no âmbito jurídico é o conjunto de faculdades e de direitos em estado de potencialidade, que dá ao ser humano a aptidão para ter direitos e obrigações, tornando-o um ser autônomo com natureza moral.

Pessoas naturais e jurídicas são entes dotados de personalidade, apesar de que suas origens não coincidem, pois no caso das pessoas jurídicas tal personalidade lhe é atribuída, no caso de pessoas naturais é meramente reconhecida, pois esta é inerente aos seres humanos.

Os Direitos da Personalidade são:

  • Inatos: no sentido de serem “originários”. Basta ser pessoa para gozar de tais direitos;

  • Absolutos: não há pessoa que possa interferir nos direitos da personalidade. Impossível tomar o termo “absoluto” por ilimitado, porque todo direito encontra limitações, em si mesmo e em confronto com direitos alheios;

  • Necessários: são aqueles acompanham a pessoa desde a concepção;

  • Vitalícios: acompanham a pessoa em toda a sua existência (gerando até mesmo, reflexos post mortem);

  • Irrenunciáveis: porque não se pode abdicar da sua titularidade;

  • Extrapatrimoniais: não comportam avaliação pecuniária ou econômica determinada. É necessário fazer uma observação: certos aspectos dos direitos de personalidade comportam a celebração de negócios jurídicos de caráter oneroso, como se passa quanto ao direito ao nome ou à imagem. Há outros direitos da personalidade, como o direito à vida, que já não admitem qualquer restrição neste sentido. Na questão do direito à imagem, esta pode ser cedida para a exploração comercial em anúncios publicitários, por exemplo, o que não se trata da patrimonialização do direito em si, mas meramente a autorização para que terceiros dele explorem certos aspectos de caráter patrimonial;

  • Intransmissíveis: pois apenas a própria pessoa os pode titularizar, sendo impossível o seu desprendimento. Na hipótese acima, da permissão do uso da imagem, não existe a cessão do direito em si, mas tão-somente a permissão para a sua exploração comercial;

  • Imprescritíveis: não se perdem pelo desuso. Não há prazo de caducidade relativo à titularidade dos direitos da personalidade, embora, evidentemente, pretensões patrimoniais decorrentes da violação destes direitos estejam sujeitas à prescrição.

Os Direitos da Personalidade estão dispostos no Código Civil dos artigos 11 ao 21, e podemos dividi-los da seguinte maneira:

1. Direito à Integridade Física (arts 13 ao 15, CC)

2. Direito ao Nome (arts 16 ao 19, CC)

3. Direito à Imagem (art 20, CC)

4. Direito à Privacidade (art 21, CC)

2.1. AS LIMITAÇÕES VOLUNTÁRIAS DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Como dito anteriormente, os Direitos da Personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, tornando-se assim direitos indispensáveis às pessoas. Contudo, tal afirmação não conclui que seu titular não possa de certa forma dispor destes direitos, de maneira limitada e voluntária. Assim está disposto em nosso Código Civil atual o artigo 11: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”. A lei impede que haja limitações voluntárias aos direitos da personalidade com exceção aos casos previstos no próprio ordenamento jurídico.

Quanto ao artigo transcrito acima, é necessário que se faça uma observação, pois o simples e frio texto da lei não é suficiente para reger as variadas situações em que os direitos da personalidade podem admitir limitações voluntárias.

2.2. DIREITO AO PRÓPRIO CORPO E AS POSSÍVEIS LIMITAÇÕES VOLUNTÁRIAS À INTEGRIDADE FÍSICA

Quanto à integridade física e o Direito ao próprio corpo, o Código Civil de 2002 tratou dos assuntos nos artigos 13 a 15. Dos atos de disposição do próprio corpo e dos transplantes (assunto que trataremos adiante) dispõe o art. 13. do Código Civil, cujo caput assim determina: “Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes”. Em complemento, estabelece o parágrafo único: “o ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial”.

O corpo é considerado um bem da personalidade, pois determina o aspecto exterior de alguém de forma essencial, consequentemente, sem ele não existimos “fisicamente” no mundo jurídico. O corpo humano completo pelos órgãos, tecidos, músculos, nervos, células que o estruturam representa a integridade física de alguém. Dispor significa fazer da coisa o que seu titular bem entender, usando-a livremente.

É pensamento corrente que o titular do direito ao corpo tem um poder limitado de disposição deste bem, devendo observar as restrições impostas em lei, pelos usos e costumes, pelos princípios da moral vigentes e que não acarrete uma diminuição permanente da integridade física de seu titular. No caso dos transplantes, por exemplo, é ilícito doar órgãos vitais, mesmo que seja por um filho que esteja correndo risco de vida. Nesses casos não há a possibilidade de voluntariamente desfazer-se de um órgão necessário à vida, pois atinge a própria integridade física.

É inegável que o ser humano tem um direito sobre seu corpo e que pode exercê-lo de maneira limitada. Porém, é bem verdade que fora as limitações existentes, o homem acaba dispondo livremente de si em virtude do que lhe é permitido, por exemplo: expondo o seu corpo a perigos de vida e lesões incalculáveis, como nos contratos de trabalho circenses, em atividades perigosas e insalubres, nas touradas, nas corridas automobilísticas, nas dublagens cinematográficas, entre outros.

Como citado em exemplo anterior, há a possibilidade de disposição do corpo, mais necessariamente, de órgãos em benefício de outrem. Segundo Ricardo Antequera Parilli. Tal direito deve seguir os seguintes princípios gerais:

O indivíduo pode consentir na ablação das partes internas do seu corpo, com o fim de restaurar sua saúde ou preservar-lhe a vida;

A pessoa pode dispor de partes regeneráveis do seu corpo vivo desde que não afetem a saúde ou a vida do doador;

A disposição, em vida, de órgãos ou partes renováveis com finalidade de transplante, está restringida aos órgãos duplos e tecidos renováveis (rins e sangue, por exemplo), nos casos admitidos em lei, quando a separação não cause um dano irreparável e permanente à integridade física do doador e sempre que a doação seja necessária para devolver a saúde ou salvar a vida de outra pessoa.

Em nosso ordenamento jurídico, portanto, é vedada a disponibilidade total sobre o próprio corpo em relação à pessoa viva. O que a legislação pretende com isso é eliminar a possibilidade de ofensa à integridade física, que seria um bem de grande valor humano. Devemos ressaltar que eventuais negócios jurídicos atrelados à disposição do próprio corpo (doações de sangue e de órgãos, por exemplo) ou mesmo atos do cotidiano (cortar cabelo, unhas), além de não ofenderem a integridade física, têm como característica fundamental a impossibilidade de execução forçada.


3. Transexualidade: noções essenciais

Sempre que se discute a livre disposição da pessoa ao seu próprio corpo e restringe tal indagação a respeito da sua identidade sexual, a questão do transexual vem à tona, devido à complexidade e singularidade que é inerente a esse tema tão controverso.

Em Linhas gerais, pessoa que é transexual acredita fielmente pertencer ao sexo contrário ao de seu atual e por isso se transveste, pois não há outra opção. Para ele, a operação de mudança de sexo é uma obstinação. Em momento algum vive, comporta-se ou age como seu sexo ‘físico’. Tal fato decorre do reconhecimento da existência de uma sexualidade diversa daquela que ele subjetivamente possui, mas que em verdade é oposta ao gênero que é revelado em sua aparência exterior.

3.1. Distinção em relação a outros fenômenos sexuais

Um dos principais motivos para a distinção da transexualidade e os demais fenômenos sexuais é decorrente do caráter psicopatológico. O transexual não se confunde com o homossexual, pois este não nega seu sexo, embora mantendo relações sexuais com pessoas do seu próprio sexo. Não se confunde com o travesti, que em seu fetichismo é levado a se vestir nos moldes do sexo oposto. Nem se identifica com o bissexual, indivíduo que mantém relações sexuais com parceiros de ambos os sexos.

Em suma, a diferença entre o transexual e o homossexual é que o homossexual aceita a sua genitália, ele se aceita do jeito que é. Já o transexual acredita que o seu corpo está errado, porém, existem várias diferenças sobre homossexualismo, o homossexual utiliza a sua genitália nas relações sexuais, só que estas relações são com parceiros do mesmo sexo que o seu.

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Desse modo, devemos entender por transexual a pessoa que apresenta sexo psicológico incompatível com a natureza do sexo somático que lhe fora destinado. Portanto, um indivíduo que se encontra nesta condição tem uma autoimagem do sexo (físico) oposto ao seu e, por isso, se sente, concebe a si mesmo e quer a todo custo se afirmar socialmente, inclusive em seu papel sexual, como pertencente ao sexo oposto. Vive constantemente atormentado pelo ensejo de se submeter às intervenções cirúrgicas plásticas, com a finalidade de transformar sua estrutura anatômica sexual, dando a ela características aparentes do sexo oposto.

3.2. O direito à cirurgia de redesignação sexual

“A Cirurgia de Redesignação Sexual (CRS) (Sex reassignment surgery – SRS) é o termo para os procedimentos cirúrgicos pelos quais a aparência física de uma pessoa e a função de suas características sexuais são mudadas para aquelas do sexo oposto. É parte do tratamento para a desordem do transtorno de identidade para transexuais e transgêneros.”

Sabemos da situação paradoxal, dissonante quanto á perfeição de sua sexualidade em que vivem os transexuais e enquanto não for promulgada uma lei autorizando, com suas exigências e cautelas que forem especificadas, a operação de mudança de sexo continuará considerada mutiladora, uma vez que consiste na remoção de órgãos para substituí-los por algo “artificial”, que tem apenas semelhança com a genitália do outro sexo, configurando assim, crime de lesão corporal gravíssima.

No Brasil, tal cirurgia foi autorizada pelo Conselho Federal de Medicina por meio da resolução de número 1.482 do ano de 1997, a qual habilitou os hospitais universitários a realiza-la. A cirurgia é feita em desde então em caráter experimental nesses hospitais e só em meados de 2007 começaram a ser realizadas também pelo SUS.

irreversível.Por isso seu caráter tão criterioso, envolvendo um pré- acompanhamento efetuado através de uma equipe multiciplinar.

A legislação é bastante defasada, por sua vez as técnicas e estudos são bastante recentes, e como não houve regulamentação sobre a mudança de sexo, sob o ponto de vista jurídico, são raros os acórdãos, por exemplo, admitindo que “não age dolosamente o médico que através de cirurgia faz a ablação de órgãos genitais externos de transexual, procurando curá-lo ou reduzir o seu sofrimento físico ou mental” como o do TA-SP. Entendemos que a mudança do sexo justifica-se pelo princípio do respeito à vida privada, á individualidade do transexual, que assegura aos transexuais o direito de retificação de seu sexo. Dessa forma entendeu também o Tribunal em questão.

A ‘Vaginoplastia’ como é denominada a cirurgia redesignação sexual , foi realizada pela primeira vez em 1954, na paciente americana Christine Jorgensen1. No Brasil, desde 2007 é realizada pelo Sistema Único de Saúde- SUS, segundo o Ministério da Saúde,atenderá: “ A todo e qualquer cidadão que tenha interesse, apresentando a queixa de incompatibilidade entre o sexo anatômico e o sentimento de pertencimento ao sexo oposto ao do nascimento, terá o direito ao atendimento humanizado, acolhedor e livre de qualquer discriminação. A Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde assegura o direito ao uso do nome social. O usuário pode indicar o nome pelo qual prefere ser chamado, independentemente do nome que consta no registro civil. No caso de usuário que já esteja fazendo uso de hormônios sem acompanhamento médico, será realizado encaminhamento imediato ao médico endocrinologista.”

O processo ‘Transexualizador’, por sua vez envolve um rol de complexidade que exigi indiscutivelmente que alguns requisitos sejam cumpridos, tendo por objetivo uma melhor efetivação dos resultados e reduzir a chance de arrependimento por parte do indivíduo que se submeterá, tendo em vista o caráter irreversível da cirurgia de redesignação sexual. O puro e simples consentimento do paciente não será suficiente para fazer cair por terra o princípio da integridade física. Para que tal fato ocorra este deverá estar atrelada a necessidade terapêutica comprovada. Segundo a Portaria 1.707 do Ministério da Saúde, o processo como um todo abrangerá indiscutivelmente as seguintes etapas2:

3.2.1. Acompanhamento Terapêutico

Consiste na promoção da saúde integral, com especial ênfase na re-inserção social. Compreende três dimensões: médica, psicológica e social. O acompanhamento terapêutico não se restringe apenas ao diagnóstico ou à avaliação da pertinência da realização da cirurgia de transgenitalização (mudança de sexo) ou intervenções sobre gônadas e caracteres sexuais secundários. Ao usuário deve ser assegurada a liberdade para descobrir, com o amparo profissional, estratégias de promoção do seu bem-estar.

O processo psicoterapêutico resguarda ao transexual o direito às diferenças comportamentais e subjetivas. O acompanhamento terapêutico médico-endocrinológico deve se pautar na perspectiva da redução de danos, em exames com periodicidade mínima semestral para acompanhamento dos efeitos do uso das medicações determinadas.

A assistente social deverá reconhecer a dinâmica relacional do usuário, a fim de promover estratégias de inserção social na família, no trabalho, nas instituições de ensino e nos demais espaços sociais prementes na vida do indivíduo transexual.

3.2.2. Transgenitalização

Intervenções médico-cirúrgicas devem atender aos critérios estipulados pela Resolução Nº 1.652/2002 do CFM, que determinam o prazo mínimo de dois anos de acompanhamento terapêutico como condição para a viabilização de cirurgia, bem como a maioridade e o diagnóstico de transexualidade.

Transcorridos os dois anos de acompanhamento terapêutico, caso o usuário seja diagnosticado transexual estará apto a se submeter à cirurgia de transgenitalização, o que não significa que deva necessariamente se submeter a este recurso terapêutico.

A cirurgia de transgenitalização deve ser concebida como um dentre outros recursos terapêuticos dos quais dispõe o indivíduo transexual em seu processo transexualizador.

A escolha pela intervenção na genitália deve ser alcançada pelo usuário através do processo psicoterapêutico e social, requerendo:

  • - Conhecimento acerca dos aspectos cirúrgicos;

  • - Conhecimento dos resultados cirúrgicos em suas dimensões estética e funcional;

  • - Consideração crítica das expectativas que acompanham a demanda de transgenitalização;

  • - Consideração crítica das conseqüências estéticas e funcionais da intervenção cirúrgica experiência pessoal e relacional do indivíduo transexual;

  • - Consideração crítica de outras alternativas necessárias para a melhoria da qualidade de vida, sobretudo no que se refere às relações sociais.

Os profissionais que compõe a equipe são responsáveis por incitar o questionamento da demanda transexual de transgenitalização, que deverá ter como conseqüência, no caso da opção pela intervenção cirúrgica, do consentimento livre e esclarecido do(a) usuário(a).

A cirurgia de transgenitalização para construção do pênis são experimentais e têm sua viabilização condicionada a protocolos de pesquisa em hospitais universitários. As demais cirurgias transexualizadoras para homens transexuais (histerectomia e mastectomia) não encontram essa restrição.

Em caso de internação médico-hospitalar, o(a) transexual será internado(a) na enfermaria em conformidade ao sexo com o qual se identifica socialmente, a despeito do nome que conste no registro civil.

3.2.3. Atenção Continuada

O Processo Transexualizador no SUS apresenta situações que exigem a atenção continuada do usuário da saúde. A hormonioterapia requer o uso contínuo de hormônios por longos períodos detempo, por isso, há necessidade da assistência endocrinológica continuada. Os exames devem ser realizados com intervalo máximo de um ano, a fim de reduzir danos por efeitos colaterais do uso da medicação, e para viabilizar diagnósticos precoces em relação a câncer e baixa densiometria ósseos.

A transgenitalização implica na atenção pós-cirúrgica, que não restringe seu sentido à recuperação física do corpo cirurgiado, mas também à própria pesquisa dos efeitos da medida cirúrgica na qualidade de vida do(a) transexual cirurgiado(a). O acompanhamento pós-cirúrgico deve se estender por pelo menos dois anos após a ocorrência do procedimento. O tratamento psicológico e social se mantém como possibilidade a todo usuário que retorne ao SUS com demanda de psicoterapia ou de assistência social, mesmo havendo o paciente se desvinculado dos programas de atenção por tempo indeterminado.

3.3. Efeitos jurídicos da mudança de sexo

Na generalidade dos casos, os transexuais, sabedores da dificuldade de obter uma autorização judicial para mudar de sexo, preferem apresentar o fato consumado: realizam possivelmente no estrangeiro a operação e depois pedem retificação. Seja de forma autorizada no país, ou executada no estrangeiro, é certo que uma vez feita a operação haverá efeitos psicológicos, socioculturais e, claro, jurídicos.

O primeiro efeito que podemos perceber é a imediata vontade de mudança de nome, o qual compõe direito á identidade pessoal, direito de adaptar o nome á nova realidade do indivíduo, visto que o nome é forma como nos apresentamos socialmente. Justa mudança, pois assim evita-se que o mesmo sofra qualquer tipo de constrangimento por conter um nome incompatível com sua nova aparência física. Como dito anteriormente, no Brasil não há lei específica tratando do transexual, mas neste assunto especificamente, podemos analogamente usar a Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973) para defender tal questão, pois em seu artigo 55, §único, encontra-se regra em que faculta aos oficiais do registro civil a recusa ao registro de prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. O objetivo de tal norma é o de evitar constrangimento a qualquer cidadão e deve ser estendida aos transexuais, que não devem ser visto como motivo de chacota unicamente pela sua condição de transexual.

A diferença em questão é que tal alteração não constitui apenas uma correção de um nome e sim alteração do estado individual da pessoa de acordo com sua identidade sexual. A partir daí, surge uma determinada polêmica em que um grupo de pessoas mais conservadoras defende que nos documentos de identificação do indivíduo operado deva conter o termo “transexual”. Tal atitude violaria o direito à intimidade e privacidade do indivíduo, visto que sua situação não seria diferente, caso seu nome não fosse modificado, pois, estaria sujeito da mesma forma a situações constrangedoras e embaraçosas, se não, de próprio desprezo público. Já outros, a partir deste entendimento, defendem que a honra e a intimidade do transexual deve ser respeitada, defendem que o termo esteja contido apenas na certidão de nascimento, pois não é tão ostensivo quanto os documentos de identidade, e diria até, que necessário, para que não induza alguém a erro sobre tal pessoa.

Por fim, depois de feita a cirurgia, depois de adquirido o direito de mudança de nome, há de se reconhecer ao transexual o direito de constituir matrimônio com pessoa de sexo oposto (oposto ao sexo que possui depois da operação). Vale ressaltar que sua condição de transexual deve ser de conhecimento da pessoa com quem se pretende casar, caso contrário o matrimônio pode ser anulado, por constituir erro essencial de pessoa (1.556 e 1.557, I, do Código Civil).

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Sobre os autores
Adriano Marteleto Godinho

Professor Universitário. Mestre em Direito Civil pela UFMG e Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa. Advogado.

Juliane Hemann

Advogada. Bacharel em Direito da Universidade Federal da Paraíba.

Natasha de Lira Machado

Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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