Há pouco mais de cinqüenta anos, os doutrinadores passaram a preconizar a necessidade de uma maior proteção à intimidade e à vida privada.
As atrocidades perpetradas pelo nazismo contra a pessoa humana levaram os autores da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada em dezembro de 1948, a proteger a intimidade e a privacidade.
Os conceitos de intimidade e vida privada apresentam-se bastante similares, gerando em diversos doutrinadores a firme crença de tratar-se de institutos idênticos [1].
René Ariel Doti conceitua a intimidade como ‘’a esfera secreta da vida dos indivíduos na qual este tem o poder legal de evitar os demais" [2]. Esse entendimento também é compartilhado por Adriano De Cupis, para quem a intimidade seria o modo de ser da pessoa, "excluindo-se do conhecimento de outrem tudo aquilo que se refira à pessoa mesma". [3]
Tércio Sampaio Ferraz compreende a intimidade como o espaço que a pessoa reserva para si, sem repercussão social, não alcançando, nem mesmo, a sua vida privada; esta, por mais isolada que possa ser, será sempre, inevitavelmente, um viver entre outras pessoas. A intimidade pode ser exemplificada como o diário íntimo, o segredo sob juramento, aquelas situações indevassáveis de pudor pessoal, o segredo cuja publicidade, por menor que seja, constrange. A vida privada, em contrapartida, envolveria a proteção de formas exclusivas de convivência, em que as pessoas envolvidas comunicam-se, excluindo, em princípio, os terceiros.
O sigilo bancário, após a Constituição de 1988, passou a ser objeto de automático silogismo com as previsões constitucionais da intimidade e da vida privada (a doutrina e a jurisprudência pátrias as consideram como institutos similares), sujeitando-o, portanto, a reserva de jurisdição.
Esse entendimento leva, naturalmente, à conclusão de que o sigilo seria elevado ao patamar de verdadeira cláusula pétrea, o que dificultaria, sobremaneira, qualquer elaboração legislativa tendente a flexibilizá-lo [4].
Não obstante a posição acima seja a predominante no Brasil, há autores que a repudiam veementemente por entendê-la incompatível com as demais normas constitucionais, sobretudo aquelas de direito tributário.
Segundo os defensores da segunda corrente, o sigilo bancário seria, em verdade, uma decorrência natural da atividade comercial, tendo surgido muito antes da noção de personalidade, não constituindo-e em um direito inerente à ela, pois os dados financeiros exprimem tão somente valores patrimoniais do banco ou do cliente.
Apesar de vislumbrarmos no inciso X da Carta Maior uma regra protetiva de suma importância para o cidadão, entendemos que esse resguardo constitucional à privacidade se dirige somente à liberdade individual de ser, estar e agir, e ao campo da sua pessoalidade. Essa esfera agrega informações de interesse unicamente do seu titular ou de um grupo estreito, sendo absolutamente destituída de reflexos ou efeitos sociais, o que, sem dúvida, não ocorre com as informações bancárias, que atinem à propriedade do indivíduo [05].
Merece transcrição parte do voto da lavra do Ministro Francisco Rezek, que no julgamento do Mandado de Segurança n° 21.729- DF [06], de 05/10/95, ao analisar o sigilo bancário, assim dispôs, verbis:
"Parece-me, antes de qualquer outra coisa, que a questão jurídica trazida à corte neste mandado de segurança não tem estatura constitucional. Tudo quanto se estampa na própria Carta de 1988 são normas que abrem espaço ao tratamento de determinados temas pela legislação complementar. É neste terreno, pois, e não naquele da Constituição da República, que se consagra o instituto do sigilo bancário — do qual já se repetiu ad nauseam, neste país e noutros, que não tem caráter absoluto. Cuida-se de instituto que protege certo domínio — de resto nada transcendental, mas bastante prosaico — da vida das pessoas e das empresas, contra a curiosidade gratuita, acaso malévola, de outros particulares, e sempre até o exato ponto onde alguma forma de interesse público reclame sua justificada prevalência."
O artigo 5º, inciso XII, da Carta de 1988 dispõe ser inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. A inviolabilidade dos dados consagrada no referido artigo, segundo muitos doutrinadores, englobaria o direito ao sigilo bancário, também hospedado, para muitos, sob a rubrica "direito à intimidade e à vida privada".
Alexandre de Moraes ressalta que o preceito que garante o sigilo de dados englobaria o uso de informações decorrentes da informática, garantia que se tornou necessária em virtude da existência de uma nova forma de armazenamento e transmissão de informações, devendo, portanto, coadunar-se com as garantias de intimidade, honra e dignidade humanas, de forma que se impeçam interceptações ou divulgações por meios ilícitos [7].
Muitos autores sustentam que o sigilo bancário seria uma espécie do gênero "sigilo de dados" [8], não lhes parecendo lícita a edição de qualquer legislação tendente a admitir o seu disclosure, já que o artigo 5º da Lei Maior teria deixado à seara infraconstitucional apenas a regulamentação da interceptação das ligações telefônicas, proibindo, de forma absoluta, a quebra do sigilo de correspondências, das comunicações telegráficas e dos dados [9].
Esse entendimento, apesar de simplista e corriqueiro, levaria à absurda conclusão de que as correspondências e os dados teriam sido objeto de proteção mais reforçada do que a própria vida humana, já que, enquanto aquela seria absolutamente inviolável, o direito à vida poderia ser relativizado em situações excepcionais, como no caso de guerra, em que a Constituição prevê a possibilidade da aplicação da pena capital [10].
O mencionado dispositivo constitucional tem provocado enorme polêmica na doutrina e na jurisprudência pátrias, e o ponto nodal da questão refere-se à grafia do seu texto, mais precisamente a expressão "no último caso". Na opinião do eminente professor Tourinho Filho [11], a norma constitucional, ao tratar do tema, teria feito referência a apenas duas, e não a quatro hipóteses de inviolabilidade, como pode parecer à primeira vista. A aposição da vírgula entre as expressões "comunicações telegráficas" e "dados" revelaria a existência de dois casos apartados de inviolabilidade, a saber: I) correspondência e comunicações telegráficas; II) dados e comunicações telefônicas.
O professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior, analisando tal questão, pondera que, conquanto haja quem caminhe para uma interpretação literal [12] do texto, não parece razoável aceitá-la na sua inteira singeleza. Cumpre notar que dos quatro meios de comunicação ali mencionados, correspondência, telegrafia, dados e telefonia, só o último se caracteriza por sua instantaneidade, isto é, a comunicação telefônica só é "enquanto ocorre", não deixando vestígios de seu conteúdo quando se encerra, sendo possível apenas, a posteriori, verificar qual unidade telefônica ligou para outra. A interceptação da ligação telefônica por meio do "grampeamento", apesar de ser uma forma sub-reptícia de violação do direito ao sigilo de comunicação, constitui-se da única forma tecnicamente conhecida de preservação da ação comunicativa. Por isso, desde que presente o interesse público (investigação criminal ou instrução processual penal, segundo reza a Constituição Federal e a Lei nº 9.296, de 24.07.1996), afigurar-se-ia possível a realização de investigações com base em vestígios que essa comunicação deixa. As outras três modalidades comunicativas não sofreram nenhuma ressalva expressa porque apresenta-se possível realizar investigações e obter provas com base nos vestígios deixados por elas: a carta guardada, o testemunho de quem leu o nome do remetente e do destinatário, ou de quem viu a destruição do documento, o que se aplica, da mesma forma, para o telegrama, para o telex, para o fax ou para a recepção de uma mensagem de um computador para o outro.
Como isso é tecnicamente possível, o constituinte não permitiu, absolutamente, a interferência de terceiros no fluxo comunicativo, o que não induz, necessariamente, a que não se possa ter acesso, posteriormente, à identificação dos sujeitos e ao relato das mensagens publicadas sempre que o interesse público assim o exigir. A Carta Política veda a interceptação da correspondência, mas não a autorização judicial para a sua busca e apreensão antes da remessa ou após a chegada a seu destino. Ao se requerer ao magistrado o deferimento de ordem para acessar a movimentação bancária de terceiro, não se estará pedindo a interceptação das suas ordens ao banco, o que se constituiria em sigilo da comunicação, mas acesso aos próprios dados armazenados [13].
Caso prevalecesse a interpretação literal do dispositivo em questão, não apenas as operações bancárias, mas quaisquer informações, seriam indevassáveis [14], mesmo com ordem judicial [15]. Nessa despropositada linha de raciocínio, todo e qualquer dado, em qualquer meio ou veículo, estaria imune ao conhecimento alheio (do Fisco ou de quem quer que seja). Tratar-se-ia, por óbvio, de uma conclusão absurda, que deve ser afastada do palco dos debates. Uma das mais insólitas conseqüências dessa definição seria a impossibilidade de o Fisco conhecer de livros e documentos fiscais nos estabelecimentos dos contribuintes por estar transgredindo a suposta inviolabilidade dos dados, referidos genericamente pela norma, sem nenhuma restrição quanto à natureza, qualidade ou local de armazenamento [16].
Merece destacar que, em julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal, em que se discutia a constitucionalidade dos arquivos de consumo, aquele Tribunal admitiu que tais dados constituiriam-se em um instrumento "inextirpável da economia fundada nas relações massificadas de crédito". Ora, se tais bancos de dados podem ser acessados por empresas privadas que buscam proteger seus lucros, sem que se alegue o malferimento do artigo 5, inciso XII da Carta Política, maior razão existe para se conferir tal tratamento à Receita Federal, que necessita, com muito mais razão, das informações dos contribuintes para dar efetividade ao fundamental dever de pagar os tributos.
A questão nuclear refere-se ao fato de a quase- unanimidade da jurisprudência e grande parte da doutrina terem passado a entender, depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, que a limitação do acesso das autoridades fazendárias às movimentações financeiras e bancárias dos contribuintes configurar-se-ia em verdadeiro direito subjetivo fundamental, um limite quase intransponível para a Fazenda Pública, que necessitaria de prévia autorização judicial para obter as informações indispensáveis à sua atividade fiscalizadora [17].
Com a edição da Lei Complementar nº 105/2001 e do Decreto nº 3.724/2001, que a regulamentou, a relação Fisco/contribuinte ficou ainda mais desgastada —, eis que foi deferido ao primeiro, textualmente, o exame direto das informações bancárias do segundo, desde que fosse instaurado um processo administrativo ou houvesse um procedimento fiscal em curso [18], o que ensejou a propositura de cinco ações diretas de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal [19], sendo duas do Partido Social Liberal, duas da Confederação Nacional da Indústria e uma da Confederação Nacional do Comércio, em que se questionou a compatibilidade da mesma com o Estatuto Político da Nação.
O principal argumento expendido pelos autores, com a finalidade de comprovar a desarmonia entre as indigitadas normas e a Lei Maior, refere-se à suposta ausência das garantias processuais do contraditório e da ampla defesa no novo procedimento, o que violaria o preceituado no inciso LV do art. 5º da Carta Magna. Acrescentam os demandantes que, além de violar a intimidade e a vida privada, ambas preservadas no inciso X do art. 5º da CF, e retirar uma condição imprescindível da atividade bancária, que é a segurança na relação dos clientes com seu banco, a quebra do sigilo ainda atrapalharia o êxito da própria atividade bancária, afastando os correntistas das instituições.
Por derradeiro, informam que a possibilidade de acesso aos dados dos contribuintes sem a intervenção de um terceiro imparcial seria inaceitável e incompatível com o estado de direito em que vivemos [20]. A decisão de quebra da reserva deveria ser tomada por um terceiro, pessoa absolutamente alheia àquela discussão e que não tivesse nenhum tipo de interesse no desfecho da questão. Esse terceiro imparcial e desinteressado, ao receber o pedido de quebra de sigilo, analisaria os argumentos trazidos pelo Fisco, confrontá-los-ia com a defesa do contribuinte e, só após a realização do contraditório, proferiria sua decisão.
Ainda que se admitisse a concessão de liminar inaudita altera parte, sem a defesa prévia do contribuinte, a decisão guardaria maior consonância com a ordem jurídica, porque proferida por um terceiro, alheio à controvérsia.
A alegada inobservância do devido processo legal, tão destacada pelos críticos para fundamentar a suposta inconstitucionalidade da lei em comento, tem sido veementemente rebatida por parte da doutrina, que sustenta não haver qualquer malferimento a esse princípio, já que, para a quebra se faz necessária a instauração de processo administrativo ou a existência de procedimento fiscal em curso, requerido de forma fundamentada. Acrescente-se que a Lei Complementar nº 105/2001 define todas as hipóteses de exceção ao dever de sigilo, disciplinando o Decreto nº 3.724/2001, detalhadamente, o rito a ser seguido pela Autoridade Administrativa, estando, portanto, perfeitamente resguardado o devido processo legal, com a observância pela Administração Tributária do iter especificado na norma [21].
A mencionada Lei Complementar e seu Decreto regulamentador elencam taxativamente as hipóteses de disclosure das informações [22], não se deferindo ao Fiscal da Receita nenhuma "carta branca" ou liberdade plena para a escolha do contribuinte cuja vida bancária será devassada, como pregam alguns críticos da lei. Registre-se que, para a instauração do processo tributário, é indispensável haver a fundamentação do ato pela autoridade fiscal, além de todas as informações dos contribuintes serem mantidas no mais absoluto sigilo fiscal. Ademais, o decreto regulamentador prevê, ainda, a possibilidade de o particular que se sentir prejudicado por um inadequado procedimento denunciar administrativamente o agente fiscal, que será punido, além de ser sempre possível o recurso ao Poder Judiciário.
Ora, se a Lei Maior elencou a finalidade da Administração Tributária, qual seja, a arrecadação para atender aos encargos estatais, respeitados, indeclinavelmente, os princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva, por óbvio, também conferiu a ela os meios para conferir efetividade a tal missão, deferindo aos seus agentes um amplo poder fiscalizatório [23].
Aplica-se in casu, sem dúvida, o princípio dos poderes implícitos, segundo o qual, se a Lei Maior elencou os fins, logicamente forneceu os meios para que fossem eles atingidos [24].
Merece grifar, também, que não possuem os contribuintes o direito subjetivo de sonegar ao Fisco as informações acerca de seu patrimônio, seus rendimentos e suas operações financeiras, já que tal procedimento constitui crime no Brasil [25].
Não tivesse a Administração essa possibilidade de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas dos cidadãos que praticam os fatos geradores de tributos, e não poderia tributar a não ser na medida em que eles espontaneamente declarassem ao Fisco os fatos tributáveis [26]. Nos casos como tais, o tributo deixaria de ser uma prestação pecuniária compulsória, para se tornar uma prestação voluntária, ou seja, uma simples colaboração do contribuinte prestada ao Tesouro [27].
Ora, um país como o nosso, em que a Lei Maior conferiu inúmeros direitos sociais aos cidadãos e elencou diversas atividades a serem desempenhadas pelo Estado, logicamente necessita de fundos para fazer frente às grandes despesas que isso gera, tornando-se necessário, então, o reconhecimento do fundamental dever de pagar tributos [28].
Demonstra-se absolutamente indispensável à atividade fiscalizadora da Administração Tributária o acesso às informações bancárias dos contribuintes, já que a formalização do ato de lançamento, nos termos do artigo 142 do Código Tributário Nacional, Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, é o resultado do exercício do poder-dever do Fisco de investigar e apurar a ocorrência do fato gerador da obrigação, determinando o que deverá ser tributado, calculando o montante de tributo devido, identificando o sujeito passivo e, sendo o caso, aplicando, também, a penalidade cabível.
Merecem ser relembradas as palavras de Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho, para quem a Administração Tributária não deve e nem tem interesse em tomar conhecimento de detalhes das movimentações bancárias dos clientes das instituições financeiras, ou seja, saber quem recebeu de quem ou quem pagou a quem. Interessa apenas saber o total depositado nas contas bancárias, para verificar se o que foi declarado, para fins do Imposto de Renda, por exemplo, por força de lei e sujeito às penas da Lei 8.137, de 1990 (que define crimes contra a ordem tributária), está ou não conciliável com o que se encontra, realmente, depositado [29].
Para que possam cumprir fielmente essa tarefa, as autoridades fiscais precisam deter poderes, sendo-lhes facultado o exame de quaisquer livros, registros ou documentos referentes a operações ou transações que possam implicar a ocorrência de fatos que estejam submetidos à incidência tributária, não lhes sendo aplicáveis quaisquer restrições impeditivas do exercício das suas atividades, inclusive aquelas constantes das leis comerciais.
Portanto, o pedido de informações às instituições financeiras acerca das movimentações dos contribuintes, denominado de "quebra de sigilo bancário", caracteriza-se, em verdade, como um ato de ofício, uma mera medida administrativa, inerente ao próprio procedimento fiscalizatório. Ele visa cumprir o princípio da capacidade contributiva e atingir o interesse público, exteriorizado através do poder-dever da Administração Tributária de apurar a ocorrência dos fatos geradores, com vistas a tornar eficaz a respectiva atividade fiscalizadora [30].
Aliás, a importância de se conferir maior eficiência aos meios de fiscalização tributária ganha relevo em face da atual economia globalizada, bem como diante do crescente incremento do comércio virtual, que representa uma dificuldade adicional na constatação, pelos agentes da Administração, da ocorrência dos fatos geradores das obrigações tributárias [31].
Para efetuar a contento a fiscalização tributária, aplicando-se na maior extensão possível o princípio da justiça fiscal [32], a autoridade deve utilizar-se dos meios necessários ao cumprimento de suas funções. A investigação constitui-se em uma premissa da ação fiscal, uma fase procedimental preliminar que encontra seu fundamento na própria Constituição Federal. Tal investigação é um momento anterior ao lançamento tributário em que são verificadas as informações prestadas espontaneamente pelos contribuintes ao Fisco, e onde se buscam subsídios para apurar irregularidades, formando um conjunto de provas necessárias à elucidação e demonstração da prática de enriquecimentos ilícitos, sonegações, infrações ou crimes tributários.
Registre-se que o direito ao segredo bancário é relativo [33], não ostentando um status supremo, como pretendem fazer crer alguns doutrinadores. Em verdade, o que a lei procura vedar é a revelação ilegal e irresponsável, ou ainda a que tenha por móvel a simples leviandade, a jactância, a maldade [34].
As premissas que levaram alguns doutrinadores ao entendimento de que os demonstrativos bancários seriam retratos da intimidade são bastante questionáveis, já que não há nenhuma referência expressa ao instituto do sigilo bancário no Texto Constitucional, sendo sua subsunção ao direito à intimidade um mero silogismo emanado de alguns intérpretes.
Por derradeiro, destaca-se uma passagem do lapidar voto do Ministro Francisco Rezek, proferida no Mandado de Segurança [35] que assim dispõe, verbis:
Ora, se a Lei Maior elencou a finalidade da Administração Tributária, qual seja, a arrecadação para atender aos encargos estatais, respeitados, indeclinavelmente, os princípios da pessoalidade e da capacidade contributiva, por óbvio, também conferiu a ela os meios para conferir efetividade a tal missão, deferindo aos seus agentes um amplo poder fiscalizatório [23].
Aplica-se in casu, sem dúvida, o princípio dos poderes implícitos, segundo o qual, se a Lei Maior elencou os fins, logicamente forneceu os meios para que fossem eles atingidos [24].
Merece grifar, também, que não possuem os contribuintes o direito subjetivo de sonegar ao Fisco as informações acerca de seu patrimônio, seus rendimentos e suas operações financeiras, já que tal procedimento constitui crime no Brasil [25].
Não tivesse a Administração essa possibilidade de identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas dos cidadãos que praticam os fatos geradores de tributos, e não poderia tributar a não ser na medida em que eles espontaneamente declarassem ao Fisco os fatos tributáveis [26]. Nos casos como tais, o tributo deixaria de ser uma prestação pecuniária compulsória, para se tornar uma prestação voluntária, ou seja, uma simples colaboração do contribuinte prestada ao Tesouro [27].
Ora, um país como o nosso, em que a Lei Maior conferiu inúmeros direitos sociais aos cidadãos e elencou diversas atividades a serem desempenhadas pelo Estado, logicamente necessita de fundos para fazer frente às grandes despesas que isso gera, tornando-se necessário, então, o reconhecimento do fundamental dever de pagar tributos [28].
Demonstra-se absolutamente indispensável à atividade fiscalizadora da Administração Tributária o acesso às informações bancárias dos contribuintes, já que a formalização do ato de lançamento, nos termos do artigo 142 do Código Tributário Nacional, Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, é o resultado do exercício do poder-dever do Fisco de investigar e apurar a ocorrência do fato gerador da obrigação, determinando o que deverá ser tributado, calculando o montante de tributo devido, identificando o sujeito passivo e, sendo o caso, aplicando, também, a penalidade cabível.
Merecem ser relembradas as palavras de Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho, para quem a Administração Tributária não deve e nem tem interesse em tomar conhecimento de detalhes das movimentações bancárias dos clientes das instituições financeiras, ou seja, saber quem recebeu de quem ou quem pagou a quem. Interessa apenas saber o total depositado nas contas bancárias, para verificar se o que foi declarado, para fins do Imposto de Renda, por exemplo, por força de lei e sujeito às penas da Lei 8.137, de 1990 (que define crimes contra a ordem tributária), está ou não conciliável com o que se encontra, realmente, depositado [29].
Para que possam cumprir fielmente essa tarefa, as autoridades fiscais precisam deter poderes, sendo-lhes facultado o exame de quaisquer livros, registros ou documentos referentes a operações ou transações que possam implicar a ocorrência de fatos que estejam submetidos à incidência tributária, não lhes sendo aplicáveis quaisquer restrições impeditivas do exercício das suas atividades, inclusive aquelas constantes das leis comerciais.
Portanto, o pedido de informações às instituições financeiras acerca das movimentações dos contribuintes, denominado de "quebra de sigilo bancário", caracteriza-se, em verdade, como um ato de ofício, uma mera medida administrativa, inerente ao próprio procedimento fiscalizatório. Ele visa cumprir o princípio da capacidade contributiva e atingir o interesse público, exteriorizado através do poder-dever da Administração Tributária de apurar a ocorrência dos fatos geradores, com vistas a tornar eficaz a respectiva atividade fiscalizadora [30].
Aliás, a importância de se conferir maior eficiência aos meios de fiscalização tributária ganha relevo em face da atual economia globalizada, bem como diante do crescente incremento do comércio virtual, que representa uma dificuldade adicional na constatação, pelos agentes da Administração, da ocorrência dos fatos geradores das obrigações tributárias [31].
Para efetuar a contento a fiscalização tributária, aplicando-se na maior extensão possível o princípio da justiça fiscal [32], a autoridade deve utilizar-se dos meios necessários ao cumprimento de suas funções. A investigação constitui-se em uma premissa da ação fiscal, uma fase procedimental preliminar que encontra seu fundamento na própria Constituição Federal. Tal investigação é um momento anterior ao lançamento tributário em que são verificadas as informações prestadas espontaneamente pelos contribuintes ao Fisco, e onde se buscam subsídios para apurar irregularidades, formando um conjunto de provas necessárias à elucidação e demonstração da prática de enriquecimentos ilícitos, sonegações, infrações ou crimes tributários.
Registre-se que o direito ao segredo bancário é relativo [33], não ostentando um status supremo, como pretendem fazer crer alguns doutrinadores. Em verdade, o que a lei procura vedar é a revelação ilegal e irresponsável, ou ainda a que tenha por móvel a simples leviandade, a jactância, a maldade [34].
As premissas que levaram alguns doutrinadores ao entendimento de que os demonstrativos bancários seriam retratos da intimidade são bastante questionáveis, já que não há nenhuma referência expressa ao instituto do sigilo bancário no Texto Constitucional, sendo sua subsunção ao direito à intimidade um mero silogismo emanado de alguns intérpretes.
Por derradeiro, destaca-se uma passagem do lapidar voto do Ministro Francisco Rezek, proferida no Mandado de Segurança [35] que assim dispõe, verbis:
"Não sei a que espécie de interesse serviria a mística do sigilo bancário, a menos que se presumam falsos os dados em registro numa dessas duas órbitas (tributária e bancária), ou em ambas, e por isso não coincidentes o cadastro fiscal e o cadastro bancário das pessoas e empresas."
Observe-se que a Constituição Federal, em diversas situações, faz, ela própria, o sopesamento dos valores albergados em seu corpo [36]. O artigo 5º, inciso XII, consagra o princípio da inviolabilidade das comunicações, mas pondera que, em casos de investigação criminal ou instrução processual, ela poderá sofrer restrições, nos termos do que a lei dispuser. O artigo 139, inciso III, da mesma Carta refere-se ao amainamento dessa garantia também na vigência do estado de defesa, podendo, nessa ocasião, ser suspenso, circunstancialmente, o sigilo das correspondências e das comunicações.
Isso demonstra que, quando a Lei Maior acolhe interesses aparentemente distintos, não fazendo ela própria a ponderação, o princípio da proporcionalidade impõe ao hermeneuta que assim proceda, compatibilizando esses valores em conflito, com a finalidade de atingir o interesse maior.
Entendemos que a autoridade fiscal, embora possa escolher os meios investigatórios para alcançar sua finalidade, deverá ter sempre como bússola a guiá-la os direitos e as garantias fundamentais. Ressalte-se, entretanto, que tais direitos não podem transmudar-se em escudo que impeça ou dificulte a tributação legalmente assegurada.