Acordo de acionistas

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30/01/2019 às 20:06

Resumo:


  • O Acordo de Acionistas é um contrato que regula os interesses dos acionistas de uma companhia, estabelecendo regras sobre o exercício de direitos políticos e patrimoniais.

  • Os acordos podem incluir cláusulas de voto, bloqueio de ações e objetivos comuns, como a formação de bloco de controle ou proteção de minoritários.

  • A eficácia do acordo depende de seu arquivamento na sede da companhia e pode ser oponível a terceiros, sendo extinto pelos modos comuns de extinção de contratos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O Acordo de Acionistas (“Acordo”) é instrumento jurídico que possibilita a convergência dos interesses e o exercício dos direitos dos acionistas. Saiba mais.

I – CONCEITO

O Acordo de Acionistas (“Acordo”) é um instrumento jurídico que possibilita a convergência dos interesses dos acionistas de uma Sociedade Anônima Aberta ou Fechada (“Companhia ou Sociedade”), no sentido de possibilitar o exercício dos direitos provenientes da condição de acionista, especialmente aqueles relacionados aos seus direitos políticos perante a Companhia e patrimoniais sobre suas ações, como explicou Carolina Pestanha Haddad(Acordo de acionistas: aspectos práticos e teóricos, Ius Navigandi). 

As principais características do Acordo, incluindo objeto e os seus efeitos perante as partes contratantes, terceiros e a Companhia, estão disciplinadas no artigo 118, da Lei 6.404/76.

Além  dos acionistas de uma Companhia, também podem figurar como partes signatárias de um acordo grandes grupos econômicos, que, muitas vezes, são concorrentes, cuja principal meta é atingir objetivos empresariais comuns.

Destaca-se a figura do private equity, que é predominantemente formado por grupos econômicos que investem capital em empresas com grande potencial de crescimento. O objetivo central destes grupos é a obtenção de ganhos financeiros a médio e longo prazo, por meio da implementação de estratégias e modelos de gestão que se alinhem aos interesses e perspectivas do investidor, como ainda lembrou Carolina Pestana Haddad(obra citada). 

Em que pese a posição de acionista minoritário do investidor na empresa, o que ocorre na maioria dos casos de private equity, como uma das condições para a realização do aporte do investimento, é a celebração de um acordo entre todos os acionistas da Companhia, incluindo o Controlador.

O Acordo trata-se de um contrato atípico, de organização, consensual, plurilateral, acessório, intuitu personae, que pode ser celebrado por prazo determinado ou indeterminado.

Como aduziu Fábio Konder Comparato(Ensaios e pareceres de direito empresarial, 1978, pág. 59), o caráter normativamente superior do estatuto, em relação ao acordo de acionistas, marca-se pelo fato de que aquele é parte integrante essencial do ato constitutivo da companhia, sendo publicado pelo arquivamento no Registro de Comércio como condição de eficácia perante terceiros; portanto, externa corporis. Jà o acordo de acionistas aparece como convenção complementar e contingente, vinculando os seus signatários como partes e (desde que arquivado na sede da companhia) também a sociedade, mas esta como terceiro. A sua eficácia é, pois, exclusivamente interna corporis. 

Jà no regime jurídico anterior, sob o Decreto nº 2.627, de 1.940, a generalidade dos autores prununciava-se contra a possibilidade jurídica de se aumentar, nos estatutos, o regime da maioria fixada em lei, como se lê de Miranda Valverde(Sociedade por Ações, 3º ed. II, n. 452 bis; Pontes de Miranda(Tratado de Direito Privado, 3ª edição, titulo I, § 5.322); Cunha Peixoto(Sociedades por Ações, voume 3, n. 725). Admitida essa opinião, devia-se reconhecer como ilícita, por via de consequência, a exacerbação do quorum deliberante por meio de acordos de acionistas, a latere dos estatutos. 

Nos Estados Unidos, principiaram por julgar ilícita a fixação nos by-laws ou shareholders-agreement da exigência de votação unânime em assembleias gerais ou reuniões de diretoria. O leading case foi  Benintendi v. Kenton Hotel, julgado pela Court of Appeals of New York em 1.945. 

Observe-se que, no direito empresarial americano, charter e by-lawes apresentaram-se em posição análoga a de estatutos e acordos de acionistas nos sistemas de família romano-germânica. Como disse o  professor Cary, os by-laws "não se superpõem as disposições das leis acionárias ou dos estatutos da companhia, disposições essas que devem prevalecer em qualquer transação a qual os by-laws se apliquem. No entanto, eles recobrem assuntos omitidos na lei ou nos estatutos, e estabelecem um quadro estrutural ou uma orientação para o desenvolvimento dos negócios(Cases and Materials on Corporations, 4ª edição, pág. 42). 

A classificação do acordo de acionistas pode ser dividida diante  de alguns critérios, os quais passaremos a analisar a seguir, como bem disse Carolina Pestana Haddad(Acordo de acionistas: aspectos práticos e teóricos, in Ius Navigandi).

“Quanto às finalidades:

a) Acordo de Comando, cujo objetivo é a formação de um bloco de controle; contém cláusulas a respeito de alterações estatutárias, aumento de capital social, etc.;

b) Acordo de Defesa, em que há proteção aos sócios minoritários, no sentido de protegê-los contra os abusos que o bloco de controle possa cometer, como por exemplo, abuso do direito de voto, além de fiscalizar os atos e negócios jurídicos praticados pelos administradores da Companhia;

c) Acordo de Entendimento Mútuo, o qual une as forças dos controladores e minoritários em prol de interesses comuns e tem por objeto uniformizar os votos em reuniões e assembleias, evitando assim eventuais discordâncias entre os acionistas.

Quanto ao conteúdo:

a) Acordo de Voto, em que os signatários devem exercer o direito de voto de acordo com o estabelecido no Acordo;

b) Acordo de Bloqueio, cujo objetivo central é evitar mudanças na composição societária da Companhia, utilizando, para tanto, cláusulas sobre a cessão de ações e direito de preferencia na subscrição de ações de acionista retirante, dentre outras;

c) Acordo Múltiplo, o qual aborda matérias de interesse pessoal e societário, dentre os quais se destacam a participação societária que cada acionista subscreverá na constituição da Companhia, os direitos dos minoritários e a forma de eleição dos administradores.

Quanto aos efeitos:

a) Unilateral, em que há assunção de obrigações para apenas uma das partes;

b) Bilateral, o qual gera obrigações para ambas as partes;

c) Plurilateral, cujo principal escopo é proteger um grupo de acionistas, que pode ser composto por minoritários ou controladores.

Com o intuito de aprofundarmos mais o estudo sobre a classificação dos Acordos de Acionistas quanto à sua finalidade, passemos a explorar minuciosamente as características e peculiaridades das três espécies de Acordo constantes nesta classificação.

A primeira espécie de Acordo está relacionada à formação do bloco de controle, também denominado acordo de controle. De acordo com Modesto Carvalhosa, este Acordo institui o regime de pooling agreement no Direito Brasileiro, o qual é consagrado há mais de um século pela doutrina e jurisprudência norte-americanas.

Adicionalmente, essa modalidade de Acordo objetiva o exercício do controle societário por meio da realização de uma reunião prévia a cada deliberação atribuída aos órgãos da Companhia, tais como, Conselho de Administração, Diretoria e Assembleia Geral.

Ressalta-se que a reunião prévia terá por escopo o direcionamento dos votos da maioria absoluta dos acionistas, os quais serão proferidos em sede de Assembleia Geral. No tocante às outras matérias, este direcionamento será dirigido aos votos dos conselheiros e diretores representantes dos acionistas signatários nas reuniões do Conselho de Administração e da Diretoria.

Importante destacar que os administradores eleitos pelos controladores estão vinculados às deliberações sobre matérias relevantes ou extraordinárias por eles decididas na reunião prévia, consoante parágrafos oitavo e nono do artigo 118 da LSA.

Passemos a analisar as peculiaridades da segunda espécie, o Acordo de voto minoritário, em que podem figurar como partes tanto os acionistas minoritários, como os preferencialistas.

Este acordo não pode ter por objeto matérias que transcendam a competência dos órgãos de gestão, o que afasta a possibilidade deste acordo atribuir diretrizes aos administradores da Companhia, até mesmo à minoria eleita no bojo deste acordo.

Podem, portanto, ser objeto do Acordo de voto minoritário incluindo, mas não se limitando, as matérias relacionadas ao exercício ou renúncia de direitos individuais disponíveis e à suspensão do exercício de preferência na subscrição de ações em aumento de capital social.

Por fim, os acordos de bloqueios objetivam disciplinar a compra e venda, bem como a preferência na aquisição de ações e de títulos ou direitos conversíveis em ações.

Entenda-se por compra e venda de ações qualquer ato que implicar na transferência de propriedade das ações, tal como troca, doação e a subscrição com a conferência de bens ao capital social.

Ainda, sublinha-se a figura do tag along, também conhecida como pacto de venda conjunta, cuja previsão está expressa no artigo 118 da LSA. O tag along prevê o direito de, no caso de venda das ações detidas por um ou mais signatários do Acordo, os demais contratantes vender suas ações em conjunto com aqueles.

Em contrapartida ao instituto mencionado acima, existe o drag along, também definido como pacto de compra conjunta, em que no caso do controlador receber uma proposta de aquisição do controle, este poderá exigir que os minoritários signatários do acordo também vendam as suas ações, pelo preço da oferta aceita pelo controlador”.


II – ACIONISTA CONTROLADOR

O conceito de acionista controlador é dado pela lei das Sociedades Anônimas,  no artigo 116,  que estabelece três condições para configurá-lo, a saber:

“a) é titular de direito que lhe assegure, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o pode de eleger a maioria dos administradores da companhia. b) usa efetivamente seu poder (para Rubens Requião, trata-se de bem imaterial) para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia”

O acordante obriga-se a dar preferência aos demais acordantes caso pretenda vender as ações e também o direito de subscrição em aumento de capital caso não o exerça.  

Quanto à extensão do objeto dos acordos tem-se;

  • Reinvestimentos de lucros e distribuição de dividendos; políticas de investimento da sociedade;
  • Concessão ou outorga de garantia de qualquer natureza mediante oneração de bens societários.
  • Votar na eleição dos Membros de Conselho de Administração segundo dispõe o contrato.

A lei assegura a outro acordante o direito de votar com as ações do ausente ou omisso (parag. 9º do art. 118 da lei S/A).


III – A SINDICAÇÃO DE AÇÕES; A QUESTÃO CRIMINAL  

É importante discutir, dentro do acordo de acionistas, a questão da sindicação de ações.

Bem disse Rubens Requião(Curso de direito comercial, 2º volume, 27º edição, pág. 194) que considera-se imoral o negócio feito com a disposição do voto, tanto que é capitulado como crime o ato do acionista que, para obter vantagem para ou para outrem, negociar o voto nas deliberações das assembleias gerais(órgão social supremo da sociedade anônima é a assembleia geral, vez que tem em si o cerne de todo o poder social e, por sua vez, pode ser definida, como o conjunto de acionistas reunidos, mediante convocação e instalação realizadas de acordo com a Lei das S. A e o estatuto, para deliberar sobre matéria de interesse social, como se vê à luz do artigo 121 da Lei 6.404/76).

O preceito em discussão consta no artigo 177, § 2º, do Código Penal, onde se dita:

Art. 177 - Promover a fundação de sociedade por ações, fazendo, em prospecto ou em comunicação ao público ou à assembleia, afirmação falsa sobre a constituição da sociedade, ou ocultando fraudulentamente fato a ela relativo:

§ 2º - Incorre na pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa, o acionista que, a fim de obter vantagem para si ou para outrem, negocia o voto nas deliberações de assembléia geral.

Emissão irregular de conhecimento de depósito ou "warrant"

Pune-se a negociação(compra ou venda) de voto nas deliberações de assembleia geral. É lícito, porém, o acordo de acionistas, previsto na Lei 6.404/76, o que levou Magalhães Noronha(Direito Penal) a considerar derrogado este parágrafo segundo do artigo 177 do Código Penal.

Disse Magalhães Noronha(Direito Penal, volume II, 12ª edição, pág. 490 e 491), estudando a matéria sob o bojo do Decreto-lei 2.627, de 1940: : “O objetivo da lei é punir o acionista – o sujeito ativo do crime – que negocia o voto nas deliberações da assembleia-geral. Como vemos, a lei usa o verbo negociar, que exprime a ação material ou física do delito, e não há como deixar de aceitar que com ele se abrangem os dois atos: o de vender e o de comprar. Tanto negocia o voto o que compra, como o que vende, podendo, em qualquer caso, buscar-se vantagem para si ou para outrem.”

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Disse ainda Magalhães Noronha:  

“ A compra do voto pode dar-se por várias razões, máxime quando está o acionista impedido de votar, como reza o artigo 82 da citada lei: “O acionista não pode votar nas deliberações da assembleia geral, relativas ao laudo da avaliação dos bens com que concorrer para a formação do capital social, nem nas que venham beneficiá-lo de modo particular”. Estão aí configurados dois casos em que o acionista pode ser impedido à negociação do voto: um específico – a avaliação de seus bens com que entra para o capital social; outro genérico, quando se trata de deliberação que condiz aos seus interesses, que o beneficie. Impedido de votar, será o acionista inescrupuloso levado a comprar votos, procurando, assim, vantagem sua. Mas pode a compra ou a venda ter por fim promover vantagem a outrem, sendo que na venda, o vendedor promove vantagem de outra pessoa – o comprador”.

De toda sorte, trata-se de crime doloso(dolo específico).

Trata-se de crime próprio quanto ao sujeito, doloso, subsidiário e formal.

É crime de ação penal incondicionada.

O acordo de acionistas, visando à defesa de seus interesses comuns e legítimos, nos quais pactuam votar no mesmo sentido(sindicação de ações), no entendimento de Rubens Requião(obra citada, pág. 194), não configura delito. A vantagem ilícita que a lei brasileira pretende coibir consiste no proveito, em detrimento da sociedade ou de outrem, que o acerto entre os acionistas possa acarretar.

O acordo de acionistas, consoante a redação do artigo 118, que foi introduzido pela Lei 10.303/2001, pode regular atos relativos à compra e venda de ações, preferências para adquiri-las, exercício de direito de voto ou de poder de controle(como disse Fábio Konder Comparato, Direito Empresarial, 1º edição, pág. 288, o denominado controle externo nada mais é do que uma modalidade específica de controle, participando integralmente de sua essência genérica. É o poder de comandar uma sociedade e, através dela, uma empresa, sem que o controlador esteja inserido na estrutura jurídica da sociedade controlada. Esse poder é exercido sem título, ou melhor, com fundamento em título jurídico que não visa, explicitamente, à dominação da sociedade controlada. É por isso que se fala em “poder de fato”. Geralmente, a posição na qual se apoia o controlador externo, para exercer sua dominação, é contratual). É arquivado pela companhia e deve ser por ela observado.  

O pacto entre os acionistas, portanto, era considerado apenas uma relação obrigacional, particular. Não se estendia à sociedade.

O acordo de acionistas pode incluir certas estipulações, como o bloqueio de ações. Consiste o bloqueio numa obrigação do acionista de não transferir suas ações sem a concordância dos demais acionistas, ou sem antes oferece-las preferentemente. É uma cláusula acessória do acordo.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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