No dia 18 de janeiro de 2019 foi publicada a Medida Provisória nº 871/2019, que entrou em vigor na mesma data (na maior parte de suas regras) e modifica vários dispositivos das Leis nº 8.212/91 e 8.213/91, que tratam do custeio e dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Prosseguindo na análise da MP 871/2019, este artigo analisa as alterações sobre o benefício de salário-maternidade, especialmente na criação de um prazo de decadência para o exercício do direito.
Salário-Maternidade: aspectos básicos
O salário-maternidade é o benefício previdenciário pago à segurada gestante ou adotante durante o período de afastamento de suas atividades, previsto nos arts. 71/73 da Lei nº 8.213/91, e regulamentado pelos arts. 93/103 do Decreto nº 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social – RPS).
O benefício tutela, mais propriamente, uma contingência social (fato que gera uma sobrecarga econômica para a pessoa e seu núcleo familiar), considerando que a maternidade não pode ser considerada como sendo um risco social (que contém um conteúdo de prejudicialidade, de fato que impede o desempenho das atividades laborativas).
O salário-maternidade possui três requisitos: (a) qualidade de segurada; (b) fato gerador, consistente no parto, abortamento não criminoso, guarda ou adoção; (c) e carência (exigida para algumas seguradas).
A qualidade de segurada significa que a beneficiária deve, na data de ocorrência do fato gerador: (a) ser filiada ao RGPS, em qualquer uma das modalidades de segurada (empregada, empregada doméstica, contribuinte individual, trabalhadora avulsa, segurada especial ou segurada facultativa – art. 11 da Lei nº 8.213/91 e art. 9º do Decreto nº 3.048/99); (b) ou estar no período de graça (art. 15 da Lei nº 8.213/91 e art. 13 do Decreto nº 3.048/99), ainda que não esteja exercendo atividade laborativa ou recolhendo contribuições como segurada facultativa. Ainda, o benefício é devido a apenas uma segurada, sendo vedada a concessão a mais de uma pessoa em virtude do mesmo fato gerador (conforme prevê o art. 71-A, § 2º, da Lei nº 8.213/91).
Três situações podem ensejar a concessão do salário-maternidade: o parto, o abortamento (não criminoso) e a adoção (ou a guarda judicial com o objetivo de adoção).
O parto é o principal fato gerador do benefício e, levando em consideração que seu início é anterior ao parto, o requerimento administrativo deve ser instruído com atestados e exames médicos que demonstrem a condição de gestante. Havendo abortamento, e desde que não seja criminoso (comprovado por meio de atestado médico), a segurada tem direito ao salário-maternidade correspondente a duas semanas (art. 93, § 5º, do Decreto nº 3.048/99). O salário-maternidade é igualmente devido à segurada que adotar criança, assegurando o seu afastamento e concretizando o art. 201, II, da Constituição, que protege não somente a gestante, mas, genericamente, a maternidade (biológica ou não).
O salário-maternidade é um benefício de carência híbrida, porque exige o cumprimento da carência para algumas classes de seguradas, mas a dispensa para as demais. De um lado, não há exigência de carência para as seguradas empregada, empregada doméstica e trabalhadora avulsa (art. 26, VI, da Lei nº 8.213/91, e art. 30, II, do Decreto nº 3.048/99). Logo, para a concessão do benefício, basta que tenham recolhido apenas uma contribuição, e mantenham a qualidade de segurada na data do parto ou da adoção. De outro lado, para as seguradas especial, facultativa e contribuinte individual é exigida a carência mínima de 10 contribuições (art. 25, III, da Lei nº 8.213/91, e art. 29, III, do Decreto nº 3.048/99).
A duração do benefício é de 120 dias, iniciando-se (em regra) nos 28 dias anteriores ao parto, somando-se o dia deste, e mais os 91 dias posteriores (art. 71 da Lei nº 8.213/91, e art. 93 do Decreto nº 3.048/99). Mesmo que o parto seja antecipado, assegura-se a concessão durante o período de 120 dias (art. 93, § 4º, do Decreto nº 3.048/99). Assim, por exemplo, se o parto ocorrer no 25º dia de recebimento do benefício, o salário-maternidade será pago nos 95 dias seguintes. Excepcionalmente, o prazo de repouso, antes ou depois do parto, pode ser acrescido de duas semanas, por meio de atestado médico específico (art. 93, § 3º, do Decreto nº 3.048/99). Não se confundem o prazo de 120 dias para o benefício previdenciário de salário-maternidade com o intervalo prorrogado de 6 meses para o direito trabalhista de licença-maternidade (art. 392 da CLT).
Salário-maternidade e prazo de decadência
A Medida Provisória nº 871/2019 inseriu o art. 71-D na Lei nº 8.213/91, com a seguinte redação:
“Art. 71-D. O direito ao salário-maternidade decairá se não for requerido em até cento e oitenta dias da ocorrência do parto ou da adoção, exceto na ocorrência de motivo de força maior e ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento”.
Portanto, passa a haver um prazo específico de decadência para este benefício, razão pela qual a segurada deve requerer a concessão do salário-maternidade no prazo máximo de 180 dias, sob pena de perda do direito.
Contudo, não se pode confundir. este prazo inicial para o pedido administrativo de concessão do benefício previdenciário, que é contado a partir da ocorrência do fato gerador (parto ou adoção), com o prazo decadencial de 10 anos previsto no art. 103 da Lei nº 8.213/91 para a revisão do ato administrativo (de concessão, indeferimento, modificação, cancelamento ou cessação do benefício) praticado pelo INSS.
Ademais, a nova regra legal contraria o precedente elaborado pelo Supremo Tribunal Federal no Tema nº 313 de sua Repercussão Geral:
“I – Inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário;
II – Aplica-se o prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefícios concedidos, inclusive os anteriores ao advento da Medida Provisória 1.523/1997, hipótese em que a contagem do prazo deve iniciar-se em 1º de agosto de 1997”.
O STF declarou a existência de um direito fundamental à Previdência Social, que não pode ter o seu exercício impedido pelo decurso do tempo. Em conseqüência, não pode haver a fixação de prazo decadencial como forma de impedir o segurado (ou o seu dependente) de pleitear a concessão de um benefício da Previdência Social.
Logo, a nova regra do art. art. 71-D da Lei nº 8.213/91 deverá gerar controvérsia nos processos judiciais, por contrariar o precedente do STF, que, de acordo com o art. 927, III, do Código de Processo Civil, tem eficácia vinculante.