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O controle dos mandatos populares pelo Legislativo no Direito brasileiro.

O instituto do "recall" e dos referendos revogatórios

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26/08/2005 às 00:00
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O Brasil discute o recall

A adoção recall no ordenamento jurídico brasileiro, recentemente foi defendida pelo candidato presidencial Ciro Gomes, no pleito de 2002, no programa de Governo do PPS. De igual forma, o Juiz Walter Mayerovich também propôs a adoção do instituto, que agora ganha corpo com a rediscussão mais ampla da reforma política. O plebiscito e o referendo, previstos pelo Art. 14 da CF são ainda restritos, prevendo-se sua ampliação por força do PL n. 4.718/2004, baseado em estudo de lavra do eminente professor Fabio Konder Comparato, pois o resultado das consultas populares não são necessariamente vinculantes, para que se dispense a mediação dos representantes sobre a vontade expressa dos representados.

Tramitam no Senado Federal duas propostas sobre o tema: um projeto do Senador amazonense Jefferson Peres (PDT-AM) prevendo a possibilidade de revogar os mandatos dos ocupantes de cargos do Poder Executivo ou dos Senadores. Já o Senador Antonio Carlos Valladares (PSB-SE) inspirou-se no instituto suíço finalmente citado, previu, diferentemente, a possibilidade de revogação dos mandatos legislativos, individual ou coletivamente, como do Congresso Nacional ou de uma Câmara Municipal.

No Ceará, a discussão sobre o recall mereceu editorial defendendo sua adoção, no jornal "O Povo", de Fortaleza, em 22 de agosto de 2005, contando com pronunciamentos favoráveis de políticos de diversas correntes, como Ciro Gomes (PPS) [29], o deputado Federal José Pimentel (PT), e do Deputado Moroni Torgan (PFL). Outros ecos favoráveis se ouviram de juristas como Dalmo de Abreu Dallari e Miguel Reale Junior[30], que preconizou a adoção conjunta do recall com o voto distrital misto, aumentando o coro daqueles que defendem que o tema seja incluído na discussão da reforma política, quanto mais depois dos escândalos envolvendo membros do Congresso Nacional em 2005 [31].


NOTAS BIBLIOGRÁFICAS E NOTAS DO AUTOR

[1] in "O impeachment", Ed. Globo, Porto Alegre, 1965, p. 41.

[2] apud FERREIRA FILHO, MANOEL GONÇALVES, Curso de direito constitucional, 24 ed., Ed. Saraiva, 1997, p. 175.

[3] A hipótese foi introduzida pela Constituição de 1934; na nova ordem constitucional, foi aplicada em 1989, quando então, por falta às sessões, a Mesa da Câmara dos Deputados declarou extintos os mandatos dos Deputados Mario Bouchardet (MG) e Felippe Cheide (SP), após assegurar-lhes a ampla defesa.

[4] SILVA, José Afonso da, Renúncia Inviável (artigo), in Jornal do Brasil, 20 de maio de 2001, p. 17.

[5] Conforme decisão do STF, RE n. 179.502, relator Min. Moreira Alves.

[6] Vide decisão do STF – Pleno – RE n. 225.019/GO, relator Ministro Nelson Jobim, j. em 8/08/1999, Informativo STF n. 162.

[7] O rito a ser utilizado nesta Ação, ante a ausência de Lei Complementar, é o do Artigo 22 da Lei Complementar n. 64, de 1990, segundo o entendimento do TSE, via Resolução. Equivocadamente, alguns Juízes entendem a aplicação subsidiária do CPC; caso ocorra, não há prejuízo para a ampla defesa.

[8] O rito utilizado para a apuração da captação de votos é o do Artigo 22, da Lei Complementar n. 64, de 1990, não se confundindo com a investigação judicial eleitoral instituído por essa norma.

[9] segundo MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, esse dispositivo constitucional teve inspiração direta da lei eleitoral tcheca de 1920, in "Curso de Direito Constitucional", p. 157, 17ª Ed., Ed. Saraiva, 1989.

[10] Cite-se como exceção à regra o modelo francês, que tirou do parlamento o poder de declarar a perda de mandato, tanto no aspecto disciplinar, quanto ao aspecto do julgamento das incompatibilidades funcionais, todos a cargo do Conselho Constitucional.

[11] Há um grande debate na doutrina sobre a conveniência ou não do parlamentar ser sujeito, e portanto, mero porta-voz da vontade popular representada pelos partidos políticos, ou ter direito à divergência. De outro lado, critica-se os parlamentares sem ligação à nenhuma facção não representarem nada, a não ser os próprios interesses. Sem a revisão do sistema eleitoral brasileiro, com a fragilidade dos partidos, levando em conta a baixa participação popular nas agremiações partidárias, a discussão no Brasil perde substância, diferentemente do que ocorre em Portugal ou na Espanha. Os que defendem que não deve se adotar a tese do mandato imperativo, presente no bojo da reforma política brasileira, lembram a proeminência da soberania popular sobre os partidos políticos. Os escândalos éticos e financeiros envolvendo o PT terminaram de fazer o trabalho, certamente.

[12] Extraído do artigo "democracia direta", do site http://conjur.estadao.com.br/static/text/35838.1, de 15 de agosto de 2005

[13] conforme BONAVIDES, Paulo, Ciência Política, 4ª Edição, p. 352, Forense, 1978.

[14] Extraído do Glossário de Termos Parlamentares da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2004.

[15] conforme SPIVAK, JOSHUA, What is the history of recall elections? Extraído do site: http://hnn.us/articles/1660.html

[16] in KARL MARX, A guerra Civil na França, Edizioni Rinascita, Roma, apud AROLDO MOTA, in Paraná Eleitoral, Recall (artigo), número 47 – Jan/2003.

[17] conforme consta do minucioso estudo constante do site www.igs.berkeley.edu/library/htRecall2003.htm, da Universidade Californiana de Berkeley.

[18] do artigo intitulado "O futuro do Governador", publicado na "Folha de São Paulo", em 28/08/2003.

[19] O processo que levou ao recall californiano de 2003 foi iniciado por cidadãos ligados a três partidos, inclusive o Republicano, tendo amealhado a proposta o total de 1.356.408 assinaturas, bem acima dos 897.156 requeridas à época. Aprovaram a revogação do mandato do Governador Green 55,4% dos eleitores. Inscreveram-se 135 candidatos ao cargo de Governador, sendo a eleição vencida pelo republicano, o ex-ator Arnold Schwarzenegger, com 48,7% dos votos.

[20] Na grande maioria dos Estados norte-americanos, os Senadores Federais eram eleitos pelas Assembléias Estaduais, na época.

[21] Aliás, no seu estudo sobre o recall o autor Aroldo Mota, relembra que no Estado do Oregon é corrente dizer-se que "os eleitores devem ser capazes de despedir seus eleitos, como um fazendeiro dispensa seus empregados". Apud "Paraná Eleitoral", número 47, edição de janeiro/2003.

[22] Entre 1995 e 2003 já tramitavam na Comissão Eleitoral provincial canadense pelo menos 20 requerimentos de recall.

[23] Constava da Constituição da U.R.S.S., art. 105: "O deputado tem a obrigação de explicar aos eleitores tanto sua atividade como a dos sovietes. O deputado que não se mostre digno da confiança de seus eleitores pode ser privado do mandato a qualquer momento por decisão da maioria dos eleitores, segundo as modalidades previstas pela lei."

[24] conforme CALIMAN, Auro Augusto, Mandato parlamentar – Regime Jurídico das Incompatibilidades e Hipóteses de Perda do Mandato, pp. 111-112, Ed. Atlas, 2005.

[25] Do Art. 72 da Constituição da Venezuela, de 15 dezembro de 1999: "Todos los cargos y magistraturas de elección popular son revocables. Transcurrida la mitad del período para el cual fue elegido el funcionário o funcionaria, un número no menor del veinte pôr ciente de los electores o electoras inscritos en la correspondiente circunscripción podrá solicitar la convocatoria de um referendo para revocar su mandato.

Cuando igual o mayor número de electores y electoras que eligieron al funcionário o funcionaria hubieren votado a favor de la revocatoria, siempre que haya concurrido al referendo un número de electores y electoras igual o superior al veinticinco por ciento de los electores y electoras inscritos, se considerará revocado su mandato y se procederá de inmediato a cubrir la falta absoluta conforme a lo dispuesto en esta Constitución y la ley. La revocatoria del mandato para los cuerpos colegiados se realizará de acuerdo con lo que establezca la ley.

Durante el período para el cual fue elegido el funcionario o funcionaria no podrá hacerse más de una solicitud de revocación de su mandato".

O "não" foi vitorioso no recall venezuelano de agosto de 2004, tendo obtido cerca de 59% dos votos válidos, com o comparecimento de 73% de todo o eleitorado inscrito, permitindo que o Presidente Chávez terminasse o mandato presidencial em 2006.

[26] O CNE (Conselho Nacional Eleitoral) venezuelano exigia a apresentação de pelo menos 2.436.083 assinaturas de eleitores; após o descredenciamento de milhares, os requerentes do referendo conseguiram a autenticidade de pelo menos 2.451.821 assinaturas autenticadas.

[27] Maiores informações sobre a ótica venezuelana "chavista" sobre a adoção do recall no processo político venezuelano, ler o artigo do advogado José Rafael Rincón, disponível no site < www.aporrea.org/dameletra.php?docid=2909 >

[28] A Constituição do Estado do Rio Grande do Sul de 14 de julho de 1891, de nítida inspiração positivista, ditada por seu Presidente Estadual Júlio de Castilhos, no seu art. 39, dispunha que "o mandato do representante não será obrigatório, poderá ser renunciado em qualquer tempo e também cassado pela maioria dos eleitores" da Assembléia dos Representantes (como se denominava então o legislativo estadual). O instituto foi regulamentado pela Lei Estadual gaúcha de n.º 18, de 12 de janeiro de 1897:

"Art.98. Para ser cassado o mandato de representante do estado nos termos do artigo 39 da Constituição, é necessário: I. que assim o proponha a Quarta parte do eleitorado do respectivo distrito; II. que na consulta feita ao distrito o representante em litígio não obtenha em seu favor metade e mais um, pelo menos, dos votos com que foi eleito.

Art.99. A proposta, manuscrita ou impressa, terá assinatura dos proponentes reconhecidas por notário e será instruída com certidão de se acharem, todos eles, inscritos como eleitores nos livros ou listas do registro eleitoral do distrito.

Art.100. Esteja ou não funcionando a Assembléia dos Representantes, deverá a proposta ser dirigida por intermédio do Secretário de Estado dos Negócios do Interior e Exterior ao Presidente daquela corporação, a fim deste verificar se está nos termos legais.

Art.101. No prazo de vinte dias contados daquele em que for entregue a proposta, o presidente da Assembléia comunicará sua decisão à Secretaria de Estado dos Negócios do Interior r Exterior, que a fará publicar na folha que insere o expediente oficial.

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§1º Se a proposta estiver nas condições da presente lei, o presidente do estado mandará convocar o eleitorado para responder sobre a seguinte consulta: Deve-se ou não considerar cassado o mandato do representante do estado, F.?

§ 2º A votação sobre a consulta terá lugar em dia designado pelo governo e dentro de três meses, contados da data em que tiver sido comunicada a decisão de que trata o art.101.

§ 3º Se dentro do prazo de vinte dias, marcados para a referida comunicação, não for esta feita, o governo considerará recebida a proposta dos eleitores e procederá pelo modo estabelecido nos parágrafos antecedentes.

Art. 102 – O eleitor escreverá em sua cédula: sim ou não, conforme quiser ou não cassar o mandato.

Parágrafo Único. O voto será dado nas condições prescritas no artigo 61.

Art.103. Se a consulta referir-se a mais de um representante, o eleitor escreverá na cédula os nomes dos representantes em litígio, acrescentando adiante de cada um deles sim ou não, nos termos do artigo antecedente.

Parágrafo Único. Quando a cédula for omissa em mencionar alguns dos nomes dos representantes, ou em acrescentar a partícula indicativa do voto, será apurada somente quanto aos nomes a respeito dos quais a resposta, afirmativa ou negativa, tiver sido expressa.

Art.104. Para a convocação de eleitores, divisão das secções dos municípios, designação dos edifícios, organização de mesas e de todos os mais trabalhos eleitorais da consulta, proceder-se-á, no Título II, Capítulos III, IV e V e Títulos III, Capítulos I, II e III desta lei."

A primeira Constituição Estadual goiana, de 1º de junho de 1891, no art. 50, também dispunha: "O mandato legislativo não será obrigatório e o eleitorado poderá cassá-lo, declarando, mediante o processo que a lei estabelecerá, o mandato carecendo de sua confiança."

No Estado de Santa Catarina, a Constituição de 1892, art. 14: "O mandato legislativo pode ser renunciado, e a sua revogabilidade se efetuará quando, consultado, o eleitorado pelo um terço dos eleitores, não obteve o deputado metade e mais um dos votos com que foi eleito." No dia 26 de janeiro de 1895 a Constituição foi alterada pelo art. 20, omitindo o disposto quanto à revogabilidade do mandato: "O mandato não é imperativo e pode ser removido. Os deputados podem renunciá-lo em qualquer tempo."

No Estado de São Paulo na Constituição de 14 de julho de 1891 estabelecia em seu art.6º, § 3º: "Poderá, entretanto, ser a qualquer tempo cassado o mandato legislativo, mediante consulta feita ao eleitorado pôr proposta de um terço de seus eleitores, na qual o representante não obtenha a seu favor metade e mais um, pelo menos, dos sufrágios com que houve sido eleito".

[29] em entrevista ao jornal cearense, "O Povo", de Fortaleza, em 22 de agosto de 2005, o ex-presidenciável e então Ministro Ciro Gomes declarou ''''Um dos temas de minha campanha à Presidência da República, em 2002, foi a reforma política com a introdução do recall. Entendo que a democracia representativa é um anacronismo e que a moderna, a verdadeira democracia é a participativa. O eleitor deve ter a possibilidade de acompanhar e controlar, até o limite, a ação dos seus eleitos, mas tudo com a devida cautela para evitar a vulgarização desse importante instrumento. Nossa democracia será grandemente fortalecida pelo recall, pois, entre outros benefícios, ele permitirá a punição de quem, exercendo mandato popular, em qualquer nível, passe a falar e a agir em clara oposição aos compromissos assumidos com o seu eleitor e com o seu partido''''.

[30] in "O Estado de São Paulo"(artigo), publicado em 06/08/2005.

[31] O advogado AROLDO MOTA, em artigo sobre o recall publicado na revista "Paraná Eleitoral", número 47, de janeiro de 2003, editada pelo TRE paranaense, preconizava então o seguinte: "(..) De fato, a intenção de submeter aos eleitores o comportamento faltoso dos eleitos, principalmente, das casas legislativas é uma evolução que deve ser examinada numa próxima Reforma Partidária, inclusive dando tranqüilidade ao parlamentar no cumprimento de suas atitudes, claro que com regras bem definidas na legislação evitando a banalidade. O instituto deve permitir que o eleitor reexamine seu voto no representante não só pela sua atitude no desempenho do mandato, mas também pelo seu comportamento ético e moral com gravame no decoro parlamentar, sem nenhum sentimento corporativo."

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Sobre o autor
Vinicius Cordeiro

advogado no Rio de Janeiro, especializado em direito eleitoral

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORDEIRO, Vinicius. O controle dos mandatos populares pelo Legislativo no Direito brasileiro.: O instituto do "recall" e dos referendos revogatórios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 784, 26 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7200. Acesso em: 19 abr. 2024.

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