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Arras: natureza e espécies

12/05/2019 às 14:10
Leia nesta página:

Apresentam-se os principais aspectos relacionados às arras, à luz da doutrina e jurisprudência dominante sobre o assunto.

I – CONCEITO DE ARRAS

Na lição de Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, tomo XIII, pág. 317), chama-se arras, ou sinal, ao que alguém dá à pessoa com quem interessa contratar: ou a) em sinal da conclusão do contrato(arras confirmatórias), para firmar a presunção de que o contrato foi concluído e vinculou os contraentes (Arrha contractu perfecto data), ou b) em segurança do contrato ainda não concluído(arrha pacto imperfecto data), o que mais ocorre quando se precisa de certa forma, e não ou não se pode, no momento, satisfazer o pressuposto; ou c) para serem perdidas, se o que se deu preferir exercer o direito de ruptura(revogação) do contrato(arha poenitentiales). As arras no primeiro sentido dizem-se declaratórias.

Arras ou sinal é a entrega, por parte de um dos contratantes, de coisa ou quantia que significa a firmeza da obrigação contraída ou garantia da obrigação pactuada. Quando a coisa entregue é do mesmo gênero do restante da obrigação, as arras são consideradas como princípio de pagamento.

Tem-se o artigo 1.094 do Código Civil de 1.916 e seu correspondente no Código Civil de 2002, artigo 417:

Art. 1.094. O sinal, ou arras, dado por um dos contraentes firma a presunção do acordo final, e torna obrigatório o contrato.

Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.

O artigo 1.094 do Código Civil de 1.916 e seu correspondente no atual diploma civil dizem que essas arras exercem o papel de confirmatórias.

No Código Civil de 1.916, artigo 1.095, estabelece-se que só há direito de arrependimento, se os contraentes acordam em que houvesse.

Se houve sinal e começo de pagamento, como se só houve começo de pagamento, o direito afonsino – como o manuelino – excluía o arrependimento. O artigo 1.096 do Código Civil de 1.916 tem as arras em dinheiro como começo de pagamento. Destarte, a regra dispositiva faz firme e irrevogável o contrato. O direito de arrependimento não cabe. Veja-se a correspondência.

Art. 1.096. Salvo estipulação em contrário, as arras em dinheiro consideram-se princípio de pagamento. Fora esse caso, devem ser restituídas, quando o contrato for concluído, ou ficar desfeito.

Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.

O Código Civil não se estatuiu que se presumissem começo de pagamento as arras consistentes em coisa que não seja dinheiro, porque, de regra, a coisa que não e pecúnia, sendo dada em arras, não se presume em começo de pagamento. Tratando-se de coisa que é parte de prestação do contrato, não se pode pensar em arras, mas em começo de pagamento.

Pontes de Miranda(obra citada, pág. 331) assim disse: “Clóvis Beviláqua(IV, 263) exprobou a insuficiência da regra, que só se referiu às arras em dinheiro, porém, tal como está a lei corresponde a pensamento tradicional e defensável; deixa os outros casos à interpretação do negócio jurídico. É regra dispositiva que as arras em dinheiro se tem como começo de pagamento, mas há começo de pagamento sem arras(Corte de Apelação de São Paulo, 19 de setembro de 1934, RT 94/553), o que nada tem com o art. 1.096”.

Ainda há a regra do artigo 218 do Código Comercial que se aplica aos mercadores, na linha das Ordenações Afonsinas, Livro IV, Titulo 36, § 2.

Art. 218 - O dinheiro adiantado antes da entrega da coisa vendida entende-se ter sido por conta do preço principal, e para maior firmeza da compra, e nunca com condição suspensiva da conclusão do contrato; sem que seja permitido o arrependimento, nem da parte do comprador, sujeitando-se a perder a quantia adiantada, nem da parte do vendedor, restituindo-a, ainda mesmo que o que se arrepender se ofereça a pagar outro tanto do que houver pago ou recebido; salvo se assim for ajustado entre ambos como pena convencional do que se arrepender (artigo nº. 128).

Se no pré-contrato, ou no contrato, se inseriu a cláusula de arrependimento, pode ser exercido esse direito, com as consequências próprias, se o outorgado pede execução segundo as regras dos artigos 639 e 641 do CPC de 1973.

A promessa de contratar, o pactum de contrahendo, é pré-contrato, portanto, contrato é. Como contrato nada obsta a que ele, ou nele, se deem arras.


II – AS ESPÉCIES DE ARRAS

São espécies de arras;

  1. As arras penitenciais, quando se admitiu o direito de arrependimento, arras que são regidas pelo art. 1.095. Se se arrepende o que pode arrepender-se, a estipulação lho permitiu, observar-se-á o que foi disposto, conforme a lição de Pontes de Miranda(obra citada, pág. 327). As arras penitenciais não são pena convencional, o pagamento delas(perdas ou paga em dobro) é somente direito da parte, e não dever;
  2. As arras declaratórias, que são ditas confirmatórias: são as que se estipulam com ou sem se  criar direito de arrependimento e abstraindo-se, ou não, de ser começo ou não de pagamento, mas alusivas a contratos já concluído e sem promessa de outro. No artigo 1.096 do Código de 1.916, ao se tratar de arras começo de pagamento, explicitamente fala-se das arras concertantes a conclusão futura do contrato. Uma vez que haja um pré-contrato, as arras declaram a esse e asseguram o contrato posterior.

As arras ainda possuem uma virtude probatória. Provam que se prometeu ou se concluiu o contrato; cabendo ao outro contraente o ônus da prova de que se não prometeu contratar, ou de que se não concluiu o contrato.

Essa função de reforçamento formal do contrato veio na Idade Média.

Observe-se, outrossim, o artigo 1.097 do Código Civil de 1916 e seu correspondente no Código Civil hoje em vigor:

Art. 1.097. Se o que deu arras der causa a se impossibilitar a prestação, ou a se rescindir o contrato, perdê-la-ás em benefício do outro. .

Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos.

Esse artigo, como ensinou Pontes de Miranda(obra citada, pág. 336) é dispositivo, como as regras anteriores são dispositivas(artigos 1.095 e 1.096).


III – ARRAS E RESCISÃO DO CONTRATO

Observe-se a questão da rescisão do contrato:

  1. Se o que deu arras é o responsável pela impossibilidade da prestação, ou foi causa da resolução ou rescisão do contrato, irá perde-las em benefício do que a recebeu(artigo 1.097);
  2. Se o que recebeu arras deu causa à impossibilidade da prestação, ou à resolução do contrato, responde por perdas e danos(Código Civil de 1.916, artigo 1.056) e restitui as arras recebidas(artigo 1.096, 2ª parte);
  3. A rescisão por vícios redibitórios está compreendida no art. 1.097 do Código de 1916, que  tem correspondente no artigo 418 do atual Código Civil;
  4. Ao que deu arras e pede a restituição cabe ao ônus de provar que o contrato foi resolvido, ou a prestação se tornou impossível, sem culpa sua.

No direito alemão, tem-se o § 338, segunda parte, onde se diz que há regra explícita sobre o pedido de indenização por inexecução do contrato: em caso de dúvida, decide-se que as arras são imputáveis nas perdas e danos, ou, se não é isso possível, que se restituirão quando se der o pagamento das perdas e danos. As arras imputam-se no preço se o contrato se cumpre, ou se restituem(Código Civil de 1.916, artigo 1.096, segunda parte), se não eram começo de pagamento. O artigo 1.097 do Código Civil de 1.916 não excluiu as perdas e danos, salvo se outra coisa diz o contrato. As arras penitenciais protegem o devedor; as penitenciais protegem o credor.

Sobre a matéria já escrevemos.


IV – GENERALIDADES SOBRE AS ARRAS

Os especialistas entendem que, na celebração de um contrato, principalmente na compra e venda de imóveis, é muito comum a presença de uma cláusula que estabelece as arras. Trata-se de uma garantia, geralmente em dinheiro ou bens móveis, que tem como finalidade firmar o negócio e obrigar que o contrato seja cumprido.

Quando o contrato é cumprido corretamente, as arras podem ser devolvidas, ou abatidas do valor que ainda falta para quitação do contrato, o que costuma ocorrer com mais frequência.

No caso de descumprimento do contrato, se quem deu as arras, ou pagou o sinal, desiste do negócio, ele perde o valor das arras em favor da parte contrária. No caso de quem recebeu as arras desistir do contrato, terá que devolvê-las em dobro a quem as pagou.

As arras ou sinal vêm a ser a quantia em dinheiro, ou outra coisa móvel, em regra, fungível, dada por um dos contraentes ao outro, a fim de concluir o contrato, e, excepcionalmente, assegurar o pontual cumprimento da obrigação.

Maria Helena Diniz, em Curso de Direito Civil Brasileiro – Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais, leciona:

“Assim, se A pretende efetivar um contrato de compra e venda, poderá entregar a B, que é o vendedor, uma quantia em dinheiro, como prova da conclusão do contrato e como garantia de seu adimplemento. O sinal funciona, pois, não só como um reforço nos contratos bilaterais ou comutativos, indicando a realização definitiva do concurso de vontades, ao firmar a presunção de acordo final, devendo, em caso de execução, ser restituído ou computado na prestação devida, se do mesmo gênero da principal (CC, art. 417), mas também como uma garantia ao pontual cumprimento da obrigação avençada, visto que se pode convencionar a possibilidade do desfazimento do contrato por qualquer das partes, hipótese em que terá função indenizatória. Assim, aquele que deu o perderá para outro e o que recebeu o devolverá mais o equivalente, não havendo, em qualquer caso, direito à indenização suplementar (CC, art. 420), assegurando-se, assim, às partes o direito de arrependimento.

A declaração mencionada é a mais comum de ser observada em nosso cotidiano, principalmente em contratos de promessa de compra e venda de bem imóvel, ocasião em que o promitente comprador entrega certa quantia em favor do promitente vendedor a título de arras, valor este que se prestará a prevenir possível desistência no curso das tratativas comerciais, sendo que, na hipótese de ser caracterizada referida desistência, a quantia depositada como sinal será entregue ao promitente vendedor a título indenizatório pelas perdas e danos sofridos.

No tocante à codificação atual, as arras encontram-se previstas entre os artigos 417a 420, todos do Código Civil de 2002.

“Art. 417. Se, por ocasião da conclusão do contrato, uma parte der à outra, a título de arras, dinheiro ou outro bem móvel, deverão as arras, em caso de execução, ser restituídas ou computadas na prestação devida, se do mesmo gênero da principal.”

“Art. 418. Se a parte que deu as arras não executar o contrato, poderá a outra tê-lo por desfeito, retendo-as; se a inexecução for de quem recebeu as arras, poderá quem as deu haver o contrato por desfeito, e exigir sua devolução mais o equivalente, com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, juros e honoráriosde advogado.”

“Art. 419. A parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização.”

“Art. 420. Se no contrato for estipulado o direito de arrependimento para qualquer das partes, as arras ou sinal terão função unicamente indenizatória. Neste caso, quem as deu perdê-las-á em benefício da outra parte; e quem as recebeu devolvê-las-á, mais o equivalente. Em ambos os casos não haverá direito a indenização suplementar.”

Arras ou sinal é a entrega, por parte de um dos contratantes, de coisa ou quantia que significa a firmeza da obrigação contraída ou garantia da obrigação pactuada. Quando a coisa entregue é do mesmo gênero do restante da obrigação, as arras são consideradas como princípio de pagamento.

Daniel Carnacchioni ensinou, nos seguintes termos:

“As arras estão disciplinadas nos arts. 417 a 420 do CC, cujo diploma alterou a sua topografia para retirá-la da teoria geral dos contratos e transportá-la para a teoria geral das obrigações, justamente por esta relacionada ao inadimplemento e, mais especificamente, às consequências jurídicas deste. Este novo enquadramento reforça a natureza das arras, qual seja: instituto destinado a prefixação das perdas e danos, entregues por uma parte à outra no momento da conclusão da obrigação. É uma prefixação convencional das perdas e danos, assim como a cláusula penal, com a diferença de que as arras possuem natureza real, porque integram a fase de formação e não a de execução da relação jurídica obrigacional. Essa nova topografia mitiga, de forma considerável, a tradicional diferença entre arras confirmatórias e penitenciais ou indenizatórias. As arras confirmatórias seriam aquelas destinadas a “confirmar” ou dar início à execução de determinada relação jurídica material (contratos, em sua maioria), ao passo que as arras penitenciais teriam natureza indenizatória. No entanto, pela atual redação dos arts. 417, 418 e 419 do CC, mesmo quando as arras visam a confirmar um negócio, quando se prestam a servir como “sinal” ou “princípio de pagamento”, em caso de inadimplemento ou inexecução, as arras compensarão o sujeito prejudicado pelo inadimplemento, fato que denota a sua natureza preponderantemente indenizatória. [...] O fato é que, atualmente, até por integrar a teoria do inadimplemento, a natureza das arras não possui nenhuma relação com o direito de arrependimento, mas sim com a execução ou inexecução da relação obrigacional. É o cumprimento ou o inadimplemento da obrigação que determinará a sua natureza, jamais a previsão ou não de cláusula de arrependimento. [...] Se a obrigação foi cumprida, por óbvio, as arras dadas por ocasião da conclusão do negócio terão natureza “confirmatória”. Por outro lado, se a obrigação não foi cumprida, o art. 418 permite a retenção das arras por quem recebeu se a inexecução for de quem deu ou a restituição das arras, mais o equivalente, se o inadimplemento foi de quem recebeu. Essa retenção ou restituição das arras estaria a confirmar o quê? Obviamente nada. Nesse caso, as arras servem como o mínimo de indenização, ou seja, parâmetro inicial para as perdas e danos, função nitidamente indenizatória. Tanto isto é verdade que o art. 419 permite que a parte inocente venha pleitear indenização suplementar, caso prove prejuízo maior do que o valor das arras dadas, valendo estas como taxa mínima. Não é a cláusula de arrependimento que define a natureza das arras, mas a execução ou inexecução da obrigação. A cláusula de arrependimento (...) tem o único objetivo de impedir a indenização suplementar (art. 420 do CC). Nada mais do que isso” (Manual de Direito Civil. Salvador: Jus Podium, 2017, pp. 738/739).

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Existem dois tipos de arras:

Confirmatórias, ou arras propriamente ditas, quando representam uma prestação efetiva, realizada em garantia da conclusão de um contrato; Ver arts. 417 a 419 do Código Civil de 2002.

Penitenciais, se há cláusula de arrependimento, caso em que a perda da prestação constitui a pena, tem o caráter de cláusula penal compensatória.

No passado, as Arras foram chamadas, diversas vezes, de "Um centavo sério", ou "Arles centavo", ou o Deus de prata (em latim Argentum Dei). Era uma valiosa moeda, ou sinal, dado para vincular um negócio, nomeadamente para a compra ou locação de um servo.

Caso o contrato não tenha previsão do direito de arrependimento, a parte prejudicada poderá solicitar, judicialmente, além das arras, os demais prejuízos que ocorreram em razão do desfazimento do contrato.

É inadmissível a cumulação da cláusula penal compensatória com arras, prevalecendo esta última na hipótese de inexecução do contrato. Esse foi o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao julgar recurso especial interposto por uma construtora contra dois compradores de imóveis, como foi definido no REsp 1.617.652.

Quando ajustada entre as partes, a cláusula penal compensatória – espécie que se discute no presente recurso especial – incide na hipótese de inadimplemento da obrigação (total ou parcial), razão pela qual, além de servir como punição à parte que deu causa ao rompimento do contrato, funciona como fixação prévia de perdas e danos. Ou seja, representa um valor previamente estipulado pelas partes a título de indenização pela inexecução contratual.

Esse foi o entendimento adotado por esta Turma, quando do julgamento do REsp 1.335.617/SP, no qual se delimitou com precisão a diferença.

Entre as duas espécies de cláusula penal:

“(...) existem essencialmente dois tipos diferentes de cláusula penal: aquela vinculada ao descumprimento (total ou parcial) da obrigação, e aquela que incide na hipótese de mora (descumprimento parcial de uma prestação ainda útil). A primeira é designada pela doutrina como compensatória , a segunda como moratória. 15. Conquanto se afirme que toda cláusula penal tem, em alguma medida, o fito de reforçar o vínculo obrigacional (Schuld ), essa característica se manifesta com maior evidência nas cláusulas penais moratórias, visto que, nas compensatórias, a indenização fixada contratualmente serve não apenas de punição pelo inadimplemento como ainda de pré-fixação das perdas e danos correspondentes (artigo 410). [....] - A cláusula penal compensatória, por outro lado, visa a recompor a parte pelos prejuízos que eventualmente venham a decorrer do inadimplemento (total ou parcial). Representa um valor previamente estipulado pelas próprias partes contratantes a título de indenização para o caso de descumprimento culposo da obrigação. Tanto assim que, eventualmente, sua execução poderá, até mesmo substituir a execução do próprio contrato” (REsp 1.335.617/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe de 22/04/2014).

De outro turno, as arras se relacionam à quantia ou bem entregue por um dos contratantes ao outro, por ocasião da celebração do contrato, como sinal de garantia do negócio. Apresentam natureza real – haja vista que exigem, para seu aperfeiçoamento, a efetiva entrega da coisa por uma das partes à outra – e têm por finalidades precípuas as seguintes: (i) firmar a presunção de acordo final, tornando obrigatório o ajuste (caráter confirmatório); (ii) servir de princípio de pagamento (se forem do mesmo gênero da obrigação principal); e (iii) prefixar o montante das perdas e danos devidos pelo descumprimento do contrato ou pelo exercício do direito de arrependimento, se expressamente estipulado pelas partes (caráter indenizatório). 

Essas funções são sintetizadas na doutrina de Judith Martins-Costa, nos seguintes termos: “Da tradição histórica vêm as quatro funções cometidas às arras: a) confirmatória do negócio ; b) de adimplemento (princípio de pagamento da obrigação estatuída); c) de efeito da resolução imputável e culposa ; e d) possibilidade de lícito arrependimento do negócio, se assim ajustado ” (Comentários ao Novo Código Civil, Vol. V, Tomo II: Do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 735).

Repita-se que, tradicionalmente, a doutrina classifica as arras em duas espécies, a depender da previsão, ou não, do direito de arrependimento. Em linhas gerais, se diz que as arras são “confirmatórias” quando tornam o negócio irretratável e que são “penitenciais” as arras previstas como penalidade à parte que desistir da avença, quando tal faculdade é convencionada.

De acordo com a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso da construtora no STJ, a cláusula penal compensatória é um valor previamente estipulado pelas partes a título de indenização pela inexecução contratual, incidindo na hipótese de descumprimento total ou parcial da obrigação. Ela serve como punição a quem deu causa ao rompimento do contrato e funciona ainda como fixação prévia de perdas e danos.

A ministra explicou que as arras, por outro lado, consistem na quantia ou bem móvel entregue por um dos contratantes ao outro, por ocasião da celebração do contrato, como sinal de garantia do negócio.

Segundo a relatora, as arras têm por finalidades: “a) firmar a presunção de acordo final, tornando obrigatório o ajuste (caráter confirmatório); b) servir de princípio de pagamento (se forem do mesmo gênero da obrigação principal); c) prefixar o montante das perdas e danos devidos pelo descumprimento do contrato ou pelo exercício do direito de arrependimento, se expressamente estipulado pelas partes (caráter indenizatório)”.

A ministra Nancy Andrighi afirmou que a função indenizatória das arras existe não apenas quando há o arrependimento lícito do negócio, “mas principalmente quando ocorre a inexecução do contrato”.

Na hipótese de descumprimento contratual – explicou a ministra –, as arras funcionam como uma espécie de cláusula penal compensatória, mesmo sendo institutos distintos. Nesse sentido, “evidenciada a natureza indenizatória das arras na hipótese de inexecução do contrato, revela-se inadmissível a sua cumulação com a cláusula penal compensatória, sob pena de violação do princípio non bis in idem (proibição da dupla condenação a mesmo título)”.

Caso as arras e cláusula penal compensatória sejam previstas cumulativamente, “deve prevalecer a pena de perda das arras, as quais, por força do disposto no artigo 419 do Código Civil, valem como ‘taxa mínima’ de indenização pela inexecução do contrato”, concluiu a ministra  Nancy Andrighi.


V- A EXPERIÊNCIA ALEMÃ

No direito alemão há, da parte da doutrina, algumas conclusões que obtemos da lição de Pontes de Miranda:

  1. O objeto das arras pode ser qualquer um, não só dinheiro, como ensinou Dernburg(Das Bürgerliche Recht, primeira parte, 264, nota 9), , cabendo, no caso de coisas, a traditio brevi manu, a longa manu e o constituto possessório;
  2. O contraente que recebe as arras adquire-lhes a propriedade: a ação para que as restitua é, porém, somente obrigacional como disse P. Oertmann(Recht der Schuldverhältinisse, 221);
  3. A restituição das arras, nos casos do artigo 1.096 rege-se pelas normas concernentes à execução das obrigações, e não pelos princípios do enriquecimento injustificado, como disse L. Enneccerus, Lehbruch, I, segunda parte, 103, nota 2);
  4. Por defeito, entende-se o contrato quando: a) distratado; b) for julgado nulo ou anulado; c) ou sem causa, ou atingido pela ação de enriquecimento injustificado;
  5. Se o que tem de restituir alega que não recebeu o que se reclama, ou não recebeu como se reclama, corre-lhe o ônus da prova(O. Warneyer, Kommentar, 1.068);
  6. Se o pré-contratante ou o contraente,, propõe ação para haver a restituição das arras, ou com fundamento no artigo. 1.095 do Código Civil de 1916, arras penitenciais, ou com fundamento no artigo 1.096 do diploma de 1.916, tem que provar, ali, o arrependimento do réu, aqui, a conclusão do contrato prometido, ou a sua resolução ou rescisão, se há culpa do que as recebeu(artigo 1.097 do Código Civil de 1.916). Sempre que há aplicação do art. 1.092, parágrafo único,(direito de resolução), as arras em dinheiro computam-se nas perdas e danos.
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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Arras: natureza e espécies. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5793, 12 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72242. Acesso em: 22 dez. 2024.

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