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Estudo acerca da legislação ambiental, com ênfase na tutela jurídica da flora brasileira

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03/09/2005 às 00:00
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CAPÍTULO 3

EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA

3.1 CONTEXTO MUNDIAL

Os cinco séculos que se passaram desde a descoberta do Novo Mundo foram marcados pelo rápido e crescente domínio do homem europeu. Ele conquistou terras e mares, desenvolveu a ciência, as artes e as técnicas, inventou máquinas e construiu fábricas, criando uma civilização caracterizada pelo incremento econômico e tecnológico.

O século XX registrou uma grande elevação do nível econômico, intensa produção de bens de consumo e o descarte precoce destes bens. A população passou a se concentrar nas grandes cidades, sendo a mentalidade dominante a de enaltecer o progresso industrial. Este sistema socioeconômico levou à exploração predatória dos recursos naturais, fossem eles renováveis ou não e à produção de grande quantidade de resíduos.

Na Segunda Guerra Mundial, a humanidade assustou-se com seu próprio poder. As bombas atômicas que destruíram Hiroshima e Nagasaki conscientizaram o homem de sua força e capacidade de destruição, não só nas guerras com seu arsenal bélico, mas em todo o processo produtivo.

Como conseqüência, começaram a acontecer os acidentes ecológicos, desastres de grande magnitude. Foi quando o homem, percebendo que os recursos naturais eram finitos, passou a desenvolver a consciência ecológica que se tornou uma ameaça à teoria de crescimento econômico a qualquer custo.

Nasce o movimento ambientalista, pugnando pela preservação do ambiente e todo gênero de poluição. Surge como oposição, como antítese, ao sistema econômico capitalista e consumista. Este jamais teve qualquer cuidado com o ambiente. Pelo contrário, incentivou o consumo de bens como sendo valor social e acelerou a produção, devorando recursos naturais e energéticos e espalhando resíduos a esmo. O descartável é símbolo desse modelo. [50]

As questões da defesa ambiental ganharam substância no início dos anos 70, especialmente com a Conferência Internacional da ONU, realizada em Estocolmo em 1972. Sua grande contribuição foi reconhecer o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental do homem.

Nas sociedades mais ricas, segmentos importantes da população desenvolvem uma consciência ecológica forte, passando a exigir que a legislação se voltasse para a proteção ambiental em seus países e no mundo. Paralelamente, nas sociedades menos abastadas ainda permanecia o domínio intelectual e econômico de uma elite que aplicava – e ainda aplica - modelos de exploração predatória e destrutiva do meio ambiente para enriquecer. O estabelecimento de um modelo auto-sustentável significava a mudança de todo o sistema produtivo e contrariava interesses poderosos.

Nesta conferência, as vozes dos países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, manifestaram-se contra as diretrizes internacionais para o controle da poluição, sob a forte premissa, elaborada pela Primeira Ministra da Índia Indira Gandhi, de que "o pior tipo de poluição é a pobreza", o que justificaria o alavancamento do desenvolvimento econômico a qualquer preço.

Foi esta idéia que ditou a maioria das leis ambientais sancionadas neste período no Brasil, quando o país se ocupava prioritariamente com o crescimento econômico, o que, na visão do legislador (observando-se que o país vivia sob regime de exceção), legitimava as agressões à natureza, refletindo o enfoque desenvolvimentista da época.

Nos anos que se seguiram, os Estados mais desenvolvidos da Federação editaram leis e instituíram órgãos para o controle de poluição, provocando o fechamento de fábricas importantes, com grandes conseqüências econômicas. Tais fatos levaram o Governo Federal a editar um decreto-lei que proibia a interdição de indústrias, reservando este ato ao Presidente da República.

Compete exclusivamente ao Poder Executivo Federal [...] determinar ao cancelar a suspensão do funcionamento de estabelecimento industrial cuja atividade seja considerada de alto interesse do desenvolvimento e da segurança nacional. [51]

As pressões internacionais e da sociedade civil levaram a formulação, em 31 de agosto de 1981, da lei 6.938 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, consagrando-se como a primeira a sistematizar de forma genérica a tutela ambiental.

O Brasil como um país de contrastes apresenta regiões extremamente desenvolvidas e outras com índices de subdesenvolvimento alarmantes. Neste momento, foi principalmente o Estado de São Paulo quem adotou medidas ambientais mais efetivas, inclusive com edições de normas próprias e a instituição de áreas protegidas. Enquanto outros Estados ainda carentes, necessitando aplicar técnicas econômicas mais agressivas, continuaram com a política já ultrapassada de desenvolvimento econômico sem restrições ambientais, sendo menos exigentes em relação à preservação da natureza. A conseqüência desta política de duas faces foi o êxodo das indústrias insalubres de São Paulo para outros Estados.

Somente vinte anos após a conferência de Estocolmo começou a crescer no Brasil a idéia de desenvolvimento sustentado. Esta nova visão, referendada pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992, contribuiu para a mudança do paradigma de desenvolvimento existente, consolidando ainda a idéia de que o ser humano é o ponto central das preocupações com o desenvolvimento sustentável.

A declaração da RIO/92 consagrou ainda o princípio do poluidor-pagador, inserindo a teoria do risco-proveito e trazendo mudança de enfoque em relação à teoria da responsabilidade no dano ambiental. [52]

Utópico seria imaginar uma tutela ambiental sem a visão antropocentrista do legislador, conforme as aspirações dos ambientalistas mais puros, uma vez que a lavra legislativa foca sempre os interesses da sociedade e dos proveitos a serem extraídos do meio ambiente, reconhecendo que o ser humano tem direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.

Na sua relação com a natureza, o homem a define preferencialmente pelo termo recurso, demonstrando que de determinado ponto de vista o ambiente é considerado apenas fonte de exploração e subsistência. Com o advento da noção de desenvolvimento sustentado mostrou-se à sociedade que lhe cabe o discernimento de dela retirar alimentos e riquezas sem degradá-la a ponto de não permitir sua recuperação.

3.2 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

3.2.1 Código Florestal

Em 15 de setembro de 1965, surgia no Direito brasileiro a Lei 4.771 conhecida como Código Florestal. Apesar de ser a primeira lei a disciplinar a defesa do meio ambiente florestal, ela não trazia a definição do conceito de floresta. Transcreve-se aqui a opinião de Antunes sobre o assunto:

Por incrível que pareça, o Código Florestal não define o que é floresta, ainda que estabeleça toda uma gama de classificações de florestas e declare que algumas delas estão submetidas a regimes especiais de preservação. É, sem dúvida, uma situação insólita. Em nossa opinião, a omissão é grave, pois se faz necessária uma correta definição legal do objeto jurídico a ser tutelado. [53]

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira define floresta como "formação arbórea densa, na qual as copas se tocam", [54] enquanto Celso Pedro Luft o faz da seguinte forma: "terreno coberto de árvores de grande porte". [55] O anexo I da Portaria n. 486-P do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) de 28/10/1986 a define como "formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa".

Tais definições não possibilitam a efetiva tutela jurídica pretendida, razão pela qual nesta tese prefere-se utilizar a palavra flora. Ademais, o Código Florestal, em seu artigo 1°, determina como seu objeto as florestas e demais formas de vegetação, não deixando espaço para outras interpretações.

Celso Antônio Pacheco Fiorillo enfrenta o tema da seguinte forma:

Os termos flora e floresta não possuem, no Texto Constitucional, o mesmo significado. O primeiro é o coletivo que engloba o conjunto de espécies vegetais de uma determinada região enquanto floresta, por sua vez, é um dos conteúdos do continente flora. [56]

Constitucionalmente, há distinção entre os termos flora e floresta. Ambos são utilizados no artigo 23, VII quando prevê a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios para preservar as florestas, a fauna e a flora. No entanto, quando aborda a legislação concorrente entre União e Estados apenas menciona as florestas. Por outro lado, o termo flora vem sempre no singular, enquanto floresta está sempre no plural.

Vem daí a idéia de que flora é um coletivo que se refere ao conjunto das espécies vegetais do país ou de determinada localidade. A flora brasileira compõe-se, assim, de todas as formas de vegetação úteis a terra que revestem, o que inclui as florestas, cerrados, caatingas, brejos e mesmo as forrageiras nativas que cobrem nossos campos naturais. [57]

A preservação dos sistemas florestais apresenta importante função no desenvolvimento das espécies, tema que assume interesse internacional, pois as florestas representam um fator de subsistência e perpetuação da diversidade biológica e, conseqüentemente, da própria vida humana. Por este motivo é necessária a proibição ou limitação da exploração de determinadas áreas.

O inciso V do artigo 2º da Lei 9.985/00, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, conceitua o termo preservação como o "conjunto de métodos, procedimentos e políticas que visam à proteção em longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além da manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais".

No Código Florestal encontra-se amplo e completo conceito a respeito do tema, fornecendo as bases para a formulação de quase todos os outros conceitos legais posteriores, que regulam ou referem-se às áreas de preservação permanente e de reserva legal. Ele o faz nos seguintes termos:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

ao longo dos rios ou de qualquer curso d´´água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será:

1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d´´água de menos de 10 (dez) metros de largura;

2 - de 50 (cinqüenta) metros para os cursos d´´água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinqüenta) metros de largura;

3 - de 100 (cem) metros para os cursos d´´água que tenham de 50 (cinqüenta) a 200 (duzentos) metros de largura;

4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d´´água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d´´água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d´´água naturais ou artificiais;

c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos d´´água", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinqüenta) metros de largura;

d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;

e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive;

f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;

h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação.

Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.

Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas:

a) a atenuar a erosão das terras;

b) a fixar as dunas;

c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;

d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares;

e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico;

f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção;

g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas;

h) a assegurar condições de bem-estar público.

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As áreas protegidas nos termos dos arts. 2º e 3º, com cobertura vegetal nativa ou não, têm a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo genético de fauna e flora, conservar a integridade do solo e assegurar o bem-estar do homem. [58]

Conceitualmente, a distinção entre área de preservação permanente e área de reserva legal consiste em que nas áreas de preservação permanente (APP), em princípio, não se pode cortar nada. Poderá haver a supressão total ou parcial tendo em vista atividades de utilidade pública e interesse social. Nas reservas legais, que se situam no interior das propriedades ou posses e seu tamanho é proporcional à dimensão do imóvel, pode haver utilização pelo proprietário desde que de forma sustentável. Pode haver área de preservação permanente no interior das propriedades sendo que, nestes casos, o proprietário tem o dever de preservá-las.

A área de preservação permanente, de uma maneira geral, é intocável. Na reserva legal há permissão de manejo sustentável com licenciamento da administração pública através do órgão competente.

Existe, para os proprietários rurais, a obrigação de instituir e florestar a reserva legal, área de vinte por cento da propriedade que deverá ser averbada à margem da inscrição de matrícula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação. Todavia, esta determinação nunca foi observada pela maioria dos proprietários rurais, evidenciando prejuízo ambiental para a sociedade.

Assim, o proprietário rural que não tiver a reserva legal demarcada tem a obrigação de demarcá-la e registrá-la, cessar a exploração da área e reflorestá-la, para possibilitar a regeneração natural. [59]

3.2.2 Constituição de 1988

O legislador constitucional procurou adotar uma visão global do tema como forma de assegurar a efetividade do direito ao ambiente ecologicamente equilibrado. Desta forma, os parâmetros previstos na Carta Magna não cominam penalidades ou sanções, mas oferecem diretrizes para o legislador infraconstitucional, que efetivamente tem poderes para criar normas, com poder coercitivo suficiente para tornar possível a proteção ambiental.

Observa-se que o objeto do direito de todos não é o meio ambiente em si ou determinado ambiente. Seu objeto é o equilíbrio ecológico, a qualidade do ambiente. É essa qualidade que se tornou o bem da vida a ser tutelado, definido pela Constituição da República como "bem de uso comum do povo" e essencial à saudável qualidade de vida.

Mesmo quando os elementos constitutivos do meio ambiente são propriedade privada, o proprietário não pode dispor da qualidade ambiental, pois se trata de bem indisponível de todo o povo. Assim como a água, o ar, a qualidade ambiental não são bens públicos ou privados, são de interesse público e essencial à qualidade de vida.

A legislação procura tutelar setores do universo meio ambiente, regulando ora a floresta, ora a fauna, a água, o mar, o ar, o sossego auditivo ou a paisagem visual.

3.2.3 Código de Proteção e Defesa do Consumidor

Em uma observação inicial, pode-se questionar a relação entre o Código do Consumidor e o objeto deste estudo. No entanto, a aplicação do diploma é substancialmente inerente à matéria ambiental, pois traz em seu bojo as definições do que sejam interesse ou direitos difusos, coletivos e os individuais homogêneos, conceitos fundamentais para a tutela ambiental aplicáveis, uma vez que o CDC é norma cogente.

A lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, surgiu a partir do mandamento constitucional dos artigos 5º, XXXII e 170, V e do disposto no artigo 48 do ADCT.

É uma norma de ordem pública e interesse social, conforme se autodenomina no artigo primeiro. Desta afirmativa pode-se extrair que seus preceitos deverão prevalecer sobre outros que não apresentem tal característica, fundamento que legitima o diploma a produzir efeitos em diversos contextos, em especial no ambiental.

Ordem pública, ou cogente, traduz a ascendência ou primado de um interesse que a regra tutela, exigindo seu cumprimento independentemente das intenções ou vontade das partes contratantes, ou dos indivíduos a que se destinam, tornando indisponível o seu conteúdo. Assim, em decorrência do alto interesse social, chamados interesses de ordem pública, as partes ficam obrigadas a obedecer ao mandamento da norma. [60]

A declaração de que a norma é cogente cabe ao próprio legislador, como se observa no diploma em estudo. [61]

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor é um diploma legal com vocação constitucional, vez que materializa princípios contidos dentre os direitos e garantias fundamentais do cidadão (art. 5º, XXXII, CR/88) e da ordem econômica e social (art. 170, V, CR/88). Suas normas são de ordem pública versando, assim, sobre direitos indisponíveis, a ensejar a sua observância de ofício. Felizmente, não só a Magistratura de primeiro grau, como a das mais altas cortes do país, vêm assimilando bem esta nova concepção. [62]

Em relação à matéria ambiental, a importância do Código de Defesa do Consumidor é fundamental, tendo em visa que o artigo 81, em seu parágrafo único, define quais são os interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Tais definições são aplicáveis a qualquer matéria, em especial à ambiental, justamente por se tratar de norma cogente e de aplicabilidade imediata.

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. [63]

Em tema ambiental, as definições de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos são extraídas do código consumeirista justamente por se tratar de norma de interesse público e de aplicabilidade imediata.

3.2.4 Lei de crimes ambientais

Consolidando a legislação relativa ao meio ambiente na esfera penal, o Congresso Nacional aprovou em 12 de fevereiro de 1998, a partir de projeto enviado pelo Poder Executivo, a lei 9.605 que define os crimes contra o meio ambiente, o alcance da ação do Poder Público, tanto na esfera penal quanto na administrativa, além de dispor sobre o processo penal e a cooperação internacional voltada para a preservação ambiental.

Conhecida como Lei de Crimes Ambientais, uma de suas maiores conquistas foi a classificação como crime de atos que o Código Florestal considerava simples contravenção penal. Entre outras vitórias, ressaltam-se o acolhimento da responsabilidade penal da Pessoa Jurídica e o estabelecimento de multas e penas alternativas para os infratores, como medida educativa.

É justamente a Lei de Crimes Ambientais o dispositivo legal que atualmente tem o poder de tutelar criminalmente a vegetação brasileira. A lei 9.605/98 é formada por 82 artigos reunidos em oito capítulos. A seção II, que trata dos crimes contra a flora, define detalhadamente os atos considerados criminosos, nos artigos 38 a 50, estabelecendo penas de detenção ou multa, ou ambas cumulativamente em alguns casos.

Assim, é crime destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção; cortar árvore em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente; causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o artigo 27 do Decreto 99.274/90, que protege as áreas circundantes destas Unidades, em um raio de dez quilômetros, independentemente de sua localização.

Em relação a este artigo, o legislador cominou pena de um a cinco anos, valorando um tipo penal que não está adequadamente descrito, afinal, não há definição do que seja "dano indireto". Causa estranheza, na visão de Edis Milaré, tal rigor a qualquer dano em Unidade de Conservação (pena de reclusão de um a cinco anos) quando comparado com o dispositivo do artigo 50 que prevê pena de detenção de três meses a um ano para a completa destruição de floresta nativa. [64] Além disso, a lei faz referência a simples decreto legislativo, diploma que pode ser modificado ou revogado a qualquer tempo, segundo a vontade do governante, esvaziando assim o tipo penal.

Alexandre de Morais define decreto legislativo como "espécie normativa destinada a veicular as matérias de competência exclusivas do Congresso Nacional, previstas basicamente no artigo 49 da CRFB/88". Desta forma, é importante observar que o procedimento legislativo para a criação do decreto não está previsto na Carta Maior, cabendo ao próprio Congresso discipliná-lo. [65] Tecnicamente, as falhas neste artigo criam um crime mal tipificado e com referência a um diploma legal instável, ensejando falta de segurança jurídica em relação à matéria.

A relação dos crimes ambientais inclui ainda provocar incêndio em mata ou floresta; fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas florestas e demais formas de vegetação, em áreas urbanas ou qualquer tipo de assentamento humano.

Quanto a este último ponto, René Ariel Dotti assinala que, se uma conduta não for identificada pela comunidade como ofensiva, não deve ser considerada como crime.

O Direito Penal está condenado a ser letra morta se não for vivido pelo povo, isto é, sustentado pela opinião popular. No momento em que a lei se esforça em reprimir uma conduta tida socialmente como não agressiva ou se omite em sancionar um comportamento ofensivo, ela corre o risco de ser desacreditada. [66]

No caso em tela os festejos populares de São João tradicionalmente enraizados na cultura popular têm na fabricação e soltura de balões uma de suas mais antigas tradições, conforme se observa na conhecida cantiga composta por João de Barro:

O balão vai subindo

vem caindo a garoa

o céu é tão lindo

e a noite é tão boa...

São João, São João,

Acende a fogueira do meu coração! [67]

Melhor seria se tal conduta fosse prevista como infração administrativa ou contravenção, medidas estas combinadas com campanhas educativas para conscientização da população para os riscos ambientais da soltura de balões.

Convém observar uma jurisprudência colhida do Tribunal de Justiça de São Paulo:

SEGURO – Incêndio – Sinistro ocasionado por queda de balão e explosão de fogos de artifício – Fogo detonado pela chama-piloto do balão – Fato que não pode ser descaracterizado – Verba devida – Recurso não provido. [68]

O texto do artigo 43, que foi vetado, criminalizava o uso de fogo em florestas ou outras formas de vegetação sem as precauções necessárias para evitar a sua propagação. Os juristas consideram lamentável este veto, entretanto a conduta ainda pode ser criminalizada, aplicando-se o delito previsto no artigo 54, § 2°, II que tipifica a poluição atmosférica.

Também é crime extrair de florestas de domínio público, ou considerada de preservação permanente, sem prévia autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais; bem como cortar ou transformar em carvão madeira de lei, assim classificada por ato do Poder Público, para fins industriais, energéticos ou para qualquer outra exploração, econômica ou não, em desacordo com as determinações legais.

E, ainda, receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor, outorgada pela autoridade competente e sem munir-se da via que deverá acompanhar o produto até o beneficiamento final. Incorre nas mesmas penas, de seis meses a um ano, e multa, quem vende, expõe à venda, tem em depósito, transporta ou guarda madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento outorgada pela autoridade competente.

São também consideradas criminosas as ações de impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação, puníveis com pena de detenção de seis meses a um ano e multa, assim como destruir, danificar lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia, que merecem a pena de detenção de três meses a um ano, ou multa, ou ambas cumulativamente. Estabelece que, em caso de crime culposo, a pena será de um a seis meses, ou multa.

Mais uma vez observa-se um exagero do legislador. Tal conduta deveria estar prevista como infração administrativa ou contravenção, sob pena de se desacreditar a lei e contribuir para a ineficácia da tutela penal da flora. Criminalizar o dano culposo a uma planta ornamental demonstra ainda que não há uma adequada valoração ao bem da vida a ser tutelado em comparação com a mesma pena prevista para a total destruição de floresta nativa, conforme preceitua o artigo 50.

Imagine que uma pessoa utilize-se de determinado galho ou broto de planta ornamental para produção de uma muda. Ou subtraia uma flor de uma praça pública para adornar uma fotografia ou presentear a namorada. À luz da lei, tais atitudes, louvadas pela sociedade, são consideradas criminosas. Só que são também letras mortas com poder de desacreditar todo o arcabouço legislativo para a tutela da flora.

Conforme ensina Damásio, o dispositivo em tela fere o princípio da intervenção mínima do Direito Penal que determina que a criação de tipos delituosos deve obedecer à imprescindibilidade, somente devendo haver a intervenção estatal pelo Direito Penal quando os demais ramos do direito não forem suficientes para prevenir a conduta. Também o princípio da insignificância não foi observado, pois recomenda que a tutela penal deve ser aplicada apenas quando houver certa gravidade, reconhecendo a atipicidade nas perturbações jurídicas leves. [69]

Pela Lei de Crimes Ambientais está sujeito a pena de detenção de três meses a um ano, e multa, quemdestruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação. Também quem comercializar motosserra ou utilizá-la em florestas e nas demais formas de vegetação, sem licença ou registro da autoridade competente.

O artigo 52 da lei 9.605/98 estabelece que quem penetrar em unidades de conservação conduzindo substâncias ou instrumentos próprios para caça ou para exploração de produtos ou subprodutos florestais sem licença da autoridade competente pratica crime ambiental, passível de detenção de seis meses a um ano, e multa.

Em todos os crimes previstos na seção II, que trata dos crimes contra a flora, pelo artigo 53 a pena é aumentada de um sexto a um terço se:

I – do fato resulta a diminuição de águas naturais, a erosão do solo ou a modificação

do regime climático;

II o crime é cometido:

(a)no período de queda das sementes;

(b)no período de formação de vegetações;

(c)contra espécies raras ou ameaçadas de extinção, ainda que a ameaça ocorra somente no local da infração;

(d)em época de seca ou inundação;

(e)durante a noite, em domingo ou feriado.

Desta forma o legislador qualificou os crimes contra a flora, cominando penalidade agravada. Mas, mesmo que se aplique ao infrator as circunstâncias qualificadoras, dificilmente as espécies penais previstas indicariam que se trata de crimes importantes, cabendo, muitas vezes, a transação penal em Juizado Especial. Fica, portanto, evidenciado mais uma vez que a valoração dada pela sociedade está aquém da real importância da matéria, remetendo ao pensamento de que há um caminho a percorrer até se chegar a um sistema jurídico à altura do problema ambiental que a sociedade brasileira tem de enfrentar.

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Sobre o autor
Pedro de Vasconcelos

biólogo, bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Santa Úrsula/RJ, bacharelando em Direito pela Universidade Estácio de Sá/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASCONCELOS, Pedro. Estudo acerca da legislação ambiental, com ênfase na tutela jurídica da flora brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 792, 3 set. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7225. Acesso em: 24 nov. 2024.

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