Reconhecimento do tempo de contribuição para trabalhadores menores de 18 anos.

Um recorte aos trabalhadores domésticos

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6. POSICIONAMENTO DO INSS QUANTO À CONTAGEM DO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO NO PERÍODO DO TRABALHO INFANTIL ILEGAL.

O Instituto Nacional do Seguro Social traz como previsão legal, quanto ao limite etário, os fundamentos do art. 7º XXXIII, da Constituição Federal e das Leis nos 8212/91, 8213/91 e o Decreto 3048/99, os quais, respectivamente, estabelecem:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998). Grifei

Art. 14. É segurado facultativo o maior de 14 (quatorze) anos de idade que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social, mediante contribuição, na forma do art. 21, desde que não incluído nas disposições do art. 12. Grifei

Art. 13. É segurado facultativo o maior de 14 (quatorze) anos que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social, mediante contribuição, desde que não incluído nas disposições do art. 11. Grifei

Art. 18, § 2º A inscrição do segurado em qualquer categoria mencionada neste artigo exige a idade mínima de dezesseis anos. Grifei

Posicionamento esse altera-se quanto à época de cada Carta Constitucional, sejam quando admitidas 12, 14 ou 16 anos, como já demonstrado acima pelo art. 7º da IN 77/2015, mas para tanto é necessário o início de prova material, valendo aquelas documentais, além de prova testemunhal idônea.

Para os trabalhadores rurais a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição não requer a efetiva contribuição pecuniária. Eles são enquadrados como segurados especiais que exercem a sua atividade diária de forma individual ou com o auxílio da família, basta apenas a comprovação do tempo de serviço exercido como rural, comprovando com algum desses documentos:

  • § contrato de arrendamento, parceria, meação ou comodato rural, cujo período da atividade será considerado somente a partir da data do registro ou do reconhecimento de firma do documento em cartório;

  • § declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo INSS;

  • § comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, através do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR ou qualquer outro documento emitido por esse órgão que indique ser o beneficiário proprietário de imóvel rural;

  • § bloco de notas do produtor rural;

  • § notas fiscais de entrada de mercadorias, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor e o valor da contribuição previdenciária;

  • § documentos fiscais relativos à entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;

  • § comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção;

  • § cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural;

  • § comprovante de pagamento do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR, Documento de Informação e Atualização Cadastral do Imposto sobre a propriedade Territorial Rural – DIAC ou Documento de Informação e Apuração do Imposto sobre a propriedade Territorial Rural – DIAT entregue à Receita Federal;

  • § licença de ocupação ou permissão outorgada pelo INCRA ou qualquer outro documento emitido por esse órgão que indique ser o beneficiário assentado do programa de reforma agrária; ou

  • § certidão fornecida pela FUNAI, certificando a condição do índio como trabalhador rural;

  • § a Declaração de Aptidão do PRONAF (DAP), a partir de partir de 7 de agosto de 2017.

Com esses documentos em mãos, fica mais fácil para o trabalhador infantil comprovar seu vínculo com a atividade rural.

Por outro lado, a comprovação do vínculo empregatício para os trabalhadores domésticos é muito difícil, pois apenas a prova testemunhal não é o suficiente.

O INSS na Nota 76/2013 admite que, uma vez reconhecida na esfera trabalhista a relação de emprego do menor de 16 anos, possa a autarquia considerá-lo segurado e outorgar efeitos de proteção previdenciária em relação ao mesmo.

Para o Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Junior, os documentos que o INSS pretende ver emitidos em nome de cada um dos segurados nunca o seriam efetivamente emitidos, na dura realidade da vida do trabalho infantil. Isto porque, não há como se pretender que determinada pessoa que faça uso do trabalho irregular e proibido de menores de idade vá legitimar e publicizar tal relação com os registros documentais e contábeis respectivos, até por ser descabido o uso de tal mão-de-obra.

Apesar de todas as tentativas para “amenizar” tantas discussões, mas o INSS tem sustentado a tese de que, uma vez que a Carta Magna de 1988, trata como ilegal trabalho para menores de 16 anos, salvo para os aprendizes, com 14 anos de idade, então não é constitucional que o INSS acate a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição para menores dessa faixa etária, mesmo se tratando de trabalhador rural.


7. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL BRASILEIRO

Como já discutido anteriormente, a idade para o trabalho permitida pelas Constituições Federais variou ao longo dos anos, entre 12 e 14 anos, hoje firmado aos 16 anos, com a possibilidade a partir dos 14 anos como jovem aprendiz e para os empregados domésticos 18 anos de idade para o desempenho do labor.

A Lei 8.213/91, que regula os benefícios da previdência social, em seu art. 11, inciso VII alínea c, afirma que para filhos maiores de 16 anos de idade ou a este equiparado são considerados segurados obrigatórios como segurado especial

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: (Redação dada pela Lei nº 8.647, de 1993)

VII - como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:

c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. (BRASIL, 1991; 1993; 2008 – grifei)

Observa-se que a idade ainda é divergente quando se trata da concessão de benefícios para trabalhadores urbanos e rurais.

Na edição de nº 94, de novembro de 2017, as Jurisprudências em Teses trouxeram, mediante exaustiva pesquisa na base de jurisprudência, a confirmação do que já vem adotando em diversas decisões, de que

O tempo de serviço em atividade rural realizada por trabalhador com idade inferior a 14 anos em regime de economia familiar, ainda que não vinculado ao Regime de Previdência Social, pode ser averbado e utilizado para o fim de obtenção de benefício previdenciário. (STJ no AR 3.877-SP, 2012).

O Superior Tribunal de Justiça em Agravo Regimental no Recurso Especial de nº 1043663 SP 2008/0066800-9 decide quanto às provas

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL POR TEMPO DE SERVIÇO. CONTAGEM DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. AUSÊNCIA DE FATO NOVO CAPAZ DE ALTERAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. PROVA TESTEMUNHAL E PROVA MATERIAL CAPAZ DE PRODUZIR EFEITOS PARA PERÍODO ANTERIOR. VALORAÇÃO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO NOTÓRIO. MITIGAÇÃO DE EXIGÊNCIAS FORMAIS. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O agravo regimental não apresentou fato novo capaz de alterar os fundamentos da decisão agravada que deu provimento ao recurso especial do segurado para restabelecer a r. sentença monocrática de fls. 82-92/e-STJ. 2. Esta Corte firmou entendimento no sentido de que para o reconhecimento do labor rural, não se exige que a prova material abranja todo o período de carência, podendo, inclusive, produzir efeitos para período de tempo anterior e posterior nele retratado, desde que haja prova testemunhal apta a ampliar a eficácia probatória dos documentos, no sentido da prática laboral referente ao período de carência legalmente exigido à concessão do benefício postulado. 3. De acordo com a jurisprudência do STJ, a valoração das provas dos autos não encontra óbice na Súmula 7/STJ. 4. "Em se tratando de divergência notória, abrandam-se as exigências de natureza formal, como a demonstração analítica da divergência e a indicação do repositório oficial em que publicado o aresto paradigma, especialmente se, tal qual ocorre na espécie, tal decisão é do próprio Superior Tribunal de Justiça." (REsp 730934 / DF, Relatora Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, Data do Julgamento 04/08/2011, DJe 22/08/2011) 5. Agravo regimental a que se nega provimento. grifei

(STJ - AgRg no REsp: 1043663 SP 2008/0066800-9, Data de Julgamento: 18/06/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/07/2013).

As discussões quanto a idade inicial para a contagem por tempo de serviços aos rurícolas chegou a Suprema Corte para uma discussão mais ampla. Em Recurso Extraordinário de nº 889.635 SP, de 15 de junho de 2015, que tem como relatora a Ministra Cármen Lúcia, e que discorre de forma brilhante

Todavia, a despeito de haver reconhecido o tempo de serviço laboral, o fez somente a partir da data em que o recorrido completou 12 anos de idade ao fundamento de que ‘a norma não pode ser flexibilizada a ponto de ser reconhecida atividade laboral à criança (...), pois seria banalização do comanda constitucional’, e que considerar o trabalho da criança menor de 12 anos ‘se estaria a reconhecer judicialmente a exploração do trabalho infantil’

[...]

A orientação adotada pelo Tribunal de origem não está em sintonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o inciso XXXIII do artigo 7º da Constituição Federal não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral, haja vista que a regra constitucional foi criada para a proteção e defesa dos trabalhadores, não podendo ser utilizada para privá-los dos seus direitos. Com efeito, ainda que a Constituição proíba o trabalho infantil, uma vez ocorrido, deve ser considerado para efeito dos benefícios que lhe são inerentes (STF, 2015).

Observa-se que o posicionamento da Suprema Corte visa o amparo a criança, independentemente de a idade inicial para o trabalho ser inferior ao que é determinada pela Carta Magna em qualquer época, 12, 14 ou 16 anos.

Em decisão recente, abril de 2018, a 6ª turma do STJ em ação civil pública nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, por maioria, decidiu negar provimento ao apelo do INSS e dar provimento ao recurso do MPF, e em consonância com o voto da Desembargadora federal Salise Monteiro Sanchotene, decidiu pelo reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11. da lei 8213/91, mostra-se possível ser computado período realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja sem a fixação de requisito etário, tal decisão teve abrangência nacional.

Segundo a ação civil pública, o MPF sustentou que:

  • a) a Constituição Federal, em seu art. 7º, XXXIII, assegura o direito trabalhista à proibição do trabalho do menor, todavia não veda o reconhecimento do tempo de serviço ou contribuição na hipótese da ocorrência indesejada de trabalho infanto-juvenil;

  • b) o não reconhecimento, por parte do INSS, da atividade desempenhada por conta de limite etário fixado por norma de natureza trabalhista fere os princípios constitucionais da universalidade, da legalidade estrita - e o próprio art. 11. da Lei 8.213/91 -, da proteção geral do trabalhador, da justiça social e do direito adquirido;

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  • c) não pode o trabalhador ser punido duplamente: uma vez com a perda de sua infância em razão do trabalho, e outra com o não reconhecimento desse trabalho pelo INSS, que o faz sem qualquer fundamento jurídico, de modo prejudicial ao trabalhador;

  • d) a jurisprudência dos Tribunais Superiores vem reconhecendo o tempo de serviço constituído mesmo em idade anterior aos 12 anos;

  • e) nenhum ilícito será estimulado com a procedência da presente demanda, já que não decorre da lógica essa conclusão, sendo fato irrefutável que o INSS não quer é reconhecer o direito advindo do trabalho que foi prestado precocemente;

  • f) a autarquia previdenciária possui todos os meios necessários para fins de verificar se o segurado exerceu atividades abrangidas pela Previdência Social, de modo que não se trata de competência exclusiva do Poder Judiciário aferir a existência, ou não, de labor anterior ao limite etário mínimo.

Em entendimento contrário a maioria dos desembargadores, o relator Hermes Siedler da Conceição Junior decidiu que a pretensão em admitir o reconhecimento para fins previdenciários de todo e qualquer labor exercido por crianças ou adolescentes, independentemente da idade, não pode ser acolhida. Para ele, inexiste norma de conteúdo e relevância superior à constitucional, sendo ela, espaço de produção legislativa do constituinte e que o adequado é manter não apenas a vedação existente como incrementar, sempre, a fiscalização e repressão a tal prática sem descuidar de, agindo especificamente nos casos concretos dos indivíduos prejudicados por tal chaga, pleitear a devida reparação civil, indenização trabalhista, proteção previdenciária e tutela penal. A intenção de generalidade e inespecificidade da ação em retirar os preceitos que impedem a filiação previdenciária anterior à idade fixada na Constituição, transferiria para o INSS a necessidade de, em suas rotinas administrativas, apreciar questão absolutamente distinta da relação previdenciária.

Como o mesmo entendimento acima, a Desembargadora Vânia Hack de Almeida diverge apenas no cômputo sem qualquer limitação etária, como pretende o MPF, ou mesmo limitada aos 9 anos de idade, como entendeu o Relator Hermes Siedler, entendendo viável reconhecer o labor do menor a partir dos 12 anos de idade. Mas, por decisão da maioria o acordão foi proferido pela não fixação de requisito etário.

Na área rurícola já é pacificado, pelo STF, o entendimento de que é possível computar para a aposentadoria o tempo de trabalho por menor de 12 anos, o que se busca nessa discussão é que esse entendimento possa ser estendido a qualquer classe, em especial aos trabalhadores domésticos, apesar da abrangência nacional proferida pela Ação Civil Pública em tela.

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Sobre a autora
Alexsandra Souza Vilas Boas de Almeida

Advogada e Especialista em Direito e Processo do Trabalho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Direito da Universidade Estácio de Sá em parceria com o CERS como requisito parcial para obtenção do certificado de Especialista em Direito e Processo do Trabalho.

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