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Números do Poder Judiciário brasileiro: expansão de atuação e comparação com sistemas europeus

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18/03/2019 às 12:15
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Conclusão

Há, hoje, 18.168 magistrados no Brasil, o aumento do número foi marcante. Houve um contexto social e normativo que justificou essa tendência, mas sua efetivação nos números observados é bastante relevante por si, pois dependeu de uma expansão administrativa e da disposição em dispor de mais recursos na instituição. Há 34,7% mais juízes em 2017 do que havia em 2009 e 268,51% mais do que em 1990, um aumento maior que o populacional e que demonstra o esforço para aumentar o acesso à justiça no Brasil.

Por outro lado, o número de processos no Brasil apenas aumentou, um total de 704,89% em relação a 1990. Os esforços de julgamento estão sempre próximos da nova carga recebida, e sobem junto com o de magistrados e a informatização, mas as iniciativas não têm sido suficientes. O Poder Judiciário precisa encontrar meios de julgar mais casos ou de diminuir, por outras vias, a quantidade de processos que ingressam no sistema. Meios como a conciliação e melhor organização administrativa podem ser eficientes no cenário.

Sob a análise comparada, o Brasil não ocupa nenhum extremo, mas está perto de vários. É um país com um número baixo de juízes em relação à sua população, 8,58 por 100 mil habitantes, no qual mudanças políticas e sociais criaram um ambiente de alta litigiosidade. Por motivos políticos, do papel atribuído ao Poder Judiciário na Constituição de 1988 e da própria postura dos magistrados, houve um grande incremento no número de casos novos. Neste quesito, o Brasil tem 1.649 casos por 100 mil habitantes, a quarta maior taxa. Em suma, comprando com outros países, o Brasil tem tanto uma taxa de magistrados baixa quanto uma de processos novos muito alta.

As dificuldades de acesso são visíveis, já eram narradas na doutrina desde o início de vigência da Constituição e, desafortunadamente, existiam historicamente desde muito antes, acompanhando a crônica dificuldade cultural e burocrática de impor o Estado de Direito. A estatística utilizada para mostrar o efeito concreto foi a de tempo de espera para o julgamento de casos criminais. Os mais de 200 mil presos brasileiros nessa situação aguardam, em média, 368 dias, um número bastante alto, inferior apenas à media italiana e mais alta que todos os outros países europeus. É uma pequena demonstração de um problema visto diariamente, no qual as pessoas ficam à mercê de longos prazos processuais, atrasando a efetivação de seus direitos, diminuindo a confiança sobre a justiça e contribuindo para as dificuldades sociais.

A sociedade brasileira sempre prestigiou seus juristas, tem um grande número de cursos de Direito e interessados em seguir nessas carreiras. Existe capacidade em potencial para que estruturas sejam alteradas ou expandidas e o número de processos aguardando julgamento possa entrar em um declínio sustentado e, futuramente, os prazos brasileiros estejam adequados ao padrão internacional. O processo de implementação do Estado de Direito no país passa, como diz o artigo 5º, LXXVIII, da Constituição pela duração razoável do processo, um direito constitucional reconhecido aos brasileiros e atualmente não cumprido adequadamente.


Referências

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Notas

[1] O número de países em cada gráfico comparado irá variar, pois nem todos os países do Conselho Europeu entregaram as estatísticas sobre todos os quesitos. Este trabalho não excluiu nenhum país, todas as faltas são por inexistência dos dados.

[2] Trecho retirado de outra pesquisa deste autor trazendo dados sobre a Defensoria Pública, hoje responsável por atender cerca de 80 milhões de brasileiros: "Dados do IPEA de 2013, no estudo “Mapa da Defensoria Pública no Brasil”, apontam que 95,4% das comarcas brasileiras tem déficit e dois terços desse percentual não tem qualquer atendimento da defensoria. Apenas 12,7%, 124 comarcas no Brasil, tem o percentual considerado adequado naquela metodologia, de necessidade de ao menos um defensor para cada 10 mil habitantes. ... Por todo o cenário, o total de defensores públicos ativos, ainda que seu número cresça rapidamente, mostra uma realidade muito afastada do sistema que considera o total de advogados. Há 6.062 defensores públicos no Brasil" (FELONIUK, 2017, p. 67).

[3] A conclusão do texto de Luís Roberto Barroso é elucidativa sobre sua compreensão do fenômeno, em maior ou menor grau compartilhada por muitos acadêmicos e aplicada diariamente por magistrados na sua atuação: "O novo direito constitucional ou neoconstitucionalismo desenvolveu-se na Europa, ao longo da segunda metade do século XX, e, no Brasil, após a Constituição de 1988. O ambiente filosófico em que floresceu foi o do pós-positivismo, tendo como principais mudanças de paradigma, no plano teórico, o reconhecimento de força normativa à Constituição, a expansão da jurisdição constitucional e a elaboração das diferentes categorias da nova interpretação constitucional. Fruto desse processo, a constitucionalização do Direito importa na irradiação dos valores abrigados nos princípios e regras da Constituição por todo o ordenamento jurídico, notadamente por via da jurisdição constitucional, em seus diferentes níveis. Dela resulta a aplicabilidade direta da Constituição a diversas situações, a inconstitucionalidade das normas incompatíveis com a Carta Constitucional e, sobretudo, a interpretação das normas infraconstitucionais conforme a Constituição, circunstância que irá conformar-lhes o sentido e o alcance. A constitucionalização, o aumento da demanda por justiça por parte da sociedade e a ascensão institucional do Poder Judiciário provocaram, no Brasil, uma intensa judicialização das relações políticas e sociais" (BARROSO, 2005, p. 47).

[4] Com ano-base 2017.

[5] Nesta seção, os dados trazidos são, quase na totalidade, retirados do relatório Justiça em Números de 2018, com dados do ano-base 2017, elaborado anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça. Para dados de comparação com a população brasileira, será utilizada a população estimada em 207.660.929, conforme publicado em agosto de 2017 pelo Ministério do Planejamento, considerando o ano base da pesquisa.

[6] Neste último grupo estão 71.969 terceirizados, 67.708 estagiários e 19.026 conciliadores.

[7] Ainda que tenha permanecido o quadro de subutilização dos cargos existentes, que sempre foi incrementado em ritmo ainda maior e não chegou a ser plenamente preenchido.

[8] Há expressa preocupação na Introdução do relatório de 2008 e planos para a melhora da coleta a partir da próxima edição (CONSELHO, 2009, p. 4).

[9] Os números da linha iniciada por 24,6 são os casos novos que ingressaram no Poder Judiciário e, na linha iniciada por 25,3, está o número de casos baixados naquele ano.

[10] A comparação é feita com um número menor de países do Conselho. Isso ocorre porque mais países entregaram dados sobre o número de magistrados do que o de processos.

[11] O número de dias aguardados para o julgamento em ações penais é um dado elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça pela primeira vez em 2017, por serem os únicos, eles serão comparados com os dados europeus de 2014.

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Sobre o autor
Wagner Feloniuk

Professor Adjunto de Direito Constitucional no Curso de Relações Internacionais (2019) e Professor Permanente no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Doutorado (2013-2016), mestrado (2012-2013), especialização (2011) e graduação (2006-2010) em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pós-doutorado na Mediterranea International Centre for Human Rights Research, Università degli Studi Mediterranea di Reggio Calabria/Itália (2021). Recebeu Láurea Acadêmica na graduação, dois votos de louvor no doutorado, e bolsa de estudos para realização do mestrado, doutorado e estágio pós-doutoral. Coordenador do Projeto de Pesquisa: Observatório do Sistema Judiciário Brasileiro. Pesquisador dos projetos CAPES: A formação de ordens normativas no plano internacional, Núcleo de Estudos em Políticas Públicas e Opinião. Organizador dos Ciclos de Palestras das Relações Internacionais/FURG, Direito/UFRGS, PPGH/FURG e História e Direito/ANPUH, do Congresso Direito e Cultura (2014-2021). Organizou e palestrou em eventos na Argentina, Bolivia, Chile, Colômbia, Espanha, França, Itália, Inglaterra, Uruguai. Editor da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e da Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, ex-Editor da Cadernos de Pós-Graduação do Direito/UFRGS e Revista da Faculdade de Direito da UFRGS. Membro da Associação Nacional de História, Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito, Associação Brasileira de Editores Científicos, Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul e do ST História e Direito da ANPUH/RS. Áreas de Pesquisa: Direito Constitucional, História do Direito. Autor dos livros A Constituição de Cádiz: Análise da Constituição Política da Monarquia Espanhola de 1812, A Constituição de Cádiz: Influência no Brasil e série organizada Perspectivas do Discurso Jurídico. Áreas de Pesquisa: Direito Constitucional, História do Direito, Teoria do Estado. Publicações: http://ufrgs.academia.edu/WagnerFeloniuk

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELONIUK, Wagner. Números do Poder Judiciário brasileiro: expansão de atuação e comparação com sistemas europeus. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5738, 18 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72709. Acesso em: 10 mai. 2024.

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