A Emenda Constitucional N° 19 de 1998, também conhecida como reforma administrativa, criou uma série de alterações da Administração Pública brasileira, sendo que muitos desses dispositivos apenas estão sendo melhor compreendidos em momentos como a atual crise que passamos.
Desde a introdução do princípio da eficiência no artigo 37 da CF, já deu o tom da inspiração na escola econômica de Chicago, nas alterações que seguiriam a Administração Pública.
O texto após a reforma ficou assim:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Além da introdução do princípio da eficiência, vale também destacar a possibilidade, que deve ser regrada em lei, da entrada de estrangeiros no serviço público brasileiro.
Ao mesmo tempo, reforça o acesso ao serviço público sempre regrado em previsão legal, e permite a exoneração de cargo comissionado, bem como sua nomeação direta.
Esses dispositivos ganham relevância nesse momento, bem como os julgados das Leis que o regulamentam.
A crise fiscal aumentou a importância de alguns julgados do STF. Esse é o caso das sete Ações de Inconstitucionalidade, que depois de quase 17 anos, o Supremo Tribunal Federal vai julgar seu mérito, demandas que ingressaram na Justiça contra dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O julgamento ocorre nos próximos dias, quando os ministros do Supremo dirão se os dispositivos da lei, que foram suspensos por liminares, são ou não constitucionais.
Entre os dispositivos, estão aqueles que permitem aos governos (Federal, Estadual e Municipal) reduzirem os valores de cargos e funções e promover a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária.
É de se destacar antes que a EC19/98, ampliou o período de estágio probatório, que era de 02 para 03 anos, logo os concursados após 98 e que estejam dentro do período de estágio probatório, ou seja ingressaram nos últimos anos podem ser alcançados pelas medidas de redução da folha em até 20%.
O texto após a Emenda Constitucional ficou assim:
“Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.
§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:
I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;
II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;
III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.
Evidentemente que o único requisito para aquisição da estabilidade não é apenas o tempo de serviço, mas é necessário a avaliação por comissão constituída com essa finalidade, assim prevê o texto Constitucional do referido artigo:
“§ 4º Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade."
A emenda ainda tratou do respeito e da necessidade de disciplina fiscal, criando limites, que hoje estão previstos na lei de Responsabilidade Fiscal. Previsão essa encontrada na Magna Carta:
“Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.”
Note que as despesas com pessoal compreendem todos os servidores sejam eles ativos ou inativos. Muitos estão entendendo ainda que as despesas com pessoal terceirizado não compreendem os limites da responsabilidade fiscal, evidentemente que esse ponto requer uma discussão profunda que pretendemos fazer em outro artigo.
Com a prudência que a matéria requer, o legislador Constituinte derivado foi além estabelecendo esses limites, nas despesas de pessoal:
“§ 1º A concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, a criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público, só poderão ser feitas:
I - se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes;
II - se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas as empresas públicas e as sociedades de economia mista."
É importante destacarmos que o limite se estende ao conceito de remuneração, que no caso da administração pública direta, se divide em remuneração principal e acessória, sendo a primeira os vencimentos e a segunda as vantagens pessoais, que muitas vezes são criadas privilegiando categorias em detrimento de outras.
É necessário ter a compreensão que o orçamento é sempre uma peça de ficção, que depende em seu exercício das condições econômicas planejadas, por isso uma retração econômica, em três anos seguidos implica em um novo contingenciamento, por isso que prefeituras e Estados que já tinham seus orçamentos no limite da “irresponsabilidade fiscal”, vivem nesse momento um verdadeiro caos.
O não atendimento aos limites da lei de responsabilidade Fiscal, implica em não repasse de verbas, até que aquela unidade da Federação (Estado e ou Município) realize as medidas necessárias para enquadramento, previsão essa também da magna Carta:
“§ 2º Decorrido o prazo estabelecido na lei complementar referida neste artigo para a adaptação aos parâmetros ali previstos, serão imediatamente suspensos todos os repasses de verbas federais ou estaduais aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que não observarem os referidos limites.”
A Magna Carta, através da redação dada pela Emenda Constitucional N° 19/98 elaborou a série de medidas para adequação, aos Limites da Lei de Responsabilidade fiscal, assim prescrevendo:
“§ 3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências:
I - redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança;
II - exoneração dos servidores não estáveis.”
Nesse momento há uma grande expectativa no Governo Federal, nos Estados e nos Municípios sobre a decisão do Supremo, pois se trata de resgatar a plenitude e efetividade da Lei de responsabilidade Fiscal, e ao mesmo tempo garantir mais instrumentos para o enfrentamento da grave crise das finanças públicas e melhorando as expectativas dos agentes econômicos.
Caso os ministros do Supremo considerarem que os dispositivos questionados e que já foram suspensos por liminares são, efetivamente, inconstitucionais? Como os Estados e Municípios, que estão em situação falimentar ou pré-falimentar, farão para ajustar suas contas? Não resta dúvida que a interrupção dos serviços públicos e o atraso dos vencimentos será uma constante.
O texto constitucional autoriza, explicitamente, a redução em pelo menos 20% das despesas com cargos em comissão e funções de confiança e a exoneração dos servidores não estáveis. É bom lembrar que essas medidas estavam no projeto de lei complementar que iria instituir o regime de recuperação fiscal dos Estados, mas que foram suprimidas pelos deputados, depois de terem sido aprovadas pelo Senado.
No entanto, se as duas medidas não forem suficientes para que os Estados em situação falimentar resolvam os seus problemas, no caso deles, é necessário reduzir substancialmente as despesas com pessoal. A Magna Carta fez previsão acerca da insuficiência dessas medidas, de acordo com o poder constituinte derivado, no qual está previsto, no mesmo artigo referido acima:
“§ 4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal.”
Note que o ato normativo precisa descrever quais as funções, não podendo ser genérico, ele é individual para cada ente federativo e poder.
A lei foi além especificando inclusive a forma de indenização do servidor exonerado:
“§ 5º O servidor que perder o cargo na forma do parágrafo anterior fará jus a indenização correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço.”
Como medida de controle, o cargo extinto não pode ser recriado pelo prazo de quatro anos, logo a redução se dá por funcionalidade. Tal previsão encontra-se no mesmo dispositivo:
“§ 6º O cargo objeto da redução prevista nos parágrafos anteriores será considerado extinto, vedada a criação de cargo, emprego ou função com atribuições iguais ou assemelhadas pelo prazo de quatro anos.”
Lembrando, ainda, que é necessário uma lei nacional ordinária, norma que até o momento ainda não foi produzida, e que após a sua produção fixando as generalidades, cada ente federativo precisa produzir seu diploma, previsão decorrente da Magna Carta:
“§ 7º Lei federal disporá sobre as normas gerais a serem obedecidas na efetivação do disposto no § 4º."
O legislador, dando continuidade ao objetivo da redução da máquina pública, fez inclusive previsão da atuação em conjunto de entes federativos por consórcios públicos e convênios de cooperação, algo fundamental para os municípios menores, com a respectiva transferência de receitas e encargos:
“Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos."
Não resta dúvida alguma que, diante de todas essas dificuldades, os governadores e prefeitos estão na expectativa de saber como o governo federal vai resolver a situação dos Estados em situação falimentar. A Constituição prevê que, decorrido o prazo para o reenquadramento dos Estados e municípios nos limites definidos para os gastos com pessoal, serão imediatamente suspensos todos os repasses de verbas federais para aqueles que não observarem os limites.
A Lei de Responsabilidade Fiscal também estabelece que, não obtida a redução da despesa com pessoal no prazo estabelecido e enquanto perdurar o excesso, o Estado ou município não poderá receber transferências voluntárias da União, obter garantia, direta ou indireta e contratar operações de crédito.
Para receber a ajuda da União, e enquadrar a situação no artigo 65 da própria LRF, que suspende os prazos para o enquadramento dos Estados e municípios no limite do gasto de pessoal, quando o Estado ou município, os entes declararam por suas assembleias estaduais, estado de calamidade.
Rio, Minas e Rio Grande do Sul é apenas o começo. Vem muito mais por aí. O serviço público após a atual crise nunca mais será o mesmo.
Esse debate está apenas começando, pois temos muito mais dúvidas que precisam ser exploradas e aprofundadas atrás das melhores respostas.