A hermenêutica jurídica. Parte 1: Sistemas e meios interpretativos

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18/03/2019 às 18:45
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4 As Escolas Hermenêuticas. 

4.1 As Escolas de Interpretação. As denominadas Escolas de Interpretação ou Sistemas Hermenêuticos, são correntes de pensamentos que surgiram no Século XIX, em virtude do surgimento das grandes codificações, e dominaram, teoricamente, certas épocas, procurando estabelecer a forma ideal de relacionamento entre a norma e seu aplicador, tentando determinar, quais seriam as interpretações possíveis, e qual o grau de liberdade a ser conferida ao juiz.  

Alguns autores preferem simplesmente dividir as Escolas de Interpretação em duas grandes vertentes. As que seguem as chamadas Teorias Subjetivistas, consistente em interpretar e aplicar a lei, conforme o pensamento e a vontade do legislador, e das chamadas Teorias Objetivistas, que consistem em interpretar a lei por ela mesma, abstraindo-se da figura do legislador, baseando-se em critérios puramente objetivos. Entretanto, o entendimento moderno deve superar ideias maniqueístas para estabelecer que, é possível utilizar o que há de melhor em cada um desses pontos de vista, a fim de se chegar a um resultado mais adequado às exigências sociais. Maniqueístas, são pessoas que se comportam como se somente elas estivessem com a verdade. Os outros e suas opiniões, não são válidos ou não têm significado para ela. Destacamos as quatro principais Escolas, que se diferenciaram pela maior ou menor interferência positivista.

 (a) Escola da Exegese ou Dogmática.

 A idéia principal dos juristas dessa Escola consiste no fato de que o intérprete deve apenas buscar a chamada mens legislatoris, ou seja, a vontade do legislador, o que ele queria dizer ao elaborar a lei. Desse modo, não importará se a sociedade mudou ou evoluiu, a interpretação será sempre aquela voltada ao passado, à época da elaboração da norma. Por essa razão, o método utilizado era normalmente o gramatical ou literal, pois, para esses teóricos as palavras carregavam a vontade originária do legislador.

Essa Escola não aceitava quaisquer outras fontes, senão, a própria lei, e esta representava todo o Direito existente. Havia o endeusamento das codificações que eram consideradas obras perfeitas e completas, não se aventando a possibilidade de lacunas ou a atividade criativa da jurisprudência. O inconveniente óbvio dessa ideia, é o de que o Direito, nem sempre acompanha a sociedade, que está em constante evolução, fazendo com que as normas se tornem, muitas vezes, obsoletas e arcaicas, presas ao tempo de sua criação.

Ademais, a ideia de encontrar a vontade do legislador é completamente inadequada pelo fato de que a norma, não é produto de uma única vontade, mas sim, de muitas vontades políticas conjugadas, o que, muitas vezes é resultado de diversos debates e disputas partidárias; há, ainda, a possibilidade nada remota, do nosso legislador usar um termo inadequado ou equivocado.

A ascensão da Escola da Exegese no início do século XIX, é explicável pelo momento histórico, pois, não podemos nos esquecer que ela surge com o Código de Napoleão, que, como qualquer Código, foi inicialmente considerado obra irretocável.  Além do que, a burguesia, já então, classe dominante, vinha de um período de sofrimento, muitas vezes, perpetrado pelo arbítrio judicial, razão pela qual, levavam às últimas conseqüências, a Teoria da Separação dos Poderes, e achavam que, se o juiz tivesse liberdade para interpretar, a tirania, poderia retornar, por isso, faziam do magistrado, um vassalo do legislador. Atualmente essa Escola é relegada a um valor meramente histórico, tendo em vista, a impossibilidade de aplicação de seus princípios por demais rígidos e intolerantes.

 (b) Escola Histórico-Evolutiva.

Essa Escola, desenvolvida no final do Século XIX, quando se verificou a impossibilidade de as leis, por si só, acompanharem a sociedade, razão pela qual se passou a ver como imprescindível a atuação do magistrado auxiliando o legislador, adaptando a norma, aos novos tempos. Para essa Escola, a lei, ao contrário do que pensavam os exegetas, toma vida própria e se liberta totalmente do legislador. Assim, deixa-se de buscar a mens legislatoris (pensamento do legislador), para se buscar a mens legis (o espírito da lei) que é a vontade autônoma da própria lei, extraída pelo aplicador em qualquer tempo.

Montesquieu[11] é um dos grandes filósofos do Século XVIII. Pensador iluminista, deixou grande herança por meio de suas obras. Na obra “Do Espírito das Leis”, o autor expõe uma política essencialmente racionalista, caracterizada pela busca de um equilíbrio entre a autoridade do Poder e a liberdade do cidadão. A separação do Poder entre Executivo, Legislativo e Judiciário, surgiria da necessidade de o Poder deter o próprio Poder, evitando, assim, o abuso da autoridade. A liberdade do cidadão é um dos pontos principais da obra deste iluminista. Para Montesquieu, as leis não seriam resultados da arbitrariedade dos homens, elas surgem de acordo com a necessidade e derivam das relações necessárias da natureza das coisas.

Assim o que interessa não é mais “o que o legislador queria no momento da elaboração”, mas sim “o que ele iria querer se vivesse no momento e contexto atuais. ” A idéia principal era adaptar a velha lei aos tempos novos, “dando vida aos Códigos”

Ressalte-se que o intérprete não tem qualquer poder inventivo ou integrador, devendo manter-se no âmbito do texto legal, pois, essa Escola Histórico-Evolutiva também não admitia, assim como a Escola da Exegese, que o Sistema Jurídico fosse omisso, não fazendo, portanto, quaisquer referências às lacunas.

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 (c) Escola da Livre Investigação Científica.

Para essa Escola, também deve ocorrer a busca da mens legislatoris (pensamento do legislador), ou seja, a procura da vontade do legislador.  Tanto assim que há a investigação da chamada “occasio legis” (ocasião da lei), que é o conjunto de fatos que acarretaram a criação da norma, ou como registrou Carlos Maximiliano[12], é “o complexo de circunstâncias específicas atinentes ao objeto da norma, que constituíram o impulso exterior à emanação do texto; causas mediatas e imediatas, razão política e jurídica, fundamento dos dispositivos, necessidades que levaram a promulgá-los; fatos contemporâneos da elaboração; momento histórico, ambiente social, condições culturais e psicológicas sob as quais a lei surgiu e que diretamente contribuíram para a promulgação; conjunto de motivos ocasionais que serviram de justificação ou pretexto para regular a hipótese; enfim, o mal que se pretendeu corrigir e o modo pelo qual se projetou remediá-lo, ou melhor, as relações de fato que o legislador quis organizar juridicamente.”

Entretanto, apesar de se preocupar com a “vontade do legislador” essa Escola da Livre Investigação Científica se diferencia da Escola Dogmática por admitir que a lei, tem limites impostos pelo tempo e, que, nesses casos, o intérprete não deve “forçar” o entendimento da norma, mas sim, admitir que há uma lacuna que deverá ser integrada. Portanto, essa Escola tem também o diferencial de aceitar outras fontes que não só a lei.

Ressalte-se, porém, que o intérprete não tinha o condão de contrariar o texto legal, mas tão só, explicá-lo ou integrá-lo (completá-lo), quando necessário. A livre investigação só teria cabimento no caso de lacuna das fontes formais do Direito, e não, quando a norma fosse considerada injusta.

(d) Escola do Direito Livre.

Para essa Escola, ou melhor, essa corrente interpretativa nascida na Alemanha[13], no final do século XIX, no pensamento de François Geny e também, de Eugen Ehrlich, desenvolvendo-se no sentido de garantir ao juiz, a função criadora sempre que não se depare com preceito legal específico à situação concreta, sendo que o objetivo único do Direito é a Justiça e, portanto, haja, ou não, uma lei escrita, o magistrado estará autorizado a se nortear por essa finalidade maior. Assim, defende-se até mesmo a decisão contra legem, nos casos em que o juiz reputar necessário. A grande máxima alardeada por essa Escola é fiat justitia, pereat mundus (faça-se justiça, ainda que o mundo pereça).

A Escola do Direito Livre apresentou duas tendências principais A moderada, que preceitua a atividade criadora do juiz, apenas na hipótese de lacuna e, a mais radical, que defende que essa atividade criadora, pode se dar quando uma norma for considerada injusta.

Esta última facção mais radical foi a que se tornou mais conhecida, tendo como representante maior, o jurista alemão, Hermann U. Kantorowicz (1877-1940)[14], com a publicação do livro Der Kampf um die Rechtswissenschaft (A Luta pela Ciência do Direito), e assim, sustentava que, "se o texto da lei tem um único sentido e sua aplicação está em harmonia com o sentimento da comunidade, o juiz deve utilizá-lo, devendo deixá-lo de lado, se for de interpretação duvidosa, ou se sua convicção, levá-lo à conclusão de que o legislador não teve em mente, a hipótese surgida com o caso concreto".

Ao deixar de lado o texto legal, segundo essa teoria mais exacerbada, o juiz decidiria como se fosse o legislador, do modo como acredita que teria sido feita a norma para aquele caso concreto. Em última hipótese, o juiz recorreria ao “sentimento da comunidade”, representado pelas convicções predominantes em certo tempo e lugar sobre aquilo que é justo.

O Direito Livre fixou a sua atenção no papel do juiz, colocando sobre seus ombros a responsabilidade de realizar justiça, teve seu aspecto positivo na medida em que ressaltou a importância da atuação jurisdicional para o Direito e, a partir do momento em que colocou em foco a questão da Justiça. Entretanto, como é facilmente verificável, essa Escola peca por ser tão radical, quanto a Escola exegética, e sua maior crítica, refere-se a excessiva liberdade conferida ao juiz, que pode fazer com que este, se deixe levar por sentimentalismos, passando a julgar com “intuição” e não com argumentos sólidos, o que abalaria um dos nossos princípios jurídicos mais importantes que é a segurança jurídica, constituindo uma ameaça à ordem jurídica vigente e um convite ao arbítrio.

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Sobre o autor
René Dellagnezze

Doutorando em Direito Constitucional pela UNIVERSIDADE DE BUENOS AIRES - UBA, Argentina (www.uba.ar). Possui Graduação em Direito pela UNIVERSIDADE DE MOGI DAS CRUZES - UMC (1980) (www.umc.br) e Mestrado em Direito pelo CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO - UNISAL (2006)(www.unisal.com.br). Professor de Graduação e Pós Graduação em Direito Público e Direito Internacional Publico, no Curso de Direito, da UNIVERSIDADE ESTACIO DE SÁ, Campus da ESTACIO, Brasília, Distrito Federal (www.estacio.br/brasilia). Ex-Professor de Direito Internacional da UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO - UMESP (www.metodista.br).Colaborador da Revista Âmbito Jurídico (www.ambito-juridico.com.br) e e da Revista Jus Navigandi (jus.com. br); Pesquisador   do   CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO - UNISAL;Pesquisador do CENTRO UNIVERSITÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO - UNISAL. É o Advogado Geral da ADVOCACIA GERAL DA IMBEL - AGI, da INDÚSTRIA DE MATERIAL BÉLICO DO BRASIL (www.imbel.gov.br), Empresa Pública Federal, vinculada ao Ministério da Defesa. Tem experiência como Advogado Empresarial há 45 anos, e, como Professor, com ênfase em Direito Público, atuando principalmente nos seguintes ramos do Direito: Direito Constitucional, Internacional, Administrativo e Empresarial, Trabalhista, Tributário, Comercial. Publicou diversos Artigos e Livros, entre outros, 200 Anos da Indústria de Defesa no Brasil e "Soberania - O Quarto Poder do Estado", ambos pela Cabral Editora (www.editoracabral.com.br).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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