Inventário é o procedimento especial que consiste na descrição individuada e clara dos herdeiros e dos bens do morto. A meação dos encargos e a avaliação e liquidação da herança, móveis ou imóveis, dívidas e direitos.
Já a partilha é a divisão dos bens do espólio entre os herdeiros do finado, em quinhões iguais entre todos e outros direitos.
De importância para o estudo do direito das sucessões é o conceito de sonegação.
Sonegação é o ato pelo qual o inventariante ou herdeiro oculta, com propósito malicioso, bens da herança, que devia apresentar, descrever ou colacionar no inventário.
Para Limongi França trata-se de um "instituto complementar à execução da herança que tem por fim prevenir, compor e punir a omissão de bens do espólio, por parte de algum herdeiro, do inventariante ou do testamenteiro" (Instituições de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 925).
Ocorre a sonegação quando bens do espólio são dolosamente ocultados para não se submeterem ao inventário e a colação (obrigação e reciprocamente o direito, que liga os herdeiros e os descendentes, chamados à sucessão do mesmo ascendente, em virtude da qual cada um deve conferir na massa a dividir as doações que lhe foram feitas pelo defunto). Nesse último caso, o conceito, no qual se inspira o instituto é o de que o ascendente, ao doar em vida a seus filhos ou descendentes, tenha querido simplesmente antecipar-lhes no todo ou em parte a porção que com a sua morte lhe caberia, isto é, que não tenha pretendido procurar-lhes uma vantagem sobre os outros coherdeiros na sua futura sucessão. Na verdade, quando uma doação tivesse sido feita pelo pai a um dos filhos e todos, compreendido o filho donatário, viessem depois à herança para a dividir tal como restava, deduzida pois da doação, o tratamento seria mais favorável para este filho, que além de uma quota ideal no acervo, lucraria os bens recebidos por doação. Com a colação, como ensinou Roberto de Ruggiero(Instituições de direito civil, 3ª edição, volume III, tradução Ary dos Santos, pág. 461), apresenta-se um instituto que se destina a remover a desigualdade entre coherdeiros do de cujus, mas desaparece quando não conste, e na parte em que conste, uma vontade contrária do defunto.
A sonegação de bem pelo inventariante não se concretiza pela simples omissão no declarar a sua existência. A sonegação é a ocultação maliciosa (TJSP, Ap. 285.094, RT 533/79).
Em relação ao elemento subjetivo, na doutrina, Euclides de Oliveira, Sebastião Amorim (Inventários e partilhas. 20. ed. São Paulo: Leud, 2006, p. 363), Maria Helena Diniz (Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, v. 6: Direito das sucessões, p. 391), Zeno Veloso (Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. 21, p. 398), Dimas Messias de Carvalho e Dimas Daniel de Carvalho (Direito das sucessões. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, v. III, p. 287-288) entendem pela necessidade da prova do dolo por quem alega a ocultação. Essa também é a posição doutrinária deste autor, em obra sobre o tema (Flávio Tartuce. Direito civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, v. 6: Direito das sucessões, p. 584).
A lei pune a sonegação de duas maneiras:
- Se o sonegador é apenas o herdeiro, perderá o direito sucessório sobre o objeto sonegado; se já não mais o tiver em seu poder, terá de pagar ao espólio o respectivo valor mais as perdas e danos;
- Se o herdeiro também for inventariante, além da perda do direito mencionado, sofrerá a remoção do cargo.
Temos da redação do artigo 1.992 do Código Civil:
Art.1.992. O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia.
Tem-se no artigo 669 do Código de Processo Civil:
São sujeitos à sobrepartilha os bens:
I - sonegados;
II - da herança descobertos após a partilha;
III - litigiosos, assim como os de liquidação difícil ou morosa;
IV - situados em lugar remoto da sede do juízo onde se processa o inventário.
Parágrafo único. Os bens mencionados nos incisos III e IV serão reservados à sobrepartilha sob a guarda e a administração do mesmo ou de diverso inventariante, a consentimento da maioria dos herdeiros.
Por certo, a exigência de sobrepartilha de direitos e créditos discutidos em juízo onera o trâmite processual da ação, notadamente para o caso de demandas coletivas ou litisconsórcios numerosos, bem como desnatura os princípios da celeridade processual e da instrumentalidade das formas.
No passado, antes do Código Civil de 2002, em decisão do TJSP, na Ap. 37.868 – A, ac. De 10 de novembro de 1983, Relator Desembargador Freitas Camargo, RT 582/51, entendeu—se que a punição legal da perda de direito aos bens incide apenas sob re quem tenha a qualidade de herdeiro. O cônjuge meeiro perde tão-somente a inventariança, não a sua meação, já que esta não integra o direito hereditário.
A dispensa de sobrepartilha se revela profícua ao bom andamento processual, como já visto no âmbito do TRF1 (Agravo de Instrumento N. 0075058-24.2012.4.01.0000/MT), bem assim do TRF4, uma vez observado que “a partilha e inventário são dispensáveis, desde que haja habilitação de todos os herdeiros do falecido. (...) Dispensa da realização da sobrepartilha, que se caracteriza como forma de partilha, a qual sobrevém à primeira divisão, ocorrendo quando há necessidade de se aquinhoar os bens advindos após o inventário/partilha já ter sido feito” (TRF4, AG 5015710-69.2013.404.0000, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Fábio Vitório Mattiello, juntado aos autos em 21/02/2014).
A inventariante só se pode imputar a sonegação “depois de encerrada a descrição dos bens, com a declaração por ele feita, de não existirem outros por inventariar. Nas últimas declarações, fará o inventariante as emendas que forem necessárias, no procedimento especial de inventário.
Ante o princípio da proporcionalidade, essa punição extrema exige a demonstração de que tal comportamento foi movido por má-fé. Esse é o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, que em recente julgado objeto do REsp 1267264, manteve a decisão da segunda instância em ação ajuizada por uma herdeira contra a viúva e outros herdeiros de seu falecido pai.
Segundo o processo, no curso de investigação de paternidade movida pela filha foram transferidas cotas de empresas para o nome da viúva, que, casada em regime de comunhão universal, era meeira. Os demais herdeiros alegaram que as cotas foram transferidas pelo falecido ainda em vida, razão pela qual deixaram de apresentá-las no inventário.
Consoante se lê do site do IBDFAM, de 8 de julho de 2015 (O STJ determina que a sonegação de bens no inventário só gera punição em caso de má-fé) tem-se:
“A terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que somente em caso de má-fé, o herdeiro que deixa de apresentar bens ao inventário perde o direito sobre eles. Este foi o entendimento do STJ ao negar o recurso impetrado por uma herdeira contra acórdão favorável à viúva e aos outros herdeiros.
Conforme o processo, durante a ação de investigação de paternidade movida pela filha, foram transferidas cotas de empresas para o nome da viúva, que, casada em regime de comunhão universal, tem direito a metade dos bens. Os demais herdeiros alegaram que as cotas foram transferidas pelo morto ainda vivo, razão pela qual deixaram de apresentá-las no inventário.
Na primeira instância foi determinada a sobrepartilha das cotas e a perda do direito dos herdeiros sonegadores sobre elas, conforme previsto no artigo 1.992 do Código Civil. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), ao julgar recursos contra a sentença, reconheceu a sonegação, mas afastou a penalidade por entender que não houve dolo.
Com tudo isso, a herdeira recorreu ao STJ, e o ministro e relator do caso, João Otávio de Noronha, explicou que no regime da comunhão universal, cada cônjuge tem a posse e a propriedade em comum de todos os bens, cabendo a cada um a metade ideal. O ministro ainda disse que o ato de transferência de cotas de sociedades limitadas entre cônjuges é providência inofensiva diante do inventário, já que os bens devem ser apresentados em sua totalidade e, a partir daí, respeitada a meação, divididos entre os herdeiros. Segundo o ministro, o afastamento da pena pelo tribunal de origem se baseou na inexistência de prejuízo para a autora da ação. O ministro afirmou que é dever do inventariante e dos herdeiros apresentar todos os bens que compõem o acervo a ser dividido.
Na avaliação de João Otávio de Noronha, é natural pensar que o sonegador age com o propósito de dissimular a existência do patrimônio. Mas, segundo ele, a lei prevê punição para o ato malicioso, movido pela evidente intenção de sonegar. Por isso, a necessidade de se demonstrar que o comportamento do herdeiro foi inspirado pela fraude e determinação consciente de subtrair da partilha um bem que ele sabe que pertence ao espólio.
Noronha afirmou que, uma vez reconhecida a sonegação, mas tendo o tribunal de origem verificado ausência de má-fé, pode se manter a decisão, pois, sendo inócua a providência adotada pelos herdeiros, esta que era de certa forma primária, já que não poderia surtir nenhum efeito, a perda do direito que teriam sobre os bens sonegados se apresenta desproporcional ao ato praticado.
A Terceira Turma concluiu que a aplicação da pena prevista no artigo 1.992 seria desproporcional, tendo em vista que a transferência de cotas sociais foi realizada entre cônjuges casados em comunhão universal.”
A pena de sonegação é imposta em ação ordinária uma vez que não é matéria, por ser de alta indagação, a ser discutida no procedimento de inventário.
A legitimidade ad causam para tal cabe a qualquer herdeiro ou credores da herança.
Há respeitável opinião de Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim que ensinam que a sonegação deve ser arguida nos próprios autos do inventário e "havendo apresentação do bem, serão aditadas as declarações, para o regular seguimento do processo. Mas se persistir a recusa, a controvérsia haverá de ser resolvida em vias próprias, por meio da ação de sonegados" (Inventário e partilha. Teoria e prática. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 343). Na grande maioria das vezes, no sistema anterior, estar-se-ia diante de uma questão de alta indagação, o que justificaria a ação específica. Assim decidiu o STJ:
"Direito civil. Direito processual civil. 1) Ação ordinária de colação e sonegados. Depósito expressivo em caderneta de poupança conjunta do de cujus com herdeiros. Apropriação pelos herdeiros mediante a saída do de cujus da titularidade da conta. Valor não levado pelos herdeiros à partilha no inventário. Ação de colação de sonegados procedente. 2) Julgamento por vara cível, a que remetidos os autos pelo juízo do inventário, por decisão irrecorrida. Questão de alta indagação ou dependente de provas. Inexistência de nulidade no julgamento pela vara cível. Ausência de prejuízo. 3) Ação ordinária de colação adequada. 4) Preclusão de homologação inexistente. Partilha amigável que não impede de colação de bens sonegados. 5) Recurso especial improvido. 1. Devem ser relacionados no inventário valores vultosos de caderneta de poupança conjunta, mantida por herdeiros com o de cujus, ante a retirada deste da titularidade da conta, permanecendo o valor, não trazido ao inventário, em poder dos herdeiros. 2. Válido o julgamento da matéria obrigacional, antecedente do direito à colação, de alta indagação e dependente de provas, por Juízo de Vara Cível, para o qual declinada, sem recurso, a competência, pelo Juízo do Inventário. Matéria, ademais, não cognoscível por esta Corte (Súmula 280/STF). 3. Ação de colação adequada, não se exigindo a propositura, em seu lugar, de ação de sobrepartilha, consequência do direito de colação de sonegados cujo reconhecimento é antecedente necessário da sobrepartilha. 4. O direito à colação de bens do de cujus em proveito de herdeiros necessários subsiste diante da partilha amigável no processo de inventário, em que omitida a declaração dos bens doados inoficiosamente e que, por isso, devem ser colacionados. 5. Recurso especial improvido" (STJ, REsp 1.343.263/CE, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 4/4/2013, DJe 11/4/2013).
Regulam-se pela lei vigente ao temo da abertura da sucessão, as penalidades aplicáveis ao herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário, quando estejam em seu poder, ou, com ciência sua, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou o que deixar de restituí-los. Pela mesma lei regula-se a legitimação ativa para a propositura de ação de sonegados, bem como as consequências resultantes do fato de o sonegador não mais ter em seu poder os bens sonegados.