Novo Código de Processo Civil/2015: precedentes judiciais e incidente de resolução de demandas repetitivas

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20/03/2019 às 17:29
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CIVIL LAW X COMMOW LAW

O Brasil, de tradição romano-germânica, possui um sistema jurídico essencialmente baseado na Civil Law, cuja jurisdição se estrutura, de forma preponderante, sob o direito positivado, tendo os precedentes papel secundário e supletivo. Nesse sentido, segundo Souza (2016):

Até a vigência da Lei 13.105/2015 os precedentes no ordenamento pátrio apresentavam, em regra, com as exceções apontadas pela doutrina, tão somente eficácia argumentativa/persuasiva, voltada primordialmente ao convencimento do julgador para a aplicação de determinada tese jurídica, sem força vinculante ou obrigatória. (SOUSA, 2016, p.2)

Diferente disso, no Commow Law o direito é construído, de forma consuetudinária, a partir das decisões dos juízes. As decisões criam precedentes (princípio do stare decisis) que influenciam decisões futuras. Se não existe direito ou há dúvidas que a controvérsia em análise é semelhante às demais já analisadas, os juízes podem alterar o convencimento, estabelecendo um novo precedente (matter of first impression).

Não pode ser esquecido, contudo, que, como afirma Lourenço (2011), muitos processualistas são preconceituosos com o Commow Law, desmerecendo seus institutos, sob o argumento de que cabe ao legislativo “criar” o direito e ao Judiciário aplicá-lo sob pena de ameaça à segurança jurídica. Afirma ainda, o susodito Autor que, apesar das críticas, ambos os sistemas estão cada vez mais próximos, asseverando que:

Tal visão esquece que a jurisdição da civil law, durante a história, teve a sua natureza transformada, tendo o pós-positivismo (ou neoconstitucionalismo) inegavelmente aproximado o sistema de civil law ao da common law. [...]

Atualmente, com a recente perda de credibilidade ou de confiança da sociedade na justiça e nos juízes, decorrente da elevação da consciência jurídica da população e do seu grau de exigência em relação ao desempenho do judiciário, os países que adotam a civil law tem se voltado para alguns parâmetros da common law, e vice-versa. (LOURENÇO, 2011, p.3)

Diante desse panorama, fica claro, então, que a segurança jurídica está no civil law atrelada ao direito positivado, devendo o juiz a ele se subordinar e vincular-se. Mas, é necessário esclarecer que o precedente se forma pela ratio decidendi5, ou seja, pela norma jurídica firmada. Nesse sentido, Donizetti (2015, p. 7) assevera que “os fundamentos que sustentam os pilares de uma decisão e que podem ser invocados em julgamento posteriores”, não dispensando a análise das circunstâncias de fato de outros casos análogos, o que não compromete a segurança jurídica. Por meio dessa percepção, um precedente origina-se de um caso concreto e para ser utilizado em outro fato análogo exige-se a demonstração da semelhança relacionada entre esse e aquele.

Insta no momento pontuar que a aplicação do stare decisis, ou precedente obrigatório, é mais uma evidência da aproximação com a commow law, embora de forma mitigada, haja vista não se tratar de vinculação a direito consuetudinário, como esclarece, Donizetti (2015) que:

Vale ressaltar, entretanto, que a utilização dos precedentes judiciais – pelo menos no ‘civil law brasileiro’ – não tem o condão de revogar as leis já existentes. A rigor, a atividade dos juízes e dos tribunais é interpretativa e não legislativa. Assim, por mais que haja omissão ou que a lei preexistente não atenda às peculiaridades do caso concreto, o Judiciário não poderá se substitui ao Legislativo. (DONIZETTI, 2015, p.9)

A título de exemplo, a vinculação judicial tem forte inspiração nas class actions6 norte-americana. De acordo com Porto (2005), há uma “commomlawlização” do sistema jurídico brasileiro; que, segundo Ele, não se trata de influência unilateral, já que existe um diálogo entre os sistemas, e, por conseguinte, influências recíprocas.

Lourenço (2011) postula que a aproximação dos dois sistemas é fruto do pós-positivismo7 (ou neoconstitucionalismo) e que “o precedente é uma realidade inerente a qualquer sistema jurídico” [...] “variando, somente, o grau de eficácia que possui”.


O IRDR NO NCPC/2015

Considerado uma das maiores novidades do Novo Código de Processo Civil, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitiva, apresenta-se como alternativa para a solução de conflitos individuais que contemplem uma pretensão comum, a fim de minimizar o número de processos em trâmite, além de assegurar que haja tratamento igualitário aos jurisdicionados (DONIZETTI, 2015).

Seu objetivo é “estabelecer a tese de direito a ser aplicada em outros processos”. (THEODORO JR., 2017, p. 921) Embora tenha caráter coletivo, não deve ser confundido com ação coletiva, pois enquanto na ação coletiva há litígios cumulados em um único processo, no incidente, existem vários processos sobre os quais se delibera a questão de direito comum, mas cada demanda desenvolve-se independentemente.

Encontra semelhança com outros institutos existentes em países diversos, em especial, a Group Litigation Order (GLO, do direito inglês), o Musterverfahren (do direito alemão)8, e o Pilot-Judgment Procedure da Corte Europeia de Direitos Humanos (MARINONI, 2017; THEODORO JR., 2017).

É importante observar que o acórdão que pronuncia o IRDR não faz coisa julgada material, apesar de ter projeção erga omnes. Conforme THEODORO JR. (2017), a projeção não é dos efeitos da coisa julgada, mas da ratio decidendi.

Necessário esclarecer, ainda, que o objetivo do IRDR não é aplicar-se a um número maior de casos, mas regular “uma só questão infiltrada em casos que se repetem ou se multiplicam” (MARINONI, 2017, p. 602).


NATUREZA JURÍDICA

O IRDR encontra-se disciplinado nos arts. 976 a 987 em capítulo próprio. É um instrumento processual cujos objetivos são “racionalizar o tratamento judicial das causas repetitivas”, bem como “formar precedente de observância obrigatória”. (THEODORO JR., 2017), a partir do estabelecimento de uma tese de direito que servirá de “modelo” para outros processos, ou como melhor esclarece Didier Jr. (2017) uma “causa-piloto” ou “caso-piloto”9. Como corrobora Sofia Temer (2016) apud Theodoro Jr. (2017, p.921): “O incidente de resolução de demandas repetitivas visa à prolação de uma decisão única que fixe tese jurídica sobre uma determinada controvérsia de direito que se repita em numerosos processos”.

Tendo em consideração a denominação “causa-piloto”, evidencia-se ainda mais a concepção do IRDR como ponto de partida para os juízos singulares, sendo sua função elaborar tese de direito que se aplique a questões fático-jurídicas semelhantes às que serviram de ensejo para a instauração do incidente.

Assim, como esclarece Theodoro Jr. (2017, p. 923):

Não basta, em suma, que o tribunal do incidente defina uma tese de direito. É indispensável que seja ela contextualizada no plano fático-jurídico, o que só se alcançará se do acórdão vinculante constar a identificação da causa de pedir presente nas diversas demandas repetitivas.

Somente pela análise contextualizada é possível que se compreenda a tese defendida e, desse modo, aplicá-la aos casos que se enquadram, ou seja, as questões jurídicas repetidas.


CABIMENTO

Em consonância com o art. 976 do NCPC/2015, o cabimento do IRDR se dá quando se verificam dois requisitos, quais sejam:

  • A efetiva repetição de processos que versem sobre controversa questão de direito;

  • O risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.

É importante elucidar que tais requisitos devem ser cumulativos, e que o incidente tem caráter repressivo, a fim de pacificar as controvérsias jurisprudenciais existentes e, por conseguinte, unificar as decisões, com vistas à isonomia e à segurança jurídicas.

Nesse itinerário, Souza (2015) apud Arrais (2017, p.57), aponta ainda os seguintes princípios norteadores da implementação do IRDR:

a) efeitos ultra-singuli, demandas da decisão nele proferida, a fim de alcançar outras demandas individuais – extensão subjetiva do julgado;

b) efetivo acesso à justiça;

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c) economia processual, pois impede a multiplicação de demandas que tenham por objeto a mesma questão jurídica;

d) redução do impacto de contenciosos seriais sobre o sistema judiciário;

e) igualdade dos cidadãos diante da lei;

f) uniformização de julgados

g) justiça équo e eficiente.

Razão tem Didier Jr. (2017, p.718), ao esclarecer que “não cabe IRDR preventivo”, sendo requisito a “efetiva repetição de processos” com sentenças antagônicas.

Pela sua natureza “aglutinadora”, não cabem vários incidentes sobre a mesma tese de direito em um mesmo tribunal, assim como não cabe um IRDR no tribunal local quando no tribunal superior (STF ou STJ) já houver recurso visando à mesma tese.

Se, porventura, o IRDR for denegado por ausência de pressupostos de admissibilidade, ele pode novamente ser suscitado, desde que se supra o pressuposto ausente (art. 976, §3º, NCPC/2015).

Quanto à legitimidade, aduz o NCPC/2015 o seguinte:

Art. 977. O pedido de instauração do incidente será dirigido ao presidente de tribunal:

I - pelo juiz ou relator, por ofício;

II - pelas partes, por petição;

III - pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, por petição.

Parágrafo único. O ofício ou a petição será instruído com os documentos necessários à demonstração do preenchimento dos pressupostos para a instauração do incidente. (BRASIL, 2017a)

Uma vez instaurado o incidente, não poderá ser impedido seu julgamento, nem mesmo pelos que o propuseram. Havendo desistência, a titularidade será do Ministério Público (art. 976, §2º), visto que cabe ao parquet a defesa dos direitos individuais homogêneos (Theodoro Jr., 2017).


PROCEDIMENTO

Nos termos do art. 978 do NCPC/2015, o julgamento do IRDR caberá “ao órgão indicado pelo regimento interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal”. (JUNQUILHO; CERQUEIRA, 2016, p. 279)

A publicidade de todos os atos que envolvem o IRDR deve ser ampla e mediada eletronicamente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cabendo aos tribunais a atualização do banco de dados sobre as informações relativas ao incidente e à comunicação imediata ao CNJ.

Distribuído o incidente, o órgão colegiado competente procederá ao juízo de admissibilidade. Uma vez instaurado, serão suspensos os processos pendentes em tramitação que discutam a questão de direito incursa no incidente. Por conseguinte, O Ministério Público será intimado para manifestar-se em 15 (quinze) dias. Repisa-se, pois, que o Incidente tem preferência sobre os demais feitos e deve ser julgado, idealmente, em 1 (um) ano.

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Sobre a autora
Fernanda Dias

advogada.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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