3. (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA SUPRESSÃO DA CAUSA DE AUMENTO?
3.1. (In)constitucionalidade formal da supressão
Para a adequada análise acerca da constitucionalidade da neófita legislação, mister se faz a explanação acerca de sua tramitação dentro do Poder Legislativo até a sua promulgação. O projeto de lei que deu origem à Lei nº 13.654/18 adveio do Projeto de Lei do Senado nº 149/2015.
3.1.1. Tramitação do Projeto de Lei do Senado Federal nº 149/2015
Este projeto foi de autoria do Senador Otto Alencar, cujo texto original, em seu artigo 3º[10], previa a revogação da causa de aumento do inciso I, §2º do artigo 157 do Código Penal. Acrescentava as causas de aumento de dois terços para o roubo praticado com arma de fogo e explosivos. E previa uma pena maior para o roubo qualificado por lesão grave, de sete a quinze anos de reclusão para sete a dezoito anos de reclusão.
Após sua apresentação no Senado Federal, este projeto foi encaminhado à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania desta casa legislativa. Houve relatório do Senador Antonio Anastasia pela sua aprovação[11]. Ainda nesta comissão, houve apresentação de emenda ao projeto, pela Senadora Simone Tebet[12] incluindo causa de aumento de pena quando há o roubo da própria substância explosiva ou artefato análogo, no delito de roubo, bem como tipificando causas de aumento relacionadas às substâncias explosivas, no delito de furto. Esta emenda também previu a inclusão de qualificadoras no delito de furto, quando há emprego de substância explosiva ou artefato análogo na conduta, bem como quando o furto tem como objeto a subtração destas substâncias ou acessórios.
Com a aprovação desta emenda, o PLS nº 149/2015 foi aprovado por esta comissão, através do Parecer nº 141/2017[13]. Todavia, no relatório (sem alterações) do Senador Antônio Anastasia do presente parecer, houve um erro, cujo teor das alterações propostas não incluíam a revogação do inciso I, do §2º do art. 157 do Código Penal, em sua quinta e oitava folhas.
Neste ponto, frise-se que, após instauração da celeuma acerca da constitucionalidade da nova lei, ante o equívoco apresentado neste parecer, as sétima e oitava folhas do Parecer (referentes ao texto final do PLS), disponível na aba “documentos”[14], no site deste PLS no Senado Federal, foram substituídas, com a inclusão do artigo 3º do PLS, o qual trata sobre a revogação da vergastada causa de aumento. Sendo possível observar a diferença do “texto final”, no Parecer inicialmente publicado no Diário Oficial do Senado Federal com o Parecer disponível na aba “documentos”.
Houve a publicação deste parecer, a fim de se conceder o prazo regimental de cinco dias úteis, para interposição de recurso, a fim de que o projeto pudesse ser apreciado pelo Plenário do Senado Federal. Este recurso é previsto nos §§ 3º e 5º do artigo 91 do Regimento Interno do Senado Federal[15]. Ante a ausência de interposição de recurso, a tramitação do projeto continuou na Coordenação de Redação Legislativa (CORELE) desta casa legislativa.
A CORELE, quando da análise da redação das alterações propostas, não se atentou ao erro contido no referido parecer e incluiu novamente a revogação da causa de aumento do inciso I, §2º do artigo 157 do Código Penal no texto do projeto a ser encaminhado à Câmara dos Deputados.
Na Câmara dos Deputados, o PLS nº 149/2015 foi transformado no Projeto da Câmara dos Deputados nº 9.160/2017. Nesta casa legislativa, não houve alteração do texto apresentado no Senado Federal, sendo apenas incluída a obrigação de que as instituições, que disponibilizem caixas eletrônicos, instalem equipamentos que inutilizem cédulas de moeda corrente.
Após esta emenda pela Câmara, o projeto de lei retornou ao Senado Federal, para análise estrita das emendas realizadas na Câmara dos Deputados, sendo aprovado, de modo que a Lei 13.654/18 foi publicada no Diário Oficial da União em 24 de abril de 2018.
3.1.2. Argumentos a favor da inconstitucionalidade
Face a tramitação exposta no item anterior, grandes expoentes da comunidade jurídica impugnaram a constitucionalidade da nova lei. O grande fator ensejador da crítica à constitucionalidade formal da tramitação legislativa do projeto de lei advém do evidente equívoco do Parecer nº 141/2017 da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal.
A primeira alegação de inconstitucionalidade formal desta tramitação decorre do argumento de que a alteração de texto realizada pela Coordenação de Redação Legislativa foi além de suas atribuições. Destaque-se que o Parecer, encaminhado à CORELE e publicado no Diário Oficial do Senado Federal, efetivamente não continha o seu artigo 3º, com a previsão de revogação da causa de aumento do inciso I, §2º do artigo 157 do Código Penal Brasileiro. Sendo tal revogação mencionada apenas na parte de fundamentação do relatório do Senador Antônio Anastasia. E, em andamento do PLS, na CORELE, a revogação foi novamente recolocada no texto do PLS.
As competências desta Coordenação são previstas no inciso VI, artigo 200 do Regulamento Administrativo do Senado Federal[16]. Explicitando este inciso sua competência de “supervisionar a revisão dos textos finais das proposições aprovadas terminativamente pelas Comissões, procedendo às adequações necessárias em observância aos preceitos de técnica legislativa previstos na Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998”. Restando cristalina sua natureza institucional de adequação do texto dos projetos de lei de acordo com a técnica legislativa.
Conseguinte, observa-se que a adequação feita no PLS não se tratou de mera alteração de técnica legislativa, consubstanciando-se em verdadeira modificação material do projeto encaminhado à Coordenação. Alteração esta realizada sem debate de suas implicações nos moldes parlamentares instituído por nossa Constituição Federal.
Como reação a este contexto legislativo, diversos Ministérios Públicos Estaduais expediram recomendações para que seus membros alegassem a inconstitucionalidade formal da Lei 13.654/18. A título exemplificativo, em Informação Técnico-Jurídica nº 03/2018 do Ministério Público do Rio Grande do Sul, emitida pelo seu Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança Pública em conjunto com a Procuradoria de Recursos, há indicação de que os seus membros pugnem pela inconstitucionalidade com um dos seguintes motivos[17]:
O fundamento principal, portanto, estaria em uma suposta irregularidade no processo legislativo, já que o artigo do Projeto de Lei que determinava a revogação do art. 157, § 2°, inciso I, do CP, não teria sido objeto de apreciação pelos membros do Senado Federal (CCJ), mas somente incluído, num momento posterior, pela chamada Comissão de Redação Legislativa (CORELE).
Esta subversão de competência da CORELE foi apontada pelo Desembargado Edison Brandão, em recente decisão na 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo[18], quando foi suscitado o Incidente de Inconstitucionalidade desta novel legislação, a qual estava em trâmite no Órgão Especial deste Tribunal:
Assim, no caso em tela, é fato que o PLS 149/2015 foi apresentado com a supressão do inciso I do §2º do art. 157 do Código Penal, de forma surpreendente, vez que se dizia buscar ali um aumento da repressão ao crime, e, coram populo, passou-se a permitir, no projeto não aprovado pelo Senado Federal, o uso de facas, por exemplo, ou qualquer outra arma imprópria, tudo a ser considerado roubo simples. Portanto, quando o CORELE alterou a redação, Coordenação esta constituída por funcionários e não por representantes eleitos do Estado e do Distrito Federal, tornando ao PLS 149/2015 o dispositivo anteriormente suprimido, não realizou apenas alterações técnicas previstas na Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, e extrapolou a sua competência que é meramente de supervisão formal, alterando o teor material do PLS que havia sido aprovado pelo Senado Federal.
O segundo motivo apontado para a referida inconstitucionalidade formal fundamenta-se no fato da publicação do Parecer nº 141/19 ter ensejado o prazo de recurso para os demais senadores sujeitarem o PLS à apreciação do Plenário, sem que houvesse a possibilidade de se analisar a revogação da causa de aumento.
Prevê o inciso II do §2º do artigo 58 da Constituição Federal a possibilidade das Comissões das Casas Legislativas discutirem e aprovarem projetos de lei que dispensarem, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa. Este rito de tramitação denomina-se regime de tramitação conclusivo. Em lição de Bernardo Gonçalves[19]:
Mister observar que da decisão do Presidente da Casa que define o regime de tramitação como conclusivo (terminativo), está sujeita a recurso. Esse recurso, conforme a Constituição, poderá ser interposto por i/10 dos membros da Casa. Se o recurso for provido (em plenário), o regime de tramitação de conclusivo passa a ser o regime de tramitação tradicional. Se improvido, o regime de tramitação permanece conclusivo.
Ocorre que, no caso em apreço, os demais senadores tiveram acesso ao Parecer nº 141/2017, para fins de exercício do direito ao recurso, de modo que, ao analisarem a proposição legislativa, não tiveram a oportunidade de questionar se a revogação da causa de aumento, exposta em seu artigo 3º, deveria ou não ser analisada pelo Plenário.
Em publicação de artigo, Gustavo de Azevedo Marchi sustenta que a ausência de oportunidade de discussão se a revogação deveria ou não ser realizada pelo Plenário trata-se da verdadeira inconstitucionalidade formal existente na legislação promulgada. Explana[20]:
Sem fazer juízo especulativo em concreto, mas é possível que, ciente da revogação do inciso I do §2o do artigo 157 do Código Penal, um grupo de Senadores se articulasse para recorrer da aprovação pela CCJ de forma que o PLS no 149 de 2015 fosse encaminhado à deliberação do plenário. No entanto, essa oportunidade não foi assegurada aos membros do Senado Federal e, portanto, não há como afastar a inconstitucionalidade formal da Lei no 13.654/18 nesse ponto.
Observa-se ainda que, não merece prosperar o argumento de que foi dada a oportunidade dos demais senadores terem ciência e avaliarem esta alteração legislativa, ante a menção da revogação, no Relatório do Senador Antônio Anastasia. Pois, em havendo contradição entre o relatório e o corpo de texto do projeto, prevalece o corpo de texto legislativo. Sendo esta ideia defendida por Gustavo Marchi[21]:
A mera indicação no relatório de que determinado dispositivo legal estaria sendo revogado, desacompanhada da efetiva revogação no corpo do texto do projeto de lei, não está apta a produzir quaisquer efeitos caso o projeto seja aprovado.
Neste contexto, é evidente a existência de grave erro na tramitação do projeto. Erro este que deixou de dar oportunidade de uma análise e de um verdadeiro debate legislativo acerca da vontade parlamentar de revogar a causa de aumento da arma branca no delito de roubo. Não havendo que se falar em convalidação do presente vício, em decorrência da aprovação do PLS pela Câmara dos Deputados.
Corroborando a gravidade do equívoco processual, há de se frisar a importância do debate legislativo acerca das matérias que lhe são propostas. Tendo em vista que a ideia de debate de proposições legislativas dentro do Poder Legislativo não corresponde apenas a existência de uma votação, mas de efetiva discussão e sopesamento do impacto de alterações normativas na sociedade brasileira. Este alerta é realizado pela jurista Ana Paula Barcellos[22]:
a ideia de que deve haver uma discussão. E não apenas uma votação, pressupõe a apresentação de argumentos e contra- argumentos, que idealmente devem envolver razões e informações, acerca das propostas submetidas às Casas legislativas .
Ante os dois motivos explanados, percebe-se que o argumento de inconstitucionalidade formal por desrespeito às normas constitucionais de processo legislativo é robusto e bem fundamentado, não se cingindo a mero desgosto da comunidade jurídica acerca da alteração legislativa. Em defesa da existência de inconstitucionalidade, quando da existência deste desrespeito ritual, fundamenta o Ministro Alexandre de Moraes[23]:
O desrespeito às normas de processo legislativo constitucionalmente previstas acarretará a inconstitucionalidade formal da lei ou ato normativo produzido, possibilitando pleno controle repressivo de constitucionalidade por parte do Poder Judiciário, tanto pelo método difuso quanto pelo método concentrado.
Nesta mesma linha de pensamento, Nathalia Masson descreve este tipo de inconstitucionalidade e prevê os remédios que poderão ser utilizados para a rechaçar[24]:
A desobediência às regras do processo legislativo constitucionalmente delineado resulta inequívoca inconstitucionalidade formal da lei ou do ato normativo elaborado. Referida inconstitucionalidade, fruto de um processo legislativo ilegítimo, poderá ser: (i) reconhecida pelo Poder Judiciário no exercício do controle repressivo de constitucionalidade - tanto no âmbito do controle difuso como no do concentrado; (ii) evitada no controle de constitucionalidade político preventivo, desenvolvido externamente ao Poder Judiciário, pelo Poder Legislativo (através da atuação das Comissões de Constituição e Justiça) e pelo Poder Executivo, por meio do veto jurídico presidencial; (iii) refreada pelo Poder Judiciário, por meio do excepcional controle de constitucionalidade jurisdicional preventivo, no qual os parlamentares defendem seu direito público subjetivo à correta e estrita observância do devido processo legislativo, o que os permite manejar o mandado de segurança individual (impetrado pelos parlamentares federais perante o Supremo Tribunal Federai) em todas as oportunidades em que forem desrespeitadas as normas constitucionais referentes à elaboração das espécies normativas.
Avaliados os argumentos favoráveis à inconstitucionalidade formal da Lei nº 13.654/2018, passamos a explanar acerca dos argumentos contrários à presente fundamentação.
3.1.2. Argumentos a favor da constitucionalidade
Para os defensores da constitucionalidade formal da Lei nº 13.654/2018, o mero erro de publicação contido no Parecer nº 141/2017 não ocasiona inconstitucionalidade formal. Tendo em vista que o PLS original continha previsão do artigo 3º com expressa menção à revogação da causa de aumento por uso de arma branca no roubo. O relatório do Senador Antônio Anastasia também expõe acerca da referida revogação, bem como o texto aprovado pela Câmara dos Deputados continha este dispositivo.
Outro argumento aventado refere-se ao fato de que o projeto de lei integralmente aprovado pela Câmara dos Deputados retornou ao Senado Federal, recebendo o registro como Substitutivo da Câmara de Deputados nº 1 de 2018. Logo após, este substitutivo foi apresentado ao Plenário do Senado Federal, encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça, retornando ao Plenário, quando foi aprovado em 27/03/2018 e, por fim, encaminhado à sanção Presidencial.
Conseguinte, explana-se que o equívoco de publicação ocorrido não furtou aos demais senadores a possibilidade de análise da revogação pretendida, ante o fato deles terem tido acesso ao teor integral do PLS diversas vezes, momentos nos quais não houve questionamento ou discussão desfavorável ao texto da novel legislação. Em artigo publicado pelos defensores públicos Alessa Veiga e Leandro Neto expõe-se que[25]:
A cansativa demonstração do caminho legislativo é para demonstrar que a Lei 13.654/2018 é, sim, formalmente constitucional, pois percorreu todos os trâmites legalmente previstos. Além disso, viu-se que a previsão da revogação do inciso I, do parágrafo 2º, inciso I, do Código Penal sempre existiu e não foi modificada na Corele.
Em voto do Desembargador Alex Zilenovsky, no Incidente de Inconstitucionalidade em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, há a conclusão pela constitucionalidade do PLS, com fulcro no argumento de mera irregularidade processual legislativa[26]:
19) Afere-se que a apontada inconstitucionalidade formal do artigo 4o da Lei 13.654/2018 se baseia num equívoco cometido na publicação do PLS 149/2015 no Diário do Senado Federal, que não guardou fidelidade com aquilo que efetivamente foi aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal. 20) Tal equívoco, que -S.M.J.– configura mera irregularidade,não tem o condão de viciar o processo legislativo, ao ponto de se ter como inconstitucional o aludido preceito. 21) Com todas as vênias, diversamente do sustentado pelos Eminentes Desembargadores impugnantes, evidencia-se que a CORELE não alterou o texto aprovado pela CCJ do Senado. Ao contrário, apenas sanou falha havida na publicação no Diário Oficial do Senado de texto não aprovado pela Comissão do Senado, adotando o que, efetivamente, fora discutido e votado pelos senhores Senadores da República. A correção operada pela CORELE, ao invés de configurar vício do processo legislativo, o preservou hígido.
Prosseguindo em seu voto, Alex Zilenovsky sustenta que a irregularidade apresentada não resultou prejuízo ao trâmite do PLS. Não havendo registro de qualquer posicionamento desfavorável dos Senadores da República à revogação debatida no incidente, mesmo após início de seu intenso por operadores do direito. De modo que a intervenção do Judiciário acerca deste trâmite legislativo não seria ponderável. Por fim, explana o desembargador que o próprio Poder Legislativo, em resposta às críticas do art. 3º do PLS, iniciou solução legislativa típica e iniciou a tramitação de Projeto de Lei nº 279/2018 para reinserção da causa de aumento de arma branca no delito de roubo[27]:
25) Não obstante, não há qualquer indicativo – mínimo que seja – de que tal irregularidade – sanada em seguida pela CORELE – tenha comprometido a higidez da decisão senatorial. 26) Ao contrário, não há notícia de que qualquer Senador da República tenha questionado a lisura do processo legislativo em foco, sendo certo que o E. STF admite fazer o controle da regularidade do processo legislativo, porém, para tal, deve haver demonstração da ocorrência de abuso ante as circunstâncias do caso concreto, o que, não restou evidenciado.
Em artigo publicado por Victor Alvim e Domingos Arruda[28], sustenta-se a existência de mera irregularidade no equívoco de publicação do PLS:
Tal equívoco, que há de merecer o timbre de mera irregularidade, não tem o condão de viciar o processo legislativo, ao ponto de se ter como inconstitucional o sobredito preceito. A propósito, é de ver que a mens legislatoris desde sempre foi no sentido de revogar a majorante prevista no artigo 157, parágrafo 2º, inciso I, do Código Penal, e tal desiderato, ao final e ao cabo, foi alcançado com a promulgação da Lei 13.654/2018.
Esgotados os argumentos formais acerca da constitucionalidade, passa-se, no próximo tópico, à análise material da alteração legislativa.
3.2. (In)constitucionalidade material da supressão
A discussão acerca da inconstitucionalidade material da supressão da causa de aumento por utilização de arma branca centraliza-se na necessidade de proteção suficiente dos bens jurídicos do delito de roubo. Argumenta-se a clara desproporção e desarrazoabilidade da tipificação da conduta de autor que se utiliza de arma imprópria no caput do artigo 157 do Código Penal.
Sustenta-se que a justificação exposta, desde a tramitação inicial do Projeto de Lei nº 149/2015, sempre foi o de recrudescimento da punibilidade dos delitos que envolvem a utilização de substâncias explosivas e armas de fogo, ante o crescimento significativo deste tipo de delito. Aumentando-se inclusive a pena da qualificadora de lesão grave, em face da preservação da proporcionalidade. Com objetivo claro de reduzir a incidência deste tipo de infração, vejamos[29]:
Os assaltos a agências bancárias com o emprego de explosivos têm crescido significativamente no Brasil. No Paraná, foram registrados 198 ocorrências em 2014. Em Alagoas, de um total de 40 assaltos (de janeiro a outubro), 30 aconteceram com o uso de explosivos. São Paulo é dos estados mais afetados por esse tipo de roubo a caixas eletrônicos. Só em janeiro de 2015 foram 28 ocorrências.
Com a presente proposta, propomos um aumento de pena de 2/3 para os casos de emprego de arma de fogo (nesses casos, o Código Penal em vigor só prevê aumento de até metade) ou de explosivo ou artefato análogo (hipótese não prevista no Código). Para preservar a proporcionalidade, tivemos que aumentar a pena para o crime de roubo de que resulta lesão corporal grave.
Esperamos, com essa alteração, contribuir para a redução das ocorrências, deixando o custo do cometimento do crime mais caro para o infrator.
Nesta senda, há de se perceber clara divergência entre a justificação apresentada e a revogação da causa de aumento por utilização de arma imprópria. Perfazendo-se um atual contexto legislativo, no qual este tipo de conduta é valorado tal qual o emprego de violência e grave ameaça de forma genérica, sem majorante.
Situação esta caracterizada como novatio legis in mellius, ensejadora de revisão criminal de condenações proferidas com a incidência da revogada causa de aumento. Perfazendo um contexto concreto de favorecimento aos autores destas condutas, em clara desproporcionalidade à efetiva proteção dos objetos protegidos pelo artigo 157 do Código Penal.
Aqui, destaca-se que a finalidade da revogada causa aumento era exatamente a punição severa aos autores de roubo que se utilizam de arma e o poder intimidatório que este instrumento exerce sobre vítima. Nos dizeres de Fernando Capez[30]:
O fundamento dessa causa de aumento é o poder intimidatório que a arma exerce sobre a vítima, anulando-lhe a sua capacidade de resistência. Por essa razão, não importa o poder vulnerante da arma, ou seja, a sua potencialidade lesiva, bastando que ela seja idônea a infundir maior temor na vítima e assim diminuir a sua possibilidade de reação.
Conseguinte, apesar da utilização da arma imprópria efetivamente causar grande poder intimidador e lesividade à vítima do delito de roubo, a novel legislação foi infeliz ao deixar esta conduta equiparada ao tratamento comum dado às situações de violência ou grave ameaça. E, além disso, esta alteração proporcionou a possibilidade de revisão de penas de processos transitados em julgado. Veja-se a cristalina contradição fática ocasionada: por um lado, justifica-se o PLS na necessidade de recrudescimento do delito de roubo e, por outro lado, revoga-se a majorante de utilização de arma imprópria e se permite a revisão de condenações transitadas.
Esta infelicidade legislativa foi exposta por Eduardo Luiz Santos Cabette[31]:
É forçoso reconhecer que o legislador novamente andou muito mal. Tendo em vista a verdadeira epidemia de crimes de roubo por que passa a maioria das cidades brasileiras, não somente com emprego de armas de fogo, mas também com simulacros, armas brancas e impróprias, verifica-se uma atuação deprimente do legislador em franca inconstitucionalidade por insuficiência protetiva.
Em voto dispensado na Apelação Criminal com Revisão nº 0022570-34.2017.8.26.0050 do Tribunal de Justiça de São Paulo, o desembargador Edison Brandão[32] também traz a lume a destoância da justificação e do que efetivamente foi alterado pela nova lei:
A par do evidente absurdo, uma norma destinada a aumentar a repressão aos incontáveis crimes de roubo que ocorrem no dia-a-dia, na verdade liberou o uso de facas para prática de tal crime; é fato que não era essa a intenção inicial, e que a tramitação deste processo legislativo vem eivado de nulidade, padecendo de inconstitucionalidade formal em sua tramitação.
Esta discrepância também é enaltecida na Informação Técnico-Jurídica nº 03/2018 do Ministério Público do Rio Grande do Sul, emitida pelo seu Centro de Apoio Operacional Criminal e de Segurança Pública em conjunto com a Procuradoria de Recursos[33]:
Mas na contramão do objetivo de recrudescer o tratamento penal nesses crimes patrimoniais andou a revogação do inciso I do § 2.o do art. 157 do CP. Sem dúvida alguma que a conduta de quem assalta com emprego de uma arma branca como a faca é reveladora de uma periculosidade maior, merecedora, pois, de reprimenda em intensidade superior àquela de quem subtrai coisa móvel alheia sem o uso de arma. E andou bem o legislador ao prever uma causa de aumento de pena em patamar ainda maior para aquele que emprega arma de fogo ou utiliza explosivos na subtração da coisa móvel alheia, com o novo § 2.o-A do art. 157 CP.
Veja-se que haveria diferenciação de periculosidade e, em consequência, de rigor punitivo sem a malfadada revogação em comento. Sem emprego de arma para a violência e grave ameaça na subtração de coisa alheia móvel, pena de 4 a 10 anos. Se houvesse emprego de arma branca, aumento de 1/3 até 1/2. Fosse a arma de fogo, majorante de 2/3.
Logo, a revogação do inciso I do § 2.o do art. 157 do CP impede o necessário tratamento penal diferenciado de acordo com a periculosidade da conduta do criminoso, significando verdadeiro retrocesso na tutela do bem jurídico protegido no crime de roubo, configurando a inconstitucionalidade material por violação do princípio da proporcionalidade, mais especificamente como proibição da proteção deficiente do bem jurídico patrimonial.
Tão evidente o equívoco da revogação que até doutrinadores que sustentam a constitucionalidade formal da nova lei defendem a perigosa redução da proteção do bem jurídico deste delito, conforme expõemVictor Alvim e Domingos Arruda[34]
Convém registrar, por último, que, apesar de não conter qualquer vício de constitucionalidade formal, o artigo 4º da Lei 13.654/2018 representa, inequivocamente, grave redução no nível de proteção do bem jurídico tutelado pelo tipo penal, pois, afinal, a experiência aponta, ao sobejo, que o crime de roubo, comumente, é praticado tanto com armas de fogo como com o emprego de outras armas — próprias ou impróprias —, circunstância que, além de diminuir a possibilidade de reação da vítima, eleva a potencialidade da ameaça e da violência.
Assim, ante esse decréscimo do nível de proteção, abre-se a possibilidade de se questionar eventual violação do princípio da proporcionalidade na perspectiva da proibição de proteção deficiente. Mas, claro, esse é um outro lado da moeda e, porquanto, há de ser discutido oportunamente.
Em tentativa de se amenizar esta proteção deficiente, foi apresentado o Projeto de Lei nº 249/2018, no Senado Federal, o qual tem por fim trazer novamente esta causa de aumento ao artigo 157 do Código Penal.
Com efeito, a par da discussão da constitucionalidade formal das alterações legislativas, há de se clarificar a importância funcional-teleológica das mudanças instituídas no ordenamento jurídico. Sendo de nevrálgica importância a reflexão sobre a lacuna protetora dos bens jurídicos abarcados por estar infração penal, quando da utilização de armas brancas, pelos operadores do direito.