4. SUPERAÇÃO DA NOVATIO LEGIS PELOS OPERADORES DO DIREITO
4.1. Entendimento dos Ministérios Público Estaduais
Após a alteração legislativa, os Ministérios Públicos Estaduais começaram a se manifestar sobre a grave falha de proteção ao bem jurídico do delito de roubo deixada no ordenamento. Conseguinte, os Procuradores-Gerais de Justiça passaram a expedir recomendações para os membros dos órgãos de persecução penal, orientando-os a provocarem o Poder Judiciário, no sentido da inconstitucionalidade formal e material da supressão da causa de aumento antes disposta no inciso I, §2º do artigo 157 do Código Penal Brasileiro.
Neste sentido, em rol exemplificativo foram expedidas: a Informação Técnico-Jurídica nº 03/2018 do Ministério Público do Rio Grande do Sul[35]; Nota Técnica nº 02/2018 do Centro de Apoio Operacional Criminal do Ministério Público do Estado de Goiás[36]; Nota Técnica nº 01/2018 do Ministério Público do Estado do Piauí[37]; Recomendação nº 01/2018 do Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul.
4.2. Entendimento dos Tribunais de Justiça do país
Ante a provocação acerca da inconstitucionalidade da supressão da causa de aumento, os Tribunais de Justiça começaram a se manifestar acerca deste questionamento, havendo decisões favoráveis e contrárias a esta tese. Sendo que, na maioria dos Tribunais de Justiça, foram instaurados incidentes de inconstitucionalidade a serem analisados pelos seus Órgãos Especiais.
No Tribunal de Justiça do Distrito Federal, foi instaurado a Arguição de Inconstitucionalidade nº 2018.00.2.005668-8, a qual está em curso no Conselho Especial. No Tribunal de Justiça da Paraíba, também foi instaurada Arguição de Incidente de Inconstitucionalidade, após provocação de sua Câmara Criminal, nos autos da Ação Penal nº 000.706-19.2013.815.0071.
No Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a 7ª Câmara Criminal também suscitou a instauração de Incidente de Inconstitucionalidade, nos autos da apelação nº 0069234-71.2017.8.19.0001.
No Estado de São Paulo, a 4ª Câmara de Direito Criminal entendeu pela inconstitucionalidade da revogação da causa de aumento, suscitando as Arguições de Inconstitucionalidade nº 0017913-68.2018.8.26.0000, 0017563-80.2018.8.26.0000, 0017882-48.2018.8.26.0000, 0017877-26.2018.8.26.0000 e 0017912-83.2018.8.26.0000. Estas arguições foram reunidas e analisadas pelo Órgão Especial deste tribunal, o qual acolheu a tese de constitucionalidade da Lei nº 13.654/2018, cujo voto vencedor foi do Desembargador Alex Zilenovski.
Salientando-se que, apesar da não conclusão de julgamento dos Incidentes de Inconstitucionalidade em todas as cortes estaduais do país, a nova lei já opera seus efeitos. Deste modo, para os roubos com emprego de arma branca cometidos, após o seu início de vigência, as penas aplicadas levam em conta a inexistência de causa de aumento. Além de que as condenações transitadas em julgado também estão sendo revistas, ante a caracterização de novatio legis in mellius.
Este rol exemplificativo de arguições de inconstitucionalidade julgadas ou em curso de julgamento, nos Órgãos Especiais dos Tribunais de Justiça do país, demonstram a importância e impacto da alteração legislativa. Sendo crucial o fim desta celeuma jurídica acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da Lei nº 13.654/2018, pelo Supremo Tribunal Federal.
4.3. Posicionamento dos Tribunais Superiores
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, a novel legislação vem sendo recorrentemente aplicada pelas Turmas Criminais. De forma que estão sendo concedidos Habeas Corpus para aplicação da pena, considerando-se a revogação da causa de aumento por utilização de arma branca, no delito de roubo. Bem como reafirmada a necessidade de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, acerca do questionamento sobre sua constitucionalidade.Veja-se[38]:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N. 13.654/2018. REVOGAÇÃO DO INCISO I DO § 2º DO ART. 157 DO CP. ROUBO COM EMPREGO DE ARMA BRANCA. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO MAIS SE SUBSUME ÀS MAJORANTES DO DELITO. AFASTAMENTO DA CAUSA DE AUMENTO. RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA. INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 13.654/2018. COMPETÊNCIA DO STF. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A Lei n. 13.654, de 23 de abril de 2018, revogou o inciso I do artigo 157 do CP, de modo que o emprego de arma branca não se subsume mais a qualquer uma das majorantes do crime de roubo. Assim, uma vez que o caso dos autos é de roubo com emprego de arma branca (faca), impõe-se a concessão de habeas corpus de ofício para que a pena seja reduzida na terceira fase da dosimetria, em observância ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica. 2. "Não compete ao STJ, em recurso especial, o exame inaugural da inconstitucionalidade da Lei 13.654/2018, por vício formal, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal" (AgInt nos EDcl no REsp 1687565/MS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 18/09/2018, DJe 25/09/2018). 3. Agravo regimental a que se nega provimento.(AgRg no AgRg no AREsp 1275927/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 18/10/2018, DJe 24/10/2018)
No âmbito do Supremo Tribunal Federal, temos decisões monocráticas afastando a inconstitucionalidade formal da Lei nº 13.654/2018, fundamentando que o erro de publicação do Parecer nº 149/2017 do Senado Federal trata-se de mera irregularidade. Como exemplo, tem-se trecho de voto do Ministro Celso de Melo, no Recurso Extraordinário nº 1179057/MS, no qual há afirmação de que[39]:
Tal equívoco, que há de merecer o timbre de mera irregularidade, não tem o condão de viciar o processo legislativo, ao ponto de se ter como inconstitucional o sobredito preceito. A propósito, é de ver que a ‘mens legislatoris’ desde sempre, foi no sentido de revogar a majorante prevista no artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal e tal desiderato, ao final e ao cabo, foi alcançado com a promulgação da Lei 13.654/2018.” Cumpre assinalar, por relevante, que o entendimento exposto na presente decisão tem sido observado em julgamentos proferidos no âmbito desta Suprema Corte (ARE 1.157.600/MT, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – ARE 1.178.106/MS, Rel. Min. GILMAR MENDES).
Neste contexto, em que pese a existência de decisões monocráticas no âmbito da Suprema Corte, remanesce necessário à comunidade jurídica aguardar pronunciamento colegiado deste tribunal, a fim de que a presente celeuma seja resolvida, no âmbito judicial.
4.4. Alternativa jurídica para a vigência da Lei nº 13.654/2018
Considerando-se a efetiva vigência da Lei nº 13.654/2018, resta aos órgãos de persecução penal, alternativamente à alegação de inconstitucionalidade, pugnar pela adequada dosimetria da pena aos autores de roubo que se utilizam de armas não caracterizadas como de fogo ou substâncias explosivas, até que a revogada majorante seja reinserida legislativamente no artigo 157 do Código Penal.
Em face do maior potencial lesivo daqueles que se utilizam de armas brancas, para prática de roubo, este fato deve ser levado em consideração, na primeira fase da dosimetria da pena, enquanto circunstâncias do crime, em face do disposto no artigo 59 do código penalista.
Esta circunstância judicial denominada “circunstâncias do crime” caracteriza-se na análise de como os fatores tempo, modo de execução e lugar da infração penal influenciam em sua maior gravidade. Em observância ao modo de execução do delito, o modo de agir do autor e os instrumentos por ele utilizado podem ensejar o aumento da pena-base, em razão do agravamento da periculosidade da ação delituosa.
Nas lições de Rogério Sanches[40], as circunstâncias do crime:
Exige do magistrado a análise da maior ou menor gravidade do crime espelhada pelo modus operandi do agente. São as condições de tempo e local em que ocorreu o crime, a relação do agente com a vítima, os instrumentos utilizados para a prática delituosa etc.
Desta feita, sob a ótica funcional do delito de roubo, a todos os operadores do direito cabe a busca da devida proteção dos bens jurídicos abarcados pelo delito de roubo. Impedindo-se que esta proteção sofra grave ineficácia, ante o contexto legislativo vigente. Sendo devidamente valorado o contexto fático, a fim de se dar concretude à finalidade preventiva geral e especial da pena.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho objetivou analisar o impacto e as discussões acerca da constitucionalidade das alterações realizadas no artigo 157 do Código Penal, através da Lei 13.654/18. Com o intuito de se enriquecer esta discussão, iniciou-se analisando os bens jurídicos protegidos por este delito e se demonstrou a o panorama funcionalista vivido atualmente no direito penal.
Em seguida, analisou-se o histórico legislativo do crime de roubo e como a utilização de arma pelos seus autores passou a ser punida, ante as alterações legislativas sofridas.
Visando esclarecer a discussão acerca da constitucionalidade da revogação da causa de aumento da utilização de arma imprópria, detalhou-se o processo legislativo do Projeto de Lei nº 149/2015 e se apontou os elementos favoráveis e contrários à inconstitucionalidade formal na sua tramitação.
A par dos argumentos relativos à formalidade, esclareceu-se a grave lacuna protetiva deixada pelo atual contexto normativo do crime de roubo e os argumentos favoráveis à sua inconstitucionalidade material.
E, ante a atual estrutura do dispositivo 157 do Código Penal, foram expostas as reações doutrinárias e dos Ministérios Públicos Estaduais frente a sua última alteração. Bem como as decisões judiciais existentes acerca dos incidentes de inconstitucionalidade arguidos e o aguardo da comunidade jurídica de posicionamento final desta celeuma pelo Supremo Tribunal Federal.
Em que pese o aguardo de posicionamento final pelo Supremo, há forte indicativo de sua rejeição dos argumentos de inconstitucionalidade formal da alteração legislativa, sem haver, até o presente momento, análise material de constitucionalidade. Deste modo, efetivamente a novel redação do dispositivo do delito de roubo já vem causando diversos efeitos e fazendo com que penas transitadas em julgado de autores que se utilizaram de arma branca, para o cometimento de roubo, estejam sendo revistas.
Logo, sob a ótica funcionalista de proteção de bens jurídicos, evidenciou-se a necessidade de se buscar a proporcional punibilidade de condutas altamente lesivas com utilização de arma imprópria, em que pese a realidade de inexistência de majorante tipificada para este tipo de atuação.