RESUMO: O presente trabalho visa a analisar a aplicação do princípio da duração razoável do processo, para se estabelecer qual prazo seria razoável, na fixação da prisão preventiva, diante da omissão do legislador em estabelecer taxativamente qual prazo deveria ser usado. Através da utilização do método dedutivo, busca-se chegar a um entendimento do tempo que deverá vigorar uma prisão preventiva e, assim, dar eficácia ao andamento do processo, sem violar o princípio da presunção da inocência, bem como não a tornar como uma antecipação da pena.
Palavras-chave: princípios; prisão preventiva; duração razoável do processo; omissão.
INTRODUÇÃO
O processo penal brasileiro dispõe das medidas cautelares que, por sua vez, objetiva a garantir a eficácia do bom andamento processual. Dentre essas medidas cautelares, tem-se destaque a prisão preventiva, que se encontra disciplinada precisamente nos artigos 311 e seguintes do CPP. Ademais, mesmo com a taxatividade da previsão legal da prisão preventiva e de sus requisitos, grande discussão surge em relação aos prazos que deveriam ser estabelecidos na aplicação de tal medida. Verifica-se que o legislador se manteve omisso quanto a essa questão. Sendo assim, muito se esperou com a implementação da emenda constitucional nº 45, pela qual prevê a razoável duração do processo, para solucionar o conflito existente, mas mesmo assim não se chegou a entendimento exato de qual seria o prazo considerado razoável na aplicação da prisão preventiva. Assim, diante de tal omissão, buscaremos através dos princípios analisar a respeito do excesso de prazo da prisão preventiva.
1 PRISÃO PREVENTIVA
A prisão preventiva tem por espécie ser de caráter provisório, de natureza cautelar, pois visa a garantir a eficácia do andamento processual. Sua aplicação deve ser de forma excepcional, ou seja, quando necessário. É cabível em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, que encontra disciplinada nos artigos 311 e seguintes do Código de Processo Penal.
Dentre os seus pressupostos objetivos, verifica-se a possibilidade de ser decretada pelo juiz, de ofício, no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial, devendo levar em consideração o “fumus boni iuris”, ou seja, a prova da materialidade e indícios de autoria, uma vez que na fase processual deve-se levar em consideração o in dubio pro societate, ou seja, em caso de dúvidas em favor da sociedade.
Para CAPEZ (2001, p. 230) a prisão preventiva que não preencher os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora, estaria violando o princípio da presunção da inocência, vejamos:
A prisão provisória somente se justifica, e se acomoda dentro do ordenamento pátrio, quando decretada com base no poder geral de cautela do juiz, ou seja, desde que necessária para uma eficiente prestação jurisdicional. Sem preencher os requisitos gerais da tutela cautelar (fumus boni iuris e periculum in mora), sem necessidade para o processo, sem caráter instrumental, a prisão provisória, da qual a prisão preventiva é espécie, não seria nada mais do que uma execução da pena privativa de liberdade antes da condenação transitada em julgado, e, isto sim, violaria o princípio da presunção da inocência.
Tem-se como pressupostos subjetivos, sua decretação como garantia da ordem pública; da ordem econômica; por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria.
1.1 Admissibilidade
De acordo com o artigo 313 do CPP, a prisão preventiva é admitida em casos de crimes dolosos com pena privativa de liberdade, também em casos de condenação por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado e, em casos de crimes relacionados a violência doméstica familiar contra a mulher, a criança, o adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência.
Observa-se que deverá ser sempre motivada a decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva, de acordo com o estabelecido no artigo 315 do CPP.
1.2 Revogação
Como bem diz o artigo 316 do CPP, a prisão preventiva poderá ser revogada pelo juiz, no andamento do processo, em caso de verificado falta de motivo para que ela permaneça. Poderá também ser decretada novamente caso sobrevierem razões que a justifiquem.
2 TEMPO/PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
Muito se discute em relação ao prazo que deveria durar uma medida cautelar, e, no caso em questão, a prisão preventiva. A falta de previsão que havia no regramento processual penal estipulando esse tempo, fez com que a jurisprudência se encarregasse de estabelecer esse prazo. Estipulou-se, então, 81 dias para duração da instrução criminal e, consequentemente, decorrido esse prazo, daria o fim a prisão preventiva.
Com a reforma processual penal ocorrida em 2008, surgem novas discussões a respeito do excesso de prazo das prisões preventivas, uma vez que o legislador foi omisso em relação ao prazo que poderia ser considerado razoável para a aplicação de uma medida cautelar (prisão preventiva).
Visto que o STJ, de certa forma implementou determinadas súmulas com objetivo de não haver qualquer ilegalidade por excesso de prazo. Vejamos:
Súmula 21 – Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo;
Súmula 52 – Encerrada a instrução, fica superada a alegação do constrangimento da prisão por excesso de prazo;
Súmula 64 – Não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução, provocado pela defesa.
Assim, diante de tal omissão, buscaremos nos princípios analisar a respeito do excesso de prazo da prisão preventiva.
3 PRINCÍPIOS
Os princípios podem ser considerados como os pilares do ordenamento jurídico que, por sua vez, estabelecem determinados parâmetros.
São eles que informam, inspiram e orientam as regras gerais, por isso devem ser observados na criação, interpretação e aplicação de uma norma.
Para Bandeira de Mello (2010, p. 53), eis a definição de princípio:
mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico.
Para Miguel Reale (1991, p. 59), princípios são:
verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes, também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundamentos da validez de um sistema particular de conhecimento com seus pressupostos necessários.
Necessário que o uso dos princípios seja feito de forma harmônica, de modo que o emprego de um não atropele outro, pois eles têm por objetivos amoldar o ordenamento jurídico.
Assim, não há dúvidas de que o estudo dos princípios é de suma importância para uma compreensão mais aprofundada da matéria que se propõe a discutir, pois são eles mandamentos jurídicos fundamentais que influenciam na composição do sistema jurídico.
4 DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO
Forçoso destacar, por oportuno, lição de SÁ (2016, p. 72), acerca da diferenciação entre duração razoável e rapidez:
(...) não se pode confundir duração razoável com rapidez. Nem sempre um processo célere traz em si a justiça que se busca, pois nem sempre resguardados com as garantias do devido processo legal. No caso concreto o magistrado deve estar atento para ponderar os valores em jogo e saber equilibrar a celeridade almejada com as garantias constitucionais da ampla defesa e contraditório.
Sendo assim, espera-se que um processo demore o mínimo possível, para qual se tenha um resultado efetivo de uma forma mais rápida possível. Ademais, tal celeridade deve ter suas limitações, pois é imprescindível a proteção da tutela satisfativa das partes para que não se tenha direitos violados, ocasionando a injustiça.
Sabe-se que, com o advento da emenda constitucional nº 45, o art 5º, LXXVIII da CR/88 assegura, (i) a razoável duração do processo, e (ii) o emprego de meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Neste contexto, Távola e Alencar (2009, p. 54 e 55) dispõem que o excesso pode vir a gerar uma antecipação da pena. Vejamos:
Para a edição da mencionada Emenda, foram considerados os efeitos deletérios do processo e que o direito à celeridade pertence tanto a vítima como ao réu. Objetiva-se assim evitar a procrastinação indeterminada de uma persecução estigmatizadora e cruel, que simboliza, no mais das vezes, verdadeira antecipação de pena. Tambem é verdade que uma persecução penal equilibrada demanda reflexão.
(...) A razoável duração do processo implica decisivamente na legalidade da manutenção da prisão cautelar, afinal, o excesso prazal da custódia provisória leva à ilegalidade da segregação.
Visa a salientar que a razoável duração do processo deve ser garantida, pois, segundo Cruz (2006, p. 107). Vejamos:
[...] ninguém pode ser mantido preso, durante o processo, além do prazo razoável, seja ele definido por lei, seja ele alcançado por critério de ponderação dos interesses postos em confronto dialético. É dizer, todos tem o direito de ser julgados em prazo razoável e também o direito de não serem mantidos presos por prazos irrazoável.
5 CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA
Estes princípios estão previstos no inciso LV, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, pelo qual se diz que, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, visando a garantir uma bilateralidade do ato processual, efetivando o binômio informação e reação.
O princípio do contraditório recebeu nova roupagem com o advento do novo CPC. Agora, fala-se que ele se concretiza através da informação, da reação e do poder de influência, conforme lição de DIDDIER (2015, p. 78-79):
O princípio do contraditório é reflexo do princípio democrático na estruturação do processo. Democracia é participação, e a participação no processo opera-se pela efetivação da garantia do contraditório.
(...) O princípio do contraditório pode ser decomposto em duas garantias: participação (audiência, comunicação, ciência) e possibilidade de influência na decisão.
A garantia de participação é a dimensão formal do princípio do contraditório. Trata-se da garantia de ser ouvido, de participar do processo, de ser comunicado, poder falar no processo. Esse é o conteúdo mínimo do princípio do contraditório e concretiza a visão tradicional a respeito do tema. De acordo com esse pensamento, o órgão jurisdicional efetiva a garantia do contraditório simplesmente ao dar ensejo à ouvida da parte.
Há, porém, ainda, a dimensão substancial do princípio do contraditório. Trata-se do “poder de influência”. Não adianta permitir que a parte simplesmente participe do processo. Apenas isso não é o suficiente para que se efetive o princípio do contraditório. É necessário que se permita que ela seja ouvida, é claro, mas em condições de poder influenciar a decisão do órgão jurisdicional.
THEODORO JUNIOR (2015, p. 85-86) também ressalta essa evolução do princípio:
O contraditório, outrora visto como dever de audiência bilateral dos litigantes, antes do pronunciamento judicial sobre as questões deduzidas separadamente pelas partes contrapostas, evoluiu, dentro da concepção democrática do processo justo idealizado pelo constitucionalismo configurador do Estado Democrático de Direito. Para que o acesso à justiça (CF, art. 5º, XXXV) seja pleno e efetivo, indispensável é que o litigante não só tenha assegurado o direito de ser ouvido em juízo; mas há de lhe ser reconhecido e garantido também o direito de participar, ativa e concretamente, da formação do provimento com que seu pedido de tutela jurisdicional será solucionado.
É imprescindível a um processo, que ao efetivar seu objetivo de forma mais rápida possível, seguindo os princípios da celeridade e duração razoável do processo, não venha a ferir o contraditório e a ampla defesa. Espera-se, pois, que haja uma harmonia entre eles.
CONCLUSÃO
Chegou-se à conclusão que, para estipular o tempo de duração da aplicação de uma medida cautelar, em especial a prisão preventiva, deve-se levar em conta vários fatores estabelecidos em cada caso concreto, sendo imprescindível ter por base o princípio da razoável duração do processo, para que seja preservado o devido processo legal e não dê ensejo a uma antecipação da pena.
REFERÊNCIAS
CAPEZ. Fernando. Curso de Direito Processual Penal. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001
CRUZ. Rogério Schietti Machado da. Prisão cautelar: dramas, princípios e alternativas. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006.
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 17ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2015.
MELLO. Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
PEREIRA, Viviane de Freitas; MEZZALIRA, Ana Carolina. O Supremo Tribunal Federal e o prazo razoável da prisão preventiva. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?artigo_id=7810&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em 17/04/2018.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 1991.
SÁ, Renato Montans de. Manual de Direito Processual Civil. 2 ed. São Paulo, Saraiva, 2016.
SOUSA, Francisco Sobrinho de. Excesso de prazo e a prisão preventiva. Disponível em: https://fcosobrinho.jusbrasil.com.br/artigos/152861937/excesso-de-prazo-e-a-prisao-preventiva. Acesso em 17/04/2018.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 3ª ed. Bahia: juspodivm, 2009.
THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2015.