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A responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance e os requisitos para sua configuração

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06/06/2019 às 16:00
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3. A responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance

O caráter contratual decorrente da outorga de mandato pelo cliente evidencia a responsabilidade civil do advogado em relação ao outorgante. Nesse sentido Maria Helena Diniz apud Wanessa Mota Freitas Fortes[27] esclarece que “apesar de ser um múnus público, o mandato judicial apresenta uma feição contratual, por decorrer de uma obrigação de meio, exceto, nos casos em que presta assistência judiciária”.

Por sua vez a responsabilidade de natureza contratual do advogado, na medida em que advém de um acordo de vontades, está previstas nos artigos 405.º[28], 406.º[29] e 799.º[30] do Código Civil Português.

No Brasil a responsabilidade civil do advogado tem base no código de ética (art. 32 da Lei 8.906/94[31]) bem como no Código Civil, nos artigos 927[32] e 127[33].

Nesse mesmo caminho a responsabilidade civil do advogado baseada na teoria da perda de uma chance vem sem sendo analisada nos tribunais brasileiros e portugueses desde que séria e real, no entanto, de forma ainda sem harmonização dos conceitos da perda de uma chance.

O que nos parece claro, porém, é a concordância de que é necessária a caracterização do nexo de causalidade e o prejuízo causado pelo advogado mandatário de poderes a representar um cliente em juízo.

No caso hipotético de um advogado que deixa transcorrer o prazo para interposição de um recurso de uma sentença de primeiro grau não se pode atestar a perda de uma chance de ter a decisão reformada em segundo grau sem antes realizar uma análise das reais possibilidades jurídicas de sucesso no recurso.

Conforme explicita Daniel Amaral Carnaúba[34] para que se examine o nexo de causalidade entre a conduta do réu e o prejuízo pela vítima, o juiz deve realizar uma reconstrução hipotética da realidade dos fatos. O juiz deve verificar, portanto, se sem tal fato, o prejuízo desaparece ou não. Ou seja, para verificar a existência da certeza do prejuízo o juiz deve estabelecer qual seria a situação da vítima sem que ocorresse o fato que é imputado ao réu assim, haverá lesão a direito nos casos em que a situação alternativa à realidade fosse vantajosa para a vítima.

Nesse mesmo sentido Paulo Mota Pinto[35] esclarece que “para avaliar se existe ou não nexo de causalidade, e qual é a consistência da chance frustrada, o tribunal da ação de indemnização deve, pois, realizar uma espécie de “julgamento dentro do julgamento”, tentando reconstituir, para efeitos indemnizatórios, qual teria sido o resultado no processo que se frustrou. Nesse ‘julgamento dentro do julgamento’ o tribunal da ação de indemnização deve, pois adoptar a perpestiva do tribunal do processo frustrado, para apurar como teria este decidido o processo”.

É o que ocorre nos casos de perda de chances processuais em resultado ao descumprimento dos deveres do mandatário, por exemplo, pela falta de interposição de um recurso ou pela falta de apresentação de alegação intermediária. Em casos dessa natureza é possível que se determine posteriormente, com razoável probabilidade, segundo o estado da jurisprudência à data em que o recurso teria sido decidido, e as decisões tomadas para casos idênticos, como teria sido concretamente decidido a ação ou recursos frustrados[36].

É preciso, portanto, uma reconstituição hipotética do caso para saber se havia ou não chance real e séria a ser alcançada por um recurso ou uma alegação que deixou de ser apresentada, seguindo o exemplo anterior.

3.1. Quantum indenizatório pela perda de uma chance processual

Verificado que a chance perdida é real e séria através da reconstrução fática por meio de um “julgamento do julgamento” é necessário estabelecer o quantum indenizatório deve ser aplicado a título de responsabilização civil de advogado pela perda de uma chance.

Em decisão recente, de 09 de abril de 2002 a primeira Corte de Cassação francesa ratificou que “a reparação da perda de uma chance deve ser mensurada de acordo com a chance perdida e não pode ser igualada à vantagem em que teria resultado esta chance, caso ela tivesse se realizado[37]”.

Isso porque a regra fundamental a ser obedecida em casos de responsabilidade pela perda de uma chance prescreve que a reparação da chance perdida sempre deverá ser inferior ao valor da vantagem esperada e definitivamente perdida pela vítima[38].

É exatamente pela impossibilidade de reparar o dano final que doutrinadores e magistrados afirmam, com muita frequência, que a reparação pela perda de uma chance não se presta a reparação integral do prejuízo.

Nas palavras de Fernando de Noronha apud Rafael Peteffi da Silva[39] “a reparação deve corresponder à percentagem das chances com que o fato do responsável contribuiu para o dano final: esse será o valor da chance subtraída ao lesado”.

Trata-se de um raciocínio bastante lógico já que a chance de obter uma vantagem jamais poderia ter o mesmo valor que a própria vantagem[40] já que mesmo aos que defendem a interdependência da perda de uma chance e o dano final, em uma espécie de aplicação de causalidade parcial, a indenização deverá ser precedida de cálculo voltado a perquirição da probabilidade com que cada conduta atuou na determinação do evento danoso[41].

Esse parece também ser o entendimento das cortes portuguesa e brasileira, já que nesse mesmo caminho o Supremo Tribunal de Justiça português, em acórdão prolatado no processo nº n.º 540/13.1T2AVR.P1.SI, de relatoria de Alexandre Reis se estabeleceu que “o dano da “perda de chance” que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado, caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final[42]”.

Como exemplo prático dos argumentos jurídicos acima expostos pode-se citar o pedido formulado por vítima nos autos do processo 0304716-81.2017.8.24.0058[43] em trâmite na 1ª Vara da Comarca de São Bento do Sul, no Estado de Santa Catarina, Brasil, em que a vítima, empresa constituída no município, alega que o advogado deixou de apresentar defesa judicial em processo em que a vítima era acusada de protestar indevidamente o nome de terceiros e, que por tal desídia, foi condenada a pagar R$ 7.000,00 a título de indenização por danos morais a quem teve o protesto indevido. Por tal razão a empresa demanda contra o advogado requerendo indenização na ordem de R$ 15.000,00 por ter perdido a chance de apresentar manifestação e ver ser prejuízo diminuído.

Acerca do pedido do valor formulado pela vítima a título ressarcimento pela perda de uma chance de cabem algumas considerações tendo em vista o estudado até aqui:

Como já visto, a responsabilidade pela perda de uma chance somente é aplicada porque a vítima está impossibilitada de provar o nexo causal entre a conduta do agente e a perda definitiva da vantagem esperada[44] então, nesse raciocínio, não há o menor sentido em indenizar a vítima pela perda de uma chance em valor que chega ao dobro do prejuízo experimentado pela vítima, como alega em suas razões, já que a chance de se obter uma vantagem jamais poderia ter o mesmo valor que a própria vantagem[45], muito menos o dobro da vantagem esperada, caso do processo que se utiliza como exemplo.

No caso acima a decisão foi no sentido de que mesmo que o advogado tivesse apresentado manifestação jurídica no processo as chances de se obter sucesso para a vítima eram inexistentes, já que estaria amplamente comprovado que a empresa vítima havia praticado ato ilícito. A sentença utilizou-se ainda da fundamentação constante no Recurso Especial julgado em 03 de setembro de 2008, de n.º 965.758/RS[46], de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, em que assinalou que “a adoção da teoria da perda de uma chance exige que o Poder Judiciário bem saiba diferenciar o improvável do quase certo, bem como a probabilidade de perda de chance de lucro, para atribuir a tais fatos as consequências adequadas”.

3.2. A jurisprudência brasileira e portuguesa diante da perda de uma chance processual

Como já visto a teoria da perda de uma chance não se encontra positivada no ordenamento jurídico português ou brasileiro, no entanto, vem sendo absorvido pelos tribunais de ambos os países como uma forma de responsabilidade civil.

Como também já expostos, são várias as áreas que demandam mais atenção da teria da perda de uma chance, no entanto, para fins do presente relatório se dá ênfase aos casos de responsabilidade civil dos advogados por perda de chances processuais.

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Como exemplo bastante emblemático da responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance temos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de número 540/13.1T2AVR.P1.S1, julgado em 11 de janeiro de 2017[47] de relatoria de Alexandre Reis em que foi confirmada a responsabilidade com o consequente dever de indenizar de uma advogada que deixou de interpor recurso de decisão que condenou seu cliente na pena de 3 anos e 9 meses de prisão na medida em que os coautores do mesmo crime tiveram seus recursos, produzidos por outros advogados, analisados e procedentes com o fim de que obtivessem a suspensão da execução de suas penas de prisão.

A fundamentação da decisão, salvo melhor juízo, parece coadunar e aplicar os conceitos básicos da “perda de uma chance” ao passo que faz uma análise detida das reais chances de se obter sucesso caso o recurso tivesse sido apresentado e, realizando um “julgamento dentre do julgamento” observou que diante de todas as circunstâncias a vítima teria pelo menos 70% de chances de obter a suspensão da execução de sua pena de prisão e com isso manter seu emprego e seu sustento.

Em resumo, sobre a aplicação da teoria da perda de uma chance em Portugal, o que se percebe, sob o ótica de Nuno Santos Rocha[48] é que “é facilmente perceptível o recente trabalho jurisprudencial que tem sido feito em relação ao dano da “perda de uma chance”. Todavia, apesar dos visíveis progressos, a teoria ainda se encontra longe de estar consagrada no nosso ordenamento jurídico. O ainda escasso número de decisões que a invocam, as confusões existentes em relação ao tipo de dano que esta visa ressarcir (...) e o facto de existirem ainda muitas críticas em relação à possibilidade da sua aplicação, impõem a necessidade de criação de uma determinada base de actuação coerente para uma aplicação geral da teoria da perda de uma chance”.

A fim de contrapor o exemplo da aplicação da teoria da perda de uma chance em Portugal, com o reconhecimento da tese contra uma advogada, trazemos decisão em Recurso Especial de n.º178767/SP de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino[49]do Superior Tribunal de Justiça brasileiro em que foi afastada a responsabilidade civil do advogado que interpôs recurso intempestivo e que visava o reconhecimento do direito ao recebimento de benefício acidentário.

No caso concreto o Superior Tribunal de Justiça entendeu que de fato houve falha na prestação dos serviços advocatícios, no entanto, essa falha não redundou nos requisitos para que se reconhecesse a perda de uma chance porque, depois de realizar um exame das possibilidades de provimento do recurso, caso tivesse sido apresentado dentro dos prazos legais, verificou-se que as chances de se obter sucesso com o recurso, mesmo que tivesse sido apresentado dentro do prazo não era real e efetiva.

Ao arremate, anotou-se na referida decisão que “em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da "perda de uma chance" devem ser solucionadas a partir de detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do postulante, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico”.

Destaque-se que há um sem números de decisões nos tribunais brasileiros muito semelhantes a aqui citada do Supremo Tribunal de Justiça Português, ou seja, reconhecendo a responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance enquanto, no mesmo sentido, há decisões dos tribunais portugueses afastando a responsabilidade de advogados, após um cotejo pormenorizado dos requisitos intrínsecos à teoria da perda de uma chance.

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Sobre o autor
César Godoy

Advogado na empresa Cesar Godoy Advocacia Mestrando em Ciências Jurídico-Criminais na Universidade Autônoma de Lisboa Especialista em Direito Processual Penal e Direito Penal na UNICURITIBA - Centro Universitário Curitiba Especialista em Direito Civil e Empresarial na PUC-PR Graduado em Direito na Univille - Universidade da Região de Joinville

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODOY, César. A responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance e os requisitos para sua configuração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5818, 6 jun. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73060. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Relatório produzido na Disciplina de Direito Civil Avançado para obtenção do título de Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa.

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