O instituto das horas in itinere e a reforma trabalhista de 2017: análise e crítica

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10/04/2019 às 23:50
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4.. HORAS IN ITINERE E A REFORMA TRABALHISTA DE 2017

A controvérsia ora superada, primeiramente pela Súmula nº 90 do TST e depois pela edição da Lei nº 10.243/2001, ressuscitaria em 23 de dezembro de 2016. Nesta data, foi apresentada uma Medida Provisória pelo Presidente da República que transformar-se-ia em Projeto de Lei 6.787/16 pela Câmara dos Deputados que trouxe novamente à baila a discussão.

Após tramitação em regime de urgência e debate no Congresso Nacional, foi sancionada a Lei Ordinária 13.467 de 13 de julho de 2017 que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e em especial o art. 58, § 2º. Sobre esse cenário político recente, os professores Maurício Godinho Delgado e Guilherme Guimarães Feliciano (2017, pág. 9) comentam:

A reforma trabalhista foi imaginada, originalmente, por meio de medida provisória editada pelo Presidente da República (embora por tudo duvidosos, na espécie, os requisitos constitucionais da necessidade e da urgência, ut art. 62, caput, CF). Adiante, à mercê da contrariedade externada por várias centrais sindicais, a Presidência entendeu por bem encaminhar para o Poder Legislativo federal o projeto de lei acima referido, atentando para o disposto no art. 22, I, da Constituição. A tramitação, porém, deu-se em regime de urgência, com assustador menoscabo por parte dos principais interlocutores situacionistas em atividade no Parlamento. “O Brasil tem pressa”, dizia-se a todo tempo. Teve muita pressa, mas pouco juízo. Realizaram-se inúmeras audiências públicas em diversas comissões regimentais, é verdade; mas o tempo revelou não serem mais que mise en scène oficial. Afinal, da apresentação do relatório Marinho à sanção pelo Presidente da República — e apesar de todas as inconstitucionalidades, inconvencionalidades e impropriedades denunciadas nas audiências e fora delas —, não se alterou uma vírgula sequer no texto em discussão. A Lei n. 13.467/2017 foi aprovada tal qual fora redigido o substitutivo de Rogério Marinho, sem qualquer alteração sensível. O próprio Senado Federal, pelo relator ali designado (Senador Ricardo Ferraço), abdicou ineditamente de sua função revisora: conquanto se reconhecessem publicamente os vícios formais e materiais do projeto, preferiu-se aprovar o texto como remetido pela Câmara dos Deputados, para que a Presidência da República providenciasse, depois, vetos pontuais e adequações temáticas por via de medida provisória. Os vetos jamais vieram, a propósito.

Como visto, a alteração legislativa levada a efeito, está eivada de “inconvencionalidades”, para dizer menos. Conforme os autores acima, o cenário político pretendia por fim às conquistas trabalhistas, como ocorreu por meio da nova redação do art. 58, que alterou em essência e conceitualmente o instituto das horas in itinere. Ademais, o fizeram desprezando os acordos internacionais firmados pelo Estado brasileiro, como a Convenção 155 da OIT, que discutiremos mais a frente, ratificado pelo Congresso Nacional em 1992, com vigência no ano seguinte.

Segue quadro comparativo conforme ALMEIDA e OLYMPIO (2017):

Art. 58 da CLT antes da reforma/2017

Art. 58 da CLT após reforma/2017

Art. 58 – A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.

Art. 58 – A duração normal do trabalho, para os empregados em qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que não seja fixado expressamente outro limite.

§ 1º Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário no registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários.

§ 1º Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário no registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários.

§ 2º O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução.

§ 2o O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.

§ 3o Poderão ser fixados, para as microempresas e empresas de pequeno porte, por meio de acordo ou convenção coletiva, em caso de transporte fornecido pelo empregador, em local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o tempo médio despendido pelo empregado, bem como a forma e a natureza da remuneração.

§ 3o (Revogado)

Vale salientar que a referida mudança teve vacatio legis de 120 dias, portanto, passando a viger desde novembro de 2017. Outrossim, a alteração realizada pela reforma trabalhista teve o propósito de extinguir a possibilidade de aplicação de horas in itinere como tempo à disposição do empregador, esvaziando o preconizado na Súmula 90 do TST e na Lei 10.243/2001, restando possibilidade de aplicação do direito às horas in itinere senão para os ferroviários (Art. 238, § 3º, CLT) e para os mineiros (Art. 294, CLT).

4.1 Horas in itinere e a possibilidade de reconhecimento do Direito após a Reforma Trabalhista de 2017

Desde a vigência da Reforma Trabalhista que derrogou o instituto das horas in itinere, restou duvidosa a aplicação ou não em contratos assinados antes a citada reforma. No entanto, segundo a Carta Magna no art. 5º, inciso XXXVI: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;” nos deixa confortável em afirmar que não se aplica aos contratos antigos, visto a proteção constitucionalmente aos atos praticados antes da entrada em vigor, isto é, atos jurídicos perfeitos, os atos já concluídos, concretizados e, portanto, imunes a alteração de lei posterior.

Após a edição da Lei 13.467 de 13 de julho de 2017, que deu nova redação ao Art. 58, parágrafo 2º da CLT, abolindo o instituto das horas in itinere, surgiram argumentos robustos e teses doutrinárias na seara trabalhista que defendem a continuidade da aplicação do instituto das horas in itinere. É o que ficou compreendido no Enunciado 16, debatido na Comissão Nº 2, da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho realizada na Capital da República brasileira, com sede em Brasília-DF, ocorrida após três meses da sanção da Reforma Trabalhista. Esta foi a Ementa:

HORAS DE TRAJETO: HIPÓTESES DE CÔMPUTO NA JORNADA APÓS A LEI 13.467/2017

A ESTRUTURA NORMATIVA MATRIZ DO ART. 4º DA CLT CONTEMPLA A LÓGICA DO TEMPO À DISPOSIÇÃO, NÃO ELIMINADA A CONDIÇÃO DE CÔMPUTO QUANDO SE VERIFICAR CONCRETAMENTE QUE O TRANSPORTE ERA CONDIÇÃO E/OU NECESSIDADE IRREFUTÁVEL, E NÃO DE ESCOLHA PRÓPRIA DO EMPREGADO, PARA POSSIBILITAR O TRABALHO NO HORÁRIO E LOCAL DESIGNADOS PELO EMPREGADOR, MANTENDO-SE O PARÂMETRO DESENVOLVIDO PELA SÚMULA 90 DO TST, CASO EM QUE FARÁ JUS O TRABALHADOR À CONTAGEM, COMO TEMPO DE TRABALHO, DO TEMPO DE DESLOCAMENTO GASTO EM TRECHO DE DIFÍCIL ACESSO OU SEM TRANSPORTE PÚBLICO POR MEIO FORNECIDO PELO EMPREGADOR, NA IDA OU RETORNO PARA O TRABALHO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 3º, C, DA CONVENÇÃO 155 DA OIT.

2. INAPLICABILIDADE DO §2º DO ART. 58 DA LEI 13.467/2017 AO TRABALHO EXECUTADO NA ATIVIDADE RURAL.

A 2º Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho foi idealizada pela Associação Nacional de Magistrados da Justiça do Trabalho, com apoio e parceria de vários órgãos e associações, por exemplo, o Ministério Público do Trabalho e Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho.

O Evento realizado trouxe indelével contribuição para os estudiosos e juristas da área trabalhista acerca da aplicabilidade das Horas de Trajeto no cômputo da Jornada de trabalho, após edição da Reforma Laboral.

Cabe dizer que, conforme a proposta discutida no Enunciado 16, a hipótese sustentada da permanência do instituto se reserva ao atendimento de algumas premissas. A ementa contempla as condições de continuidade do reconhecimento das horas de trajeto na jornada de trabalho em perímetro urbano:

1) “O transporte era condição e/ou necessidade irrefutável”;

2) “Não de escolha própria do empregado”;

3) “Para possibilitar o trabalho no horário e local designados pelo empregador”.

Considerando a primeira premissa, temos como elemento indispensável para o reconhecimento do instituto das horas in itinere, conforme o enunciado, se o empregador disponibilizar o transporte, como condição sine qua non, isto é, o transporte era condição e/ou necessidade irrefutável para viabilizar o acesso as dependências do estabelecimento onde será realizada as atividades laborais, compreendemos que são devidas as horas de trajeto ao obreiro com reconhecimento no impacto na jornada de trabalho.

Analisando a segunda premissa, “não de escolha do próprio empregado”, vê-se que o empregado nesta relação de subordinação, fato integrante da relação de empregatícia, não tem opção de escolha do local de trabalho, ficando à disposição do empregador tal designação. Destarte, por conta desta submissão à decisão do empresário quanto à escolha do local de trabalho, ratio da própria CLT, responde a classe patronal pelos gastos advindos de sua escolha, não sendo justo impor aos obreiros este ônus, sob pena de enriquecimento ilícito.

Por fim, avançando para a terceira premissa, “Para possibilitar o trabalho no horário e local designados pelo empregador”, percebemos uma nítida vinculação com a opção do empresário em estabelecer seu empreendimento num lugar que melhor lhe convêm, restando-lhe por óbvio, o risco empresarial. Não há que se falar em o empregado responder aos encargos desta escolha do empregador, portanto, sendo mister que aquele custei os eventuais gastos necessários para produção, isto é, com o pagamento das horas in itinere, por ser tempo à disposição do empregador. Pensar de modo diverso, seria impor uma penalidade aos trabalhadores, pelo simples motivo de necessitarem de um emprego para sustento próprio e de seus familiares.

O Art. 4º da Consolidação das Leis Trabalhistas traduz as condições da jornada de trabalho, norteando a configuração do tempo à disposição do empregador:

Art. 4º – Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada. Parágrafo único – Computar-se-ão, na contagem de tempo de serviço, para efeito de indenização e estabilidade, os períodos em que o empregado estiver afastado do trabalho prestando serviço militar… (VETADO)… e por motivo de acidente do trabalho.

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Da exegese do texto, é possível extrair que o tempo em que o empregado permanece em um transporte, numa condição imposta pelas peculiaridades da localidade escolhida pelo empregador, conforme o horário determinado para o translado, no lugar de embarque até o seu desembarque, e seu respectivo retorno, permite-nos compreender à toda evidência que durante o tempo de itinerário o empregado permanece sob ordens do empregador, e portanto, à disposição, estando sujeito que lhe adiantem as demandas da empresa para aquele dia.

Na mesma esteira, vale destacar a ementa apresentada pelo Procurador do Trabalho Paulo Douglas Almeida de Moraes na referida Jornada sob o tema Cabimento do cômputo da jornada “in itinere”:

O TEMPO DE PERCURSO CASA-TRABALHO E VICE E VERSA DEVE SER COMPUTADO NA JORNADA NORMAL DE TRABALHO, SEJA COM BASE NO PRINCÍPIO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL (APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 238, § 3º DA CLT), SEJA COM FULCRO NO ART. 3, “C” DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL N. 155 DA OIT, QUE RECLAMA QUE O ART. 58 § 2º DA CLT RECEBA INTERPRETAÇÃO CONFORME AO ALUDIDO DISPOSITIVO INTERNACIONAL.           

De acordo a tese defendida pelo Procurador do Trabalho, a nova redação conferida pela reforma trabalhista ao art. 58 § 2º da CLT deve ser interpretada sob a ótica da Convenção 155 da OIT para que não haja retrocesso social com derrogação de direitos adquiridos.  Nas razões e fundamentos da ementa acima, elenca razões para a não derrogação do instituto das horas in itinere:

A integração do tempo de percurso à jornada é um poderoso instrumento para resguardar não apenas o direito à limitação da jornada (art. 7º, XIII, CF) e o direito à saúde (arts. 6º c/c 196, CF), mas sobretudo para viabilizar o exercício do direito ao tempo de não-trabalho, ou seja, garantir o gozo do direito ao lazer (art. 6º, caput, CF) e ao convívio familiar (art. 227, CF).

    Pelo exposto, o instituto da horas in itinere apresenta-se, aos moldes da Súmula 90, como instrumento de fruição para outros direitos trabalhistas, a saber, direito à limitação da jornada de trabalho, direito à saúde, direito ao tempo de não-trabalho, este último é pressuposto para tornar viável o direito ao lazer e o direito ao convívio familiar, como já discutido anteriormente.

Para a Doutora em Direito, Estado e Cidadania pela Universidade de Brasília Noemia Aparecida Garcia Porto, a derrogação não é possível com a Reforma trabalhista por não ter sido revogado o art. 4º da CLT, de acordo com a tese discutida na 2ª Jornada de Trabalho.

Permanecendo a estrutura normativa matriz do art. 4º da CLT, que contempla a lógica do tempo à disposição, não está eliminada a condição de cômputo quando se verificar concretamente que o transporte era condição e/ou necessidade irrefutável para possibilitar o trabalho no horário e local designados pelo empregador, mantendo-se íntegro o parâmetro desenvolvimento pela Súmula nº 90 do TST.

Há de se observar que a reforma trabalhista de 2017 não fez referência quando a empresa estiver localizada em local de difícil acesso ou não servido de transporte público regular, hipótese em que se verifica que não se desejou excluir a aplicação nesta ocasião. Isto advém do próprio risco empresarial suportado pelo empregador de acordo com o Art. 2º, Caput, da CLT: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”. Note-se que não há que falar que o empregado tenha que, em nome da manutenção do empreendimento empregatício, que em tese sustentar o recebimento de salários, suportando aumento de jornada sem a repercussão do reconhecimento ao recebimento das horas in itinere e todos os seus reflexos.

4.2 – A Reforma Trabalhista e a Organização Internacional do Trabalho (OIT):

A nova redação do art. 58, parágrafo 2º da Lei 13.467 de 13 de julho de 2017, parece não ter levado em consideração as diretrizes da Organização Internacional do Trabalho em relação ao Direito Material do Trabalho, da Convenção nº 155, que trata da Segurança e Saúde dos Trabalhadores. Antes de passarmos para a fase de análise comparativa entre a norma de Direitos Humanos e a famigerada reforma, segue um breve histórico da Convenção nº 155:

  • Na esfera internacional:

a) Aprovada em 1981, em Genebra na 67ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho;

b) Em 11 de agosto de 1983, entra em vigor no plano internacional;

  • Na esfera nacional:

a) Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 02, de 17 de março de 1992, do Congresso Nacional;

b) É ratificada em 18 de maio de 1992;

c) Promulgada pelo Decreto nº 1.254, de 29 de setembro de 1994;

d) Em 18 de maio de 1993, inicia a vigência em território nacional.

Vale dizer que a Convenção 155 está em vigor no ordenamento jurídico brasileiro há 24 anos, e o art. 3º, alínea c, tem norteado a compreensão a respeito de horas de itinerário. Assim dispõe:

A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho:

Convocada em Genebra pelo conselho de Administração da Repartição Internacional do Trabalho, e reunida nessa cidade em 3 de junho de 1981, na sua sexagésima sétima sessão; Após ter decidido adotar diversas proposições relativas à segurança, à higiene e ao meio-ambiente de trabalho, questão que constitui o sexto item da agenda da reunião, e após ter decidido que tais proposições tomariam a forma de uma convenção internacional, adotada, na data de 22 de junho de mil novecentos e oitenta e um, a presente convenção, que poderá ser citada como a ‘Convenção sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores, 1981:

PARTE I ÁREA DE APLICAÇÃO E DEFINIÇÕES(...)

Art. 3 — Para os fins da presente Convenção:

a) a expressão ‘áreas de atividade econômica’ abrange todas as áreas em que existam trabalhadores empregados, inclusive a administração pública;

b) o termo ‘trabalhadores’ abrange todas as pessoas empregadas, incluindo os funcionários públicos;

c) a expressão ‘local de trabalho’ abrange todos os lugares onde os trabalhadores devem permanecer ou onde têm que comparecer, e que estejam sob o controle, direto ou indireto, do empregador; (grifo nosso).

d) o termo ‘regulamentos’ abrange todas as disposições às quais a autoridade ou as autoridades competentes tiverem dado força de lei;

e) o termo ‘saúde’, com relação ao trabalho, abrange não só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene no trabalho.

A partir da análise do dispositivo, compreendemos que a diretriz se coaduna com a ratio da Súmula 90 do TST, visto possuir objeto de proteção na órbita da segurança e saúde do trabalhador. Destarte, é de clara identificação que a aplicação das horas in itinere está diretamente ligada com a saúde do trabalhador, pois se quer demonstrar que a jornada de trabalho se inicia no local onde o obreiro se sujeita ao controle direto ou indireto do empregador, e assim é submetido a jornadas de trabalho, que uma vez majoradas, se constituem acima do nível aceitável de segurança à sua saúde, sem a devida contrapartida.

Ainda na esfera internacional, em 2015 o Tribunal de Justiça da União Europeia reformou, em grau de recurso, a sentença da Audiência Nacional considerando que o tempo gasto para deslocamento de trabalhadores para realizar atividades nas casas de clientes, seria contabilizado como “tempo de trabalho”.

Este entendimento foi aduzido a partir do contrato de trabalho entre empregados e patrono, pois este último escolheu encerrar suas atividades nos escritórios regionais situados em províncias, e consequentemente, alocou os colaboradores num escritório central. Apesar da peculiaridade do caso em tela, o Tribunal europeu evidenciou alguns pontos de destaque para nossa pesquisa. O órgão jurisdicional afirmou, peremptoriamente, o argumento de que o tempo de deslocamento residência-clientes, trata-se de “tempo de trabalho” e não “tempo de descanso”, como sustentou o empregador. Ademais, concluiu no caso europeu, em que os colaboradores não possuíam local de trabalho fixo ou habitual, o período em que se deslocam entre casa-clientes-casa estão sob ordens de seus patrões e, ao fim e ao cabo, à disposição do empregador.

A Reforma Trabalhista de 2017, como já sinalizado anteriormente, contraria normas de direitos humanos como as elencadas nas diretrizes da Organização Internacional do Trabalho. Diante da repercussão da aprovação da Reforma Trabalhista, a OIT recebeu notificação que no Brasil direitos trabalhistas estavam sendo derrogados. Destarte, a partir de uma análise pela Comissão de Aplicação de Normas da OIT, o Estado brasileiro foi incluído na lista de países sob suspeita de descumprir normas internacionais de proteção aos trabalhadores, ao lado de países como Camboja, Eritréia e Haiti, conforme decisão divulgada durante sessão da Comissão de Aplicação de Normas na 107ª Conferência Internacional do Trabalho, ocorrida em 29 de maio de 2018, em Genebra. Por este motivo o Brasil foi instado a prestar esclarecimentos a cerca das condições de trabalho e o cumprimento de normas da OIT. Segue a lista abaixo divulgada no informe III, parte A, da Comissão de Peritos da OIT:

CASO NÚM.

PAÍS

Número da convenção

(Os números das páginas entre parênteses se referem a versão espanhola do Informe da Comissão de Peritos)

1

Estado Plurinacional de Bolivia**

138 (página 260)

2

Camboya**

105 (página 200)

3

Eritrea**

29 (página 210)

4

Haití**

1/14/30/106 (página 565)

5

Honduras**

87 (página 108)

6

República de Moldova**

81/129 (página 481)

7

Samoa

182 (página 337)

8

Serbia

144 (página 464)

9

Ucrania

81/129 (página 492)

10

Argelia

87 (página 46)

11

Bahrein

111 (página 371)

12

Belarús

29 (página 193)

13

Estado Plurinacional de Bolivia

131 (página 545)

14

Botswana

87 (página 61)

15

Brasil

98 (página 64)

16

El Salvador

144 (página 457)

17

Georgia

100 (página 399)

18

Grecia

98 (página 94)

19

Japón

87 (página 119)

20

Libia

122 (página 519)

21

Malasia – Malasia Peninsular/Sarawak**

19 (página 583)

22

México

87 (página 148)

23

Myanmar

87 (página 153)

24

Nigeria

98 (página 161)

           

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Tese elaborada para defesa da monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade de Brasília-DF.

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