O instituto das horas in itinere e a reforma trabalhista de 2017: análise e crítica

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10/04/2019 às 23:50
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5. CONCLUSÃO

Conforme visto, a presente pesquisa buscou identificar entre as primeiras codificações da história da humanidade, alguma limitação primitiva da jornada diária de trabalho, tendo como referencial teórico a literatura consuetudinária dos povos semíticos.

Incluiu-se nesta análise, a abordagem do instituto das horas in itinere, visto que demonstrou ser um desdobramento lógico do lapso de tempo em que o empregado permanece à disposição do empregador para executar ou aguardar ordens no local do efetivo cumprimento ou em outro designado pelo empregador.

Para melhor compreensão do instituto em tela, observamos o processo evolutivo dos direitos trabalhistas, sob o prisma das horas à disposição, e foi possível constatar que, no período escravocrata, o tempo de labor ocorria do nascer do sol ao ocaso do dia, sem interrupção semanal. Posteriormente, entre os Hebreus, ainda na Idade Antiga, foi implementada a limitação da jornada semanal pelo descanso do Shabat, e no Brasil no Século XX, esse processo de codificação conduziu a constitucionalização da jornada diária limitada a oito horas, conforme estabelecido na Constituição de 1934, na era Varguista, e posteriormente foi inserida na Consolidação das Leis Trabalhistas – Decreto-Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943.

Neste trabalho buscou-se identificar no ordenamento jurídico brasileiro o surgimento do instituto das horas in itinere. Percebeu-se que foi a partir da súmula 90 do Superior do Tribunal do Trabalho. Então, observou-se que a motivação fora as decisões antagônicas dos tribunais pátrios que levaram ao reconhecimento das horas de trajeto e consequente pacificação do tema.  Foi aventado também que a consequência natural da tipificação das horas itinerárias é a conversão em horas extraordinárias e a aplicação do acréscimo de cinquenta por cento da hora normal, cumprindo o determinado constitucionalmente. Os tribunais pátrios passaram a aplicar, seguindo os comandos da Súmula 90 que perfilavam os seguintes critérios: “condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular”.

Acerca dos elementos probatórios da ocorrência das horas de itinerário, foi verificada a necessidade de que o obreiro apresente, por todos os meios de prova permitidos no Direito brasileiro, os elementos que demonstrem que se enquadrava nos elementos descritos no parágrafo 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) para requerer a implementação das horas não reconhecidas pelo empregador, acrescente-se que o reconhecimento implica também no recebimento de todos os reflexos decorrentes.

Superadas as controvérsias iniciais sobre a aplicação das horas in itinere após pacificação pela legislação desde 2001, em 2017 o Congresso Nacional edita a Reforma Trabalhista pela lei 13.467/2017 que descaracterizou a ocorrência das horas in itinere em perímetro urbano, como tempo à disposição do empregador. Ao nosso sentir, houve um retrocesso legislativo, destarte, em nada contribuiu para o fomento da dignidade e o valor do trabalho. Acreditamos que, o princípio do não retrocesso, vedado por nosso ordenamento jurídico, foi inobservado, desta forma os direitos humanos dos trabalhadores foram ignorados.

Ademais, conforme visto anteriormente, a ementa do Enunciado 16 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho realizada na Capital Federal do Brasil, elenca hipóteses de aplicabilidade de horas in itinere, em perímetro urbano, na jornada de trabalho. Conforme enunciado deve-se observar estes requisitos:

1) “O transporte era condição e/ou necessidade irrefutável”;

‘2) “Não de escolha própria do empregado”; e

3) “Para possibilitar o trabalho no horário e local designados pelo empregador”

A partir de tais condições, entendemos possível a aplicabilidade do instituto das horas in itinere após edição da Lei 13.467/2017, visto possuir características de direitos humanos com respaldo em Tratado Internacional, a saber a OIT - Organização Internacional do Trabalho, do qual o Estado brasileiro é signatário.

Por último, compreendemos que, como o Estado brasileiro assinou e internalizou a Convenção 155 da OIT – Organização Internacional do Trabalho, que é a base e fundamento firme do instituto das horas in itinere e  cujo Tratado foi recebido no Direito Interno com natureza de Direitos Humanos, possuindo proteção Constitucional conforme parágrafo 3º do art. 5º da CF/88, portanto, não é possível o descumprimento sem uma possível penalização do Estado brasileiro perante organismos internacionais.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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TRT 12ª Reg. 2ª T (Proc. 3308/91) Rel. Juiz Hemut A. Schaarschimidt, Synthesis nº p. 252).

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Tese elaborada para defesa da monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade de Brasília-DF.

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