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Peculiaridades dos convênios administrativos firmados com as entidades do terceiro setor

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14/10/2005 às 00:00
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III. CONVÊNIOS ADMINISTRATIVOS COM O TERCEIRO SETOR

            Em já consagrada conceituação, Hely Lopes Meirelles define convênios administrativos como "acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes." [21] (Grifamos.)

            Tanto no contrato como no convênio há acordo de vontades, mas, enquanto que no contrato existem:

            a) duas partes (podendo ter mais de dois signatários);

            b) partes com interesses diversos e opostos;

            c) uma parte que pretende o objeto do ajuste (fornecimento, serviço, obra, etc), e a outra a contraprestação correspondente (o valor ou outra vantagem).

            No convênio: [22]

            a) o acordo não é contrato (não há vínculo contratual);

            b) não há partes, mas partícipes;

            c) há partícipes com as mesmas pretensões: interesses comuns e coincidentes (uma única posição jurídica, podendo existir diferenças na cooperação de cada um);

            d) qualquer partícipe pode se retirar quando desejar, sem penalidades. Só ficará responsável pelas obrigações e auferirá as vantagens do tempo em que participou voluntariamente do acordo;

            e) não há cláusula de permanência obrigatória;

            f) não há preço ou remuneração, mas apenas mútua cooperação (o que pode implicar repasse de verbas, de bens, recursos humanos, know-how).

            Note-se que os convênios podem ser firmados por pessoas de direito público ou privado, físicas ou jurídicas, desde que, é claro, um dos convenentes seja entidade pública, e não órgão.

            Há de se ressaltar que têm sido, equivocadamente, firmado convênios ao invés de contratos, com o simples intuito de fuga do procedimento licitatório, ou mesmo por desconhecimento das reais possibilidade de uso de cada instituto. Para ser evitada essa situação, o art. 38, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93, determina que as minutas dos convênios sejam previamente examinadas e aprovadas pela assessoria jurídica da Administração.

            Convênios, quando firmado com entidade privada, é uma atividade de fomento, onde, segundo Maria Sylvia Di Pietro, "o Estado deixa a atividade na iniciativa privada e apenas incentiva o particular que queira desempenhá-la, por se tratar de atividade que traz algum benefício para a coletividade" [23], numa atuação subsidiária do Estado (via auxílios financeiros, subvenções, financiamentos, favores fiscais, desapropriação por interesse social em favor de entidades privadas sem fins lucrativos).

            Toshio Mukai alerta que "o objeto do convênio deve atender necessariamente a um interesse público, independentemente de haver outros interesses particulares em jogo. O que não pode consagrar é apenas interesses particulares". [24]

            Mas convênio é contrato? Enquanto Hely Lopes Meirelles [25] e o Supremo Tribunal Federal (RTJ 141/619) entendem que convênio é acordo mas não é contrato, há discussão doutrinária sobre o tema.

            Marçal Justen Filho não chega a afirmar que os convênios administrativos têm natureza contratual, mas tece uma relação entre os contratos comutativos ou distributivos da teoria geral do direito, onde há interesses contrapostos, dos de natureza cooperativa ou organizacional, onde há aproveitamento conjunto e simultâneo de bens e recursos humanos, com objetivo comum (ex: contratos societários). Segundo o autor, os contratos administrativos seriam comutativos ou distributivos. [26]

            Sílvio Luís Ferreira da Rocha entende que é um erro a distinção entre convênio e contrato na questão da diversidade de interesses, invocando os contratos associativos, e que a diferença estaria apenas na inexistência de cláusulas exorbitantes nos convênios. [27]

            Já Toshio Mukai não concorda com a equiparação dos convênios com os contratos cooperativos do direito privado, nos quais "embora os interesses sejam opostos, chegam a configurar verdadeira composição no sentido de fazer emergir a vontade contratual, tanto que surge a vontade societária", enquanto que nos convênios "não há a composição de vontades; há simples cooperação", onde "os partícipes continuarão a realizar seus próprios objetivos sociais, não de uma nova pessoa jurídica, que de fato não surge". [28] Além de no convênio existirem interesses recíprocos, segundo o autor esses interesses recíprocos não se compõem, não formam um terceiro interesse, como nos contratos de sociedade.

            Odete Medauar entende que os consensos, acordos, cooperações e parcerias entre a Administração Pública e particulares "incluem-se numa figura contratual, num módulo contratual" e que "a dificuldade de fixar diferenças entre contrato e convênio parece levar a concluir que são figuras da mesma natureza, pertencentes à mesma categoria, a contratual". [29]

            Diogo de Figueiredo Moreira Neto aduz que "o convênio é o ato administrativo complexo em que uma entidade pública acorda com outra ou com outras entidades, públicas ou privadas, o desempenho conjunto, por cooperação ou por colaboração, de uma atividade de competência da primeira". [30]

            Como pode-se verificar, a doutrina está longe de ter um pensamento uníssono sobre a natureza do convênio. Concordamos com os posicionamentos que definem naturezas diferentes para os convênios e contratos, pela falta de semelhança dos objetivos e demais características dos dois institutos.

            A própria Lei nº 8.666/93, em seu art. 116, aduz que aplicar-se-ão aos convênios, apenas no que couber, os dispositivos da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, deixando claro, segundo nosso entendimento, a diferença de natureza de contratos e convênios.

            Outro ponto muito discutido pelos doutrinadores é o que trata da necessidade ou não de licitação prévia à assinatura dos convênios administrativos.

            Maria Sylvia Zanella Di Pietro, José dos Santos Carvalho Filho e Toshio Mukai entendem que para a celebração de convênios não é necessária a licitação. Odete Medauar, sobre o tema, alerta o seguinte:

            "No tocante aos convênios entre órgãos e entes estatais e entidades particulares, o que, sobretudo, fundamenta a desobrigação de licitação é a especificidade do objeto e da finalidade. No entanto, se a Administração pretender realizar convênio para resultado e finalidade que poderão ser alcançados por muitos, deverá ser realizada licitação ou se abrir a possibilidade de conveniar sem limitação, atendidas as condições fixadas genericamente; se assim não for, haverá ensejo para burla, acobertada pela acepção muito ampla que se queira das aos convênios. Alguns casos ocorrem na prática, nos quais, a título de convênio, obras são contratadas sem licitação e pessoas são investidas em funções e empregos públicos sem concurso ou seleção". [31]

            Antonio Roque Citadini ainda aduz que "os convênios, quando firmados entre órgãos públicos e entidades particulares obedecerão às normas aqui previstas (art. 116 da Lei nº 8.666/93), acrescidas de que sua inicial pactuação deverá obedecer aos princípios gerais da contratação pública, em especial os de impessoalidade, igualdade dos particulares perante a Administração Pública e probidade administrativa, sem os quais o convênio não poderá ser realizado". [32]

            Por entendermos que realmente convênio e contrato são institutos diversos, também nos posicionamos no sentido que para se firmar convênios não é obrigatória a realização de licitação prévia.

            Entretanto, algumas análises são necessárias. Em primeiro lugar, apenas os convênios nos termos acima tratados podem ser assim denominados e, é claro, apenas nesses acordos existiria a desobrigação de licitar. Os acordos chamados de convênios mas que na realidade são contratos estariam adstritos a todas as normas relativas aos contratos.

            Além disso, concordamos que existindo mais de um interessado em situação de igualdade, com interesse em firmar convênio com a Administração Pública, não poderá o administrador, sem qualquer motivação, escolher sua entidade "preferida". Nessa situação, para o melhor atendimento do interesse público e princípios como o da moralidade, isonomia, publicidade, a Administração está vinculada a realizar processo de escolha, com divulgação da intenção de firmar o convênio, e seleção por meio de critérios pré-definidos.

            Como já tratado, o art. 116 da Lei nº 8.666/93 estabelece que as disposições da Lei nº 8.666/93 aplicam-se, no que couber, aos convênios administrativos, assim como em outros instrumentos de mesma natureza (acordos, ajustes, etc).

            As exigências especificadas nos parágrafos do art. 116 são aplicadas aos convênios os quais estipularem repasse de recursos (regras financeiras). São elas:

            a) Plano de Trabalho: a organização interessada em firmar o convênio deve apresentar plano de trabalho, que será aprovado pela Administração. Apenas após esse trâmite será possível celebrar o convênio. O Plano de Trabalho deverá conter, no mínimo, as seguintes informações: identificação do objeto; metas a serem atingidas; etapas de execução; plano de aplicação dos recursos financeiros; cronograma de desembolso; e previsão de início e fim da execução do objeto e da conclusão das etapas programadas. Se o ajuste compreender obra ou serviço de engenharia, e se o custo total do empreendimento não recair sobre a Administração Pública, deve existir no Plano de Trabalho comprovação de que os recursos próprios estão assegurados por quem for executar o convênio.

            b) Poder Legislativo: a Lei nº 8.666/93 determina que assinado o convênio, a Administração dará ciência à Assembléia Legislativa ou à Câmara Municipal respectiva. Lembramos que o Supremo Tribunal Federal entende que é incostitucional a norma que exige autorização legislativa específica para que os convênios sejam firmados, por ferir a independência entre os Poderes. [33] A partir da Lei nº 8.666/93, é exigida apenas a comunicação após a celebração.

            c) Plano de Aplicação: as parcelas do convênio deverão ser liberadas nos exatos termos do plano de aplicação, exceto nos casos fixados na Lei nº 8.666/93, quando as parcelas ficarão retidas até o saneamento das seguintes improbidades: não comprovação da boa e regular aplicação da parcela já recebida; descumprimento do convênio ou de normas pelo executor; e não adoção de medidas saneadoras apontadas pelo repassador ou controlador.

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            d) Saldos do convênio: os não utilizados devem ser devidamente aplicados pelo executante, e as receitas dessa aplicação serão computadas a crédito do convênio e aplicadas ao seu objeto, e constará no demonstrativo que integrará a prestação de contas.

            e) Extinção do convênio: na conclusão, denúncia, rescisão ou extinção do acordo, os saldos financeiros remanescentes (inclusive os provenientes das aplicações) serão devolvidos em 30 dias, sob pena de instauração de tomada de contas especial.

            Toshio Mukai aduz que: "é necessário demonstrar que todo o valor repassado foi utilizado na consecução daquele resultado". Assim, o dinheiro repassado mantém a natureza de dinheiro público. O executor do convênio administra dinheiro público e, portanto, presta contas ao repassador e ao Tribunal de Contas (art. 70, parágrafo único, da CF). [34]

            Sobre convênios, informamos ainda que a Instrução Normativa da Secretaria do Tesouro Nacional nº 01/97 (e alterações posteriores), que disciplina a celebração de convênios de natureza financeira firmados pela Administração Pública federal (e portanto, não aplicável aos convênios firmados pela Administração estadual e municipal), [35] disciplina algumas questões, como por exemplo:

            a) proíbe a destinação de recursos às instituições privadas com fins lucrativos (art. 5º, inc. II);

            b) veda a realização de despesas a título de taxa de administração (art. 8º, inc. I);

            c) exige que as entidades privadas, quando da execução e despesas com recursos transferidos, sujeitam-se às regras da Lei nº 8.666/93, inclusive com relação à licitação e contrato, podendo ser utilizada a modalidade pregão, nos termos da Lei nº 10.520/2002 (art. 27, alterado pela IN nº 03/2003, conforme Decisão do TCU nº 1.070/2003, Plenário, item 9.2).

            Por fim, com o intuito de utilizar uma Constituição Estadual como exemplo, saliente-se que a Constituição do Estado do Paraná de 1989 (art. 14) autoriza expressamente o Estado a celebrar convênios com entidades de direito público ou privado. A Carta Magna estadual (art. 54, inc. XXI) ainda determina que a Assembléia Legislativa deve autorizar previamente a celebração de convênios por parte do Governo do Estado com entidades de direito público ou privado, mas o STF entendeu ser essa disposição inconstitucional (ADIn 342-9). [36]


CONCLUSÕES

            Diante de todo o exposto, verificamos que as entidades do terceiro setor, que são de direito privado mas sem fins lucrativos, e portanto não pertencentes ao Estado ou mercado, cada vez firmam mais convênios com a Administração Pública.

            Entendemos que o princípio da subsidiariedade não é, necessariamente, algo desconexo do Estado Social, Estado esse que deve, ainda, ser responsável pelas questões sociais, principalmente nos países periféricos não desenvolvidos, podendo trabalhar em conjunto com a sociedade civil mas, em momento algum, se eximir de suas responsabilidades.

            Abordamos no presente trabalho os temas licitação, dispensa, inexigibilidade e contratos administrativos com o terceiro setor como forma de iniciar o tema principal, que é o convênio administrativo firmado com as entidades da sociedade civil sem fins lucrativos.

            Tentamos deixar clara a diferença entre contratos administrativos e convênios, quando abordamos que nesse não há vínculo contratual, pois é apenas um acordo, onde não há partes, mas sim partícipes com as mesmas pretensões (interesses comuns), podendo qualquer um retirar-se do acordo quando bem desejar; enquanto que no contrato há duas partes com interesses opostos (um pretende o objeto e o outro a contraprestação), aplicando-se a Lei nº 8.666/93, no que couber, a esse tipo de acordo, além, é claro, do seu art. 116.

            Opinamos, ainda, pela desnecessidade de realização de licitação prévia aos convênios, quando estes forem realmente convênios, devendo ser realizado procedimento de seleção, respeitados os princípios aplicáveis à Administração Pública, quando várias entidades, em situação de igualdade, forem interessadas em conveniar com o Poder Público.

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Sobre o autor
Tarso Cabral Violin

advogado, assessor jurídico da Secretaria de Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social do Paraná (SETP), professor de Direito Administrativo do Centro Universitário Positivo (UnicenP), ex-integrante da Consultoria Zênite, pós-graduado no Curso de Especialização em Direito Administrativo pelo Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos (IBEJ), mestrando em Direito do Estado na UFPR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIOLIN, Tarso Cabral. Peculiaridades dos convênios administrativos firmados com as entidades do terceiro setor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 833, 14 out. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7421. Acesso em: 19 abr. 2024.

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