INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por finalidade apresentar os principais aspectos procedimentais e jurisprudenciais relativos ao processo administrativo disciplinar aplicável aos Magistrados. Desde já convém recordar que, antigamente, as leis de organização judiciária dos Estados, os Regimentos Internos e as Resoluções dos Tribunais referentes ao tema eram muito discrepantes umas das outras, e até mesmo com alguns de seus dispositivos desatualizados ou superados.
Justamente por causa disso, foi publicada, em 13 de julho de 2011, a Resolução n.º 135 do Conselho Nacional Justiça, com o intuito de uniformizar as normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar em face de Magistrado.
Com efeito, não é demais esclarecer que os dispositivos da referida resolução CNJ devem estrita observância à Constituição Federal, à Lei Orgânica da Magistratura e à legislação ordinária que lhe seja correlata.
Assim, sem perder de vista que o foco do presente artigo é abordar os aspectos procedimentais e jurisprudenciais da apuração disciplinar em face de Magistrados, merecem ser trazidos à baila alguns dispositivos constantes das chamadas “Disposições Gerais” da Resolução n.º 135 CNJ.
I – DISPOSIÇÕES GERAIS
Em primeiro lugar, merece destaque o art. 1º da referida resolução, pois define quem é magistrado para fins disciplinares. Outro ponto importante está em seu art. 3º, no qual estão previstas as penas disciplinares aplicáveis aos magistrados, quais sejam: advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade, aposentadoria compulsória e demissão.
Outrossim, é válido ainda destacar o quanto disposto em seu art. 4º, o qual já estabelece que ao magistrado negligente no cumprimento de seus deveres, poderá ser aplicada pena de advertência. No caso de reiteração e procedimentos incorretos, a pena será de censura.
II – INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR
Incialmente é necessário esclarecer quem é a autoridade competente para promover a apuração imediata dos fatos. No caso de fatos imputados aos magistrados de primeiro grau, a autoridade competente para apurar será o Corregedor do Tribunal.
Nos demais casos, a competência será do Presidente ou outro membro competente do Tribunal, conforme dispuser seu respectivo Regimento Interno – desde que não conflite com os termos da Resolução n.º 135/2011 CNJ.
Aliás, se dessa apuração preliminar resultar a verificação de falta ou infração atribuível ao magistrado, será determinada pela respectiva autoridade competente a instauração de sindicância ou proposta diretamente, ao Tribunal, a instauração de processo administrativo disciplinar.
Importante ressaltar que a notícia dessa irregularidade poderá ser feita por toda e qualquer pessoa, exigindo-se, contudo, formulação por escrito, nos termos do art. 9º da Resolução n.º 135/2011. Assim, uma vez identificados os fatos, o magistrado será notificado para, no prazo de 5 (cinco) dias, prestar informações.
Quando os fatos narrados não configurarem infração disciplinar ou ilícito penal, o procedimento será arquivado de plano pelo Corregedor, no caso dos magistrados de primeiro grau, ou pelo Presidente do Tribunal, nos demais casos ou, ainda, pelo Corregedor Nacional de Justiça, nos casos levados ao seu exame.
Nesse sentido, aliás, decidiu o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
CONSELHO DA MAGISTRATURA - RECURSO ADMINISTRATIVO - ARQUIVAMENTO DE REPRESENTAÇÃO - AUSÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS MÍNIMOS NECESSÁRIOS À INSTAURAÇÃO DE SINDICÂNCIA OU PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADO. - As alegações do recorrente não estão acompanhadas de elementos probatórios mínimos necessários para que se possa instaurar sindicância ou processo administrativo disciplinar contra o representado, devendo, portanto, ser mantida a decisão que determinou o arquivamento da representação. - No tocante à arguição de parcialidade do magistrado primevo, que estaria julgando os feitos sempre em sentido contrário aos interesses do recorrente, não vislumbro nos autos qualquer elemento probatório capaz de demonstrá-la. O que se observa é o descontentamento do recorrente em relação às decisões proferidas pelo magistrado primevo em processos judiciais, impugnáveis por recursos próprios dirigidos ao Tribunal e, não, a este Conselho.
(TJ-MG - Recurso Administrativo: 10000150292704000 MG, Relator: Eduardo Mariné da Cunha, Data de Julgamento: 02/02/2016, Conselho da Magistratura / CONSELHO DA MAGISTRATURA, Data de Publicação: 29/03/2016)
Nesse sentido, mesmo que as investigações preliminares resultem no arquivamento do feito a Autoridade Competente pela apuração deverá comunicar à Corregedoria Nacional de Justiça – no prazo de 15 dias – a decisão de arquivamento desse procedimento prévio de apuração contra o magistrado. Com efeito, caberá ainda recurso no prazo de 15 dias ao Tribunal, por parte do autor da representação.
Por outro lado, no caso de ser instaurada sindicância, o art. 11 da Resolução dispõe que será permitido ao sindicado acompanhá-la. Quanto a este ponto, reputa-se cabível uma breve ponderação. Na doutrina e na jurisprudência existe uma controvérsia acerca da obrigatoriedade de se assegurar o contraditório e a ampla defesa na sindicância.
Na chamada sindicância acusatória é pacífico o entendimento de que são assegurados tanto o contraditório quanto a ampla defesa. Já quanto à intitulada sindicância investigatória ou preparatória não são admissíveis nem o contraditório e nem a ampla defesa, sob o argumento de que os mesmos seriam assegurados num futuro processo administrativo disciplinar.
A esse respeito, aliás, recomenda-se a leitura do artigo “ A presença do advogado no processo administrativo disciplinar” (COSTA, Fernando Magalhães. A presença do advogado no processo administrativo disciplinar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n.º 5794, 13 maio 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72200)
Assim, ultrapassadas as barreiras iniciais de uma investigação preliminar, e se dela advierem fatos capazes de gerar uma responsabilização disciplinar, será instaurado um processo administrativo disciplinar em face do magistrado.
III – PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR
Antes de mais nada, importante destacar que o Tribunal competente para instaurar o referido procedimento disciplinar é aquele ao qual pertença ou esteja subordinado o magistrado (art.12, Res. 135), sem prejuízo, é claro, da atuação do Conselho Nacional de Justiça (art. 103 – B da CF).
O processo administrativo disciplinar poderá ser iniciado, em qualquer caso, por determinação do Conselho Nacional de Justiça, acolhendo proposta do Corregedor Nacional ou deliberação de seu Plenário, ou por determinação do Pleno ou Órgão Especial, mediante proposta do Corregedor, no caso de magistrado do primeiro grau, ou ainda por proposta do Presidente do Tribunal respectivo, nas demais ocorrências.
Com efeito, antes mesmo da decisão sobre a instauração do processo, a autoridade competente concederá ao magistrado o prazo de 15 (quinze) dias para apresentação de sua defesa prévia, nos termos do art. 14 da Res. n.º 135 CNJ.
Assim, esgotado o prazo para a apresentação de defesa prévia, o relator submeterá ao Tribunal Pleno/Órgão Especial um relatório conclusivo com proposta de instauração do processo administrativo disciplinar, ou de arquivamento, intimando o magistrado ou seu defensor (se houver) da data da sessão de julgamento. A propósito, até será possível a sustentação oral nesta sessão, desde que prevista no Regimento Interno do respectivo Tribunal. Também não é demais recordar que, nos termos do §3º do art. 14 da Res. 135 CNJ, tanto o Presidente quanto o Corregedor do Tribunal terão direito a voto.
A instauração do processo administrativo disciplinar exige o voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal ou do respectivo Órgão Especial, lavrando-se o respectivo acórdão que será acompanhado de portaria que conterá a imputação dos fatos e a delimitação do teor da acusação, assinada pelo Presidente do Órgão.
Denota-se, em primeiro lugar, a importância da lavratura do acórdão de instauração do processo administrativo disciplinar, nos termos abaixo transcritos da jurisprudência:
RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR Â- AUSÊNCIA DE ACÓRDÃO DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR FACE MAGISTRADO. A ausência do acórdão de instauração de processo administrativo disciplinar impede o acesso aos fundamentos dos votos proferidos pelos Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí na sessão administrativa, podendo gerar um obstáculo intransponível em caso de futuro pedido de revisão de eventual pena disciplinar aplicada ao magistrado requerido. Processo arquivado à unanimidade. A ausência do acórdão de instauração de processo administrativo disciplinar impede o acesso aos fundamentos dos votos proferidos pelos Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí na sessão administrativa, podendo gerar um obstáculo intransponível em caso de futuro pedido de revisão de eventual pena disciplinar aplicada ao magistrado requerido. Processo arquivado à unanimidade. (TJPI | Representação Nº 06.000364-2 | Relator: Des. Brandão de Carvalho | Tribunal Pleno | Data de Julgamento: 25/02/2016 ) [copiar texto]
(TJ-PI - RP: 60003642 PI 60003642, Relator: Des. Brandão de Carvalho, Data de Julgamento: 25/02/2016, Tribunal Pleno)
Mas ainda não é só.
Como é de se notar pela leitura do §5º, art. 14 da Res. 135 CNJ, a delimitação dos fatos e do teor da acusação revela-se como medida imperiosa a ser observada na portaria de instauração do processo administrativo disciplinar. Trata-se, inegavelmente, da representação do princípio da congruência/adstrição ou princípio da vinculação do juiz aos fatos da causa.
O princípio da congruência/adstrição assegura a não condenação do acusado por fatos que não estejam descritos na peça acusatória, possibilitando-lhe refutar todos os pontos da acusação e, assim, exercer plenamente o seu direito ao contraditório e à ampla defesa. Noutras palavras a “sentença” não pode fugir dos termos descritos na acusação, em prestígio ao axioma setentia debet esse conformis libelo, nec ultra petita profere valet.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já se manifestou concedendo ordem de segurança, in verbis:
Administrativo. Recurso em mandado de segurança. Processo Administrativo Disciplinar. Omissão dos fatos imputados ao acusado. Nulidade. Provimento.
1. A portaria inaugural e o mandado de citação, no processo administrativo, devem explicitar os atos ilícitos atribuídos ao acusado. 2. Ninguém pode defender-se eficazmente sem pleno conhecimento das acusações que lhe são imputadas. 3. Apesar de informal, o processo administrativo deve obedecer às regras do devido processo legal. 4. Recurso conhecido e provido. (ROMS n. 1.074 – STJ 30.3.92).
Com o mesmo arrimo, decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
ÓRGÃO ESPECIAL - PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADO - PRELIMINAR - VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E CORRELAÇÃO ENTRE ACUSAÇÃO E DECISÃO - OCORRÊNCIA - NULIDADE ABSOLUTA - RECURSO PREJUDICADO - MAIORIA DE VOTOS. Merece acolhida a questão prévia suscitada pela defesa, e em consequência, ser declarada a nulidade, "ab initio", do processo administrativo disciplinar em face de magistrado por isso que violados os princípios da correlação entre acusação e decisão, bem como do devido processo legal, porquanto o v. acórdão que determinou a instauração do presente procedimento não faz menção a qualquer dos fatos narrados na peça inicial que provocaram o Exmo. Sr. Dr. Corregedor Geral de Justiça a instaurar a investigação contra o ora representado. O processo administrativo disciplinar contra magistrado, em face das possíveis graves consequências àquele que responde, deve respeitar os princípios basilares esculpidos na Constituição Federal no que tange as garantias fundamentais do cidadão, e, "in casu", a omissão constante na decisão deflagradora do feito se revela como nulidade absoluta impedindo o conhecimento da representação e a análise do mérito.
(TJ-RJ - PAD: 00090414020108190000, Relator: ELIZABETH GOMES GREGORY, Data de Julgamento: 01/04/2013, OE - SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E ORGAO ESPECIAL, Data de Publicação: 24/05/2013)
Deste modo, acolhida a proposta de abertura do processo administrativo disciplinar, será encaminhada uma cópia da ata da sessão respectiva à Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, no prazo de 15 dias, para fins de acompanhamento (§6º do art. 14 da Res. 135 CNJ).
O relator do processo será sorteado dentre os magistrados que integram o Pleno ou o Órgão Especial do Tribunal, não havendo a figura do revisor. Válido ainda destacar que não poderá ser relator o magistrado que dirigiu o procedimento preparatório (§8º do art 14 da Res. 135 CNJ).
Outro ponto importante a ser destacado é a regra estabelecida no §9 do art. 14 da Res. 135 CNJ, segundo a qual o processo administrativo disciplinar deve ser concluído em 140 dias, prorrogável, quando imprescindível para o término da instrução e houver motivo justificado, mediante deliberação do Plenário ou Órgão Especial.
Nota-se que nenhum processo acusatório pode representar uma busca infinita e eterna pela responsabilização de alguém, haja vista a garantia constitucional do princípio da duração razoável do processo (art. 5, LXXVIII, CF), assegurado a todos no âmbito judicial e administrativo.
Não obstante a isso, é plenamente cabível a prorrogação do prazo inicial de 140 dias concedidos para a conclusão dos trabalhos de investigação, desde que tal medida seja indispensável e exista motivo justificado a ser decidido por deliberação do Plenário ou do Órgão Especial.
A esse respeito, aliás, já decidiu o Conselho Nacional de Justiça em diversas oportunidades:
QUESTÃO DE ORDEM. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADO. PRORROGAÇÃO DE PRAZO. SUBMISSÃO DE DECISÃO AO REFERENDO DO PLENÁRIO. I – Determinação, ad referendum do Plenário, de prorrogação do prazo de conclusão do procedimento por mais 140 (cento e quarenta) dias, nos termos do artigo 14, § 9º, da Resolução CNJ n. 135; II – Prorrogação referendada.
(CNJ - PAD: 00050224420152000000, Relator: LUCIANO FROTA, Data de Julgamento: 15/02/2018)
QUESTÃO DE ORDEM. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADO. PRORROGAÇÃO DE PRAZO. SUBMISSÃO DE DECISÃO AO REFERENDO DO PLENÁRIO. I – Determinação, ad referendum do Plenário, de prorrogação do prazo de conclusão do procedimento por mais 140 (cento e quarenta) dias, nos termos do artigo 14, § 9º, da Resolução CNJ n. 135; II – Prorrogação referendada.
(CNJ - PAD: 00068175120162000000, Relator: CARLOS EDUARDO DIAS, Data de Julgamento: 11/07/2017)
Com efeito, também não se pode olvidar o entendimento apresentado pelo Superior Tribunal de Justiça em sua súmula n. 592:
“O excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa.” (DJe 18/09/17).
Ademais, outra consequência importante a ser destacada no momento da instauração do processo administrativo disciplinar, diz respeito à possibilidade de ser decretado o afastamento cautelar do magistrado investigado.
Para isso será necessária a observância do quórum de maioria absoluta do Pleno ou Órgão Especial, de modo que tal decisão deverá ser devidamente fundamentada, fixando-se até quando perdurará o afastamento, vale dizer até a decisão final ou, conforme lhe parecer conveniente ou oportuno, por prazo determinado, assegurado ao magistrado o seu subsídio integral (Art. 15 da Res 135 CNJ).
Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Pará decidiu:
EMENTA: PROPOSTA DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADO DE 1º GRAU. INDÍCIOS DE PRÁTICA DE ATOS PELO MAGISTRADO NO INTUITO DE OBSTAR A TRAMITAÇÃO DE FEITOS APURATÓRIOS DE SUA CONDUTA. POSSÍVEL QUEBRA DOS DEVERES ÉTICOS DE TRANSPARÊNCIA E INTEGRIDADE PESSOAL E PROFISSIONAL. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE VIOLAÇÃO, EM TESE, À NORMA DO ART. 35, VIII, DA LOMAN C/C ART. 14 E ART. 16 DO CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL. PODER?DEVER DE APURAR. ACOLHIMENTO POR UNANIMIDADE DA PROPOSTA DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR, E, POR MAIORIA DE VOTOS, DETERMINADO O AFASTAMENTO PREVENTIVO DAS ATIVIDADES JUDICANTES. I ? Entenderam, à unanimidade, os componentes do Órgão Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, pela existência de indícios de prática de atos pelo magistrado C.D.F.L. no intuito de obstar a tramitação de feitos apuratórios de sua conduta, constituindo possível quebra dos deveres éticos de transparência e integridade pessoal; II ? No caso, considerando que esta Corte de Justiça, deparando-se com indícios de irregularidades, não pode se furtar ao seu poder-dever de apurar as responsabilidades no âmbito administrativo, decidiu-se à unanimidade pela instauração de processo administrativo disciplinar em desfavor do Magistrado C.D.F.L. e, por maioria de dezoito à dois votos, foi determinado o afastamento preventivo de suas atividades judicantes.
(TJ-PA - PAD: 00117740720168140000 BELÉM, Relator: EZILDA PASTANA MUTRAN, Data de Julgamento: 28/09/2016, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: 29/09/2016)
Com efeito, é imperioso destacar que a possibilidade de afastamento cautelar do magistrado investigado só pode se dar a partir da instauração do processo administrativo disciplinar, isto é, não sendo possível tal afastamento ocorrer antes da instauração do processo. Ocorre que, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 4638 – por maioria de votos – os Ministros referendaram a decisão do Min. Marco Aurélio e rejeitaram a possibilidade do afastamento cautelar do magistrado ocorrer antes da instauração do processo.
Após a instauração do processo administrativo disciplinar, o relator determinará a intimação do Ministério Público para manifestação no prazo de 5 (cinco) dias (Art. 16 da Res 135 CNJ). Na sequência, o relator determinará a citação do magistrado para apresentar suas razões de defesa e as provas que entender necessárias, em 5 (cinco) dias, encaminhando-lhe cópia do acórdão que ordenou a instauração do processo, com a respectiva portaria (Art. 17 da Res 135 CNJ). Na hipótese de haver dois ou mais magistrados acusados, o prazo de defesa será comum e de 10 (dez) dias contados da intimação do último (Art. 17, I da Res 135 CNJ).
Outra coisa importante diz respeito à possibilidade de citação por edital, caso o magistrado requerido esteja em lugar incerto ou não sabido (Art. 17, III da Res 135 CNJ). A nosso ver, reputa-se acertada tal previsão até mesmo porque constitui dever do magistrado que mudar de residência comunicar ao Relator, ao Corregedor e ao Presidente do Tribunal o endereço em que receberá citações, notificações e intimações (Art. 17, II da Res 135 CNJ). Aliás, tal dever de comunicação também está previsto no art. 162 da Lei n.º 8112/90, a qual possui aplicação subsidiária ao procedimento disciplinar dos magistrados (art. 26 da Res. n.º 135 CNJ).
De qualquer maneira, merece ser trazida à baila a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça abaixo transcrita:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXCLUSÃO. DEMISSÃO. SERVIDOR PÚBLICO MILITAR. ALEGAÇÕES DE MÁCULAS FORMAIS AO PROCESSO DISCIPLINAR. INEXISTENTES. AUSÊNCIA DE PROVAS DAS PRETENSAS VIOLAÇÕES. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. PRECEDENTE. 1. Recurso ordinário interposto contra acórdão que denegou a segurança à impetração na qual se postulava a anulação de feito administrativo disciplinar com base na alegação de várias máculas de cunho formal; o recorrente houve por ser excluído das fileiras da polícia militar do Estado. 2. Não há violação em razão da citação por edital, já que a mesma se deu em razão da ausência de apresentação pessoal do servidor para o início do processo disciplinar (fl. 371); o mesmo não era localizado pela autoridade processante, apesar do advogado ter firmado o compromisso de que o servidor iria se apresentar (fls. 333-334), como está comprovado nos autos. 3. Não houve negativa de vista dos autos, já que foi fornecida cópia integral ao advogado nomeado pelo recorrente (fl. 372). 4. Está devidamente comprovado que o advogado do recorrente peticionou nos autos do processo disciplinar por várias vezes, tendo sido intimado para participar das sessões de instrução com oitivas de testemunhas (fl. 504); porém, em razão da ausência do recorrente e do seu procurador, houve a designação de advogado dativo para evitar o cerceamento à defesa (fls. 541-542), o qual ainda apresentou defesa prévia em prol do servidor (fls. 547-552). 5. Analisando os documentos juntados dos autos, se vê que não há falar em dois processos administrativos pelo mesmo fato, pois o primeiro processo (Portaria 032/CD/Correg/PM/2009) se referia a fatos diversos do segundo processo disciplinar (Portaria 006/CD/CorregPM/2011) (fls. 71-73 e 80-82). 6. Não havendo provas de mácula formal ao processo disciplinar, não há falar em direito líquido e certo em sua anulação. Precedente: MS 17.727/DF, Rel. Ministro Humberto Martins, Primeira Seção, DJe 1º.7.2015. Recurso ordinário improvido.
(STJ - RMS: 43212 MT 2013/0208797-3, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 16/02/2016, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/02/2016)
Também é importante frisar que o magistrado poderá ser declarado revel se, regularmente citado, não apresentar defesa no prazo assinado. Neste caso, declarada a revelia, o relator poderá designar um defensor dativo ao acusado.
Assim, decorrido o prazo para apresentação de defesa, o relator decidirá sobre a realização dos atos de instrução e a produção de provas requeridas, determinando de ofício as que entender necessárias, de modo que para a colheita de provas o relator poderá delegar poderes a magistrado de primeiro ou segundo grau (Art. 18, §1º da Res 135 CNJ).
Como é de se ver, o relator possui poderes instrutórios para a condução do feito e, nesse desiderato, tem a prerrogativa de deferir ou não as diligências solicitadas pelo magistrado investigado, avaliando, conforme seu prudente juízo, quais provas são efetivamente necessárias para o esclarecimento dos fatos em apuração, sem que isso, por si só, implique em quebra da imparcialidade do julgador ou configure cerceamento de defesa capaz de inquinar o processo administrativo disciplinar de nulidade.
Para ilustrar tal situação, transcrevemos a seguir o quanto decidido pelo Tribunal de Justiça do Piauí:
EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO CONTRA DESEMBARGADOR. INEXISTÊNCIA DE PROVAS. EXCEÇÃO MOTIVADA PELO INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS EM PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADO. CABE AO RELATOR DO PAD DECIDIR SOBRE A REALIZAÇÃO DE PROVAS (ART. 18, RESOLUÇÃO Nº 135 DO CNJ, C/C ART. 38, LEI Nº 9.784/99). DILIGÊNCIAS DEVEM SER REQUERIDAS DURANTE A INSTRUÇÃO E PODEM SER RECUSADAS PELO RELATOR, QUANDO JULGAR DESNECESSÁRIAS OU IMPERTINENTES. EXCEÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. 1 Â- O excipiente não apresentou nenhum documento referente às alegações contidas na inicial, providência que compete à parte autora (arts. 396, 397, 283 e 284, parágrafo único, todos do CPC). 2 - Parcialidade do magistrado excepto não demonstrada. 3 - Suspeição arguida sob o argumento de que o indeferimento de diligências requeridas pelo excipiente em processo administrativo disciplinar configuram prejulgamento e ferem imparcialidade do excepto. 4 - Alegações não merecem prosperar. 5 - Incumbe ao relator de processos administrativos disciplinares contra magistrados decidir acerca da realização de provas (art. 18, da Resolução nº 135 do CNJ). 6 - Aplicação subsidiária do art. 38 da lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal. 7 - Diligências devem ser requeridas durante a instrução e podem ser recusadas em caso de ilegalidade, impertinência, desnecessidade ou caso constituam expediente protelatório. 8 - O magistrado excepto agiu de forma imparcial, julgando em consonância com o ordenamento jurídico pátrio. 9 - Exceção julgada improcedente. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO CONTRA DESEMBARGADOR. INEXISTÊNCIA DE PROVAS. EXCEÇÃO MOTIVADA PELO INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS EM PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CONTRA MAGISTRADO. CABE AO RELATOR DO PAD DECIDIR SOBRE A REALIZAÇÃO DE PROVAS (ART. 18, RESOLUÇÃO Nº 135 DO CNJ, C/C ART. 38, LEI Nº 9.784/99). DILIGÊNCIAS DEVEM SER REQUERIDAS DURANTE A INSTRUÇÃO E PODEM SER RECUSADAS PELO RELATOR, QUANDO JULGAR DESNECESSÁRIAS OU IMPERTINENTES. EXCEÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. 1 Â- O excipiente não apresentou nenhum documento referente às alegações contidas na inicial, providência que compete à parte autora (arts. 396, 397, 283 e 284, parágrafo único, todos do CPC). 2 - Parcialidade do magistrado excepto não demonstrada. 3 - Suspeição arguida sob o argumento de que o indeferimento de diligências requeridas pelo excipiente em processo administrativo disciplinar configuram prejulgamento e ferem imparcialidade do excepto. 4 - Alegações não merecem prosperar. 5 - Incumbe ao relator de processos administrativos disciplinares contra magistrados decidir acerca da realização de provas (art. 18, da Resolução nº 135 do CNJ). 6 - Aplicação subsidiária do art. 38 da lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da administração pública federal. 7 - Diligências devem ser requeridas durante a instrução e podem ser recusadas em caso de ilegalidade, impertinência, desnecessidade ou caso constituam expediente protelatório. 8 - O magistrado excepto agiu de forma imparcial, julgando em consonância com o ordenamento jurídico pátrio. 9 - Exceção julgada improcedente. (TJPI | Exceção de Suspeição Nº 2013.0001.003444-2 | Relator: Des. Presidente | Tribunal Pleno - Presidência | Data de Julgamento: 03/04/2014 ) [copiar texto]
(TJ-PI - EXSUSP: 201300010034442 PI 201300010034442, Relator: Des. Presidente, Data de Julgamento: 03/04/2014, Tribunal Pleno - Presidência)
Do mesmo modo, também não é demais recordar que o Superior Tribunal de Justiça, em julgado de 22/05/2013, Rel. Min. Eliana Calmon, MS 16.146-DF, 1ª Seção, definiu que é possível utilizar em processo administrativo disciplinar, na condição de prova emprestada, a interceptação telefônica produzida em ação penal, desde que devidamente autorizada pelo juízo criminal e com a observância das diretrizes da Lei Federal n.º 9296/1996.
Já em homenagem aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF), dispõe o §2º do art. 18 da Res. n.º 135 CNJ que para todos os atos de instrução serão intimados o magistrado processado ou seu defensor, se houver. Nesse sentido, inclusive, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
Magistrado (indício de prática de infração administrativa). Processo administrativo disciplinar (instauração). Sessão administrativa do Tribunal (realização). Continuação do julgamento (falta de intimação). Defesa (cerceamento). Anulação (caso). 1. A sessão reservada para decidir sobre a instauração de processo administrativo disciplinar contra magistrado deve ser realizada mediante a sua prévia e regular intimação pessoal e a de seu defensor com, pelo menos, quarenta e oito horas de antecedência. 2. O mesmo procedimento – isto é, a intimação prévia do defensor e do interessado - deve ocorrer quando da continuação do julgamento tempo depois (até porque, no caso, o pedido de intimação foi deferido), a fim de conferir-lhe validade e sob pena de, em caso contrário, ofender o princípio da ampla defesa. 3. Nula é, pois, no caso, a sessão que, prosseguindo no julgamento, realizou-se sem a prévia intimação da defesa e da interessada. 4. Recurso ordinário provido para se anular o julgamento do procedimento administrativo disciplinar, bem como a penalidade imposta à recorrente, e determinar a intimação da defesa e da interessada para outra sessão, na qual se decidirá novamente acerca da instauração do processo disciplinar.
(STJ - RMS: 25569 SP 2007/0259920-1, Relator: Ministro NILSON NAVES, Data de Julgamento: 17/03/2009, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: --> DJe 24/08/2009)
Na instrução do processo administrativo disciplinar serão inquiridas, no máximo, oito testemunhas de acusação e, até oito de defesa que justificadamente tenham ou possam ter conhecimento dos fatos imputados. Noutras palavras, é de se notar que a resolução impede a oitiva das chamadas “testemunhas de canonização” (só falam da vida pessoal do acusado) ou dos chamados “laudadores” (prestam declarações sobre os antecedentes da pessoa).
Convém destacar ainda que o depoimento das testemunhas, as acareações e as provas periciais e técnicas destinadas à elucidação dos fatos, serão realizados com aplicação subsidiária, no que couber, das normas da legislação processual penal e da legislação processual civil, sucessivamente. Já a inquirição das testemunhas e o interrogatório deverão ser realizados em audiência una e também poderão ser realizados por meio do sistema de videoconferência (Art. 18, §5º da Res 135 CNJ).
O interrogatório do magistrado será precedido de sua intimação com antecedência de 48 (quarenta e oito) horas e realizar-se-á após a produção de todas as provas, ou seja, será o último ato de instrução. Digno de aplausos o §6º do art. 18 da Res. N.º 135 CNJ, pois a pessoa acusada tem sempre o direito de falar por último, após conhecer a integralidade da acusação e das provas que pesam contra si.
Assim, abandonando-se uma mentalidade inquisitória, o interrogatório do acusado deixa de ser um mero objeto de prova do julgador para também constituir um meio de defesa (art. 5º, LV, CF), característica elementar do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF) e consentâneo a um Estado Democrático de Direitos e à dignidade da pessoa humana (art.1º, III, CF).
Finda a instrução, o Ministério Público e, em seguida, o magistrado ou seu defensor terão 10 (dez) dias para manifestações e razões finais, respectivamente. Mais uma vez, merece louvor e elogio a previsão do art. 19 da Res. n.º 135 CNJ que esvazia uma antiga polêmica.
O fato é que as normas gerais que disciplinam o processo administrativo disciplinar federal não preveem expressamente as chamadas “alegações finais”, apesar de a sua obrigatoriedade ser plenamente extraída da interpretação do sistema jurídico. A esse respeito, aliás, recomendamos a leitura do artigo “Alegações finais no Processo Administrativo Disciplinar Federal. Princípio da juridicidade” (COSTA, Fernando Magalhães. Alegações finais no Processo Administrativo Disciplinar Federal. Princípio da juridicidade. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74027/alegacoes-finais-no-processo-administrativo-disciplinar-federal-principio-da-juridicidade).
O julgamento do processo administrativo disciplinar será realizado em sessão pública, valendo a pena recordar, é claro, que em determinados atos processuais e de julgamento, poderá ser limitada a presença das próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, desde que a preservação da intimidade não prejudique o interesse público, conforme disposto nos art. 5º, LX e art. 93, IX, ambos da Constituição Federal.
Para o referido julgamento será disponibilizado o acesso à integralidade dos autos do processo administrativo disciplinar aos integrantes do órgão julgador, lembrando que tanto o Presidente quanto o Corregedor terão direito a voto (Art. 20, §3º e §4º da Res. 135 CNJ).
A Corregedoria Nacional de Justiça deverá ser comunicada, no prazo de 15 dias da respectiva sessão, os resultados dos julgamentos dos processos administrativos disciplinares para os fins de controle, nos termos do art. 103 –B, §4º, V, CF.
Válido lembrar que a punição ao magistrado somente será imposta pelo voto da maioria absoluta dos membros do Tribunal ou do Órgão Especial. Nesse sentido, decidiu o Tribunal de Justiça de Rondônia:
Processo administrativo disciplinar contra magistrado. Sanção disciplinar. Quorum. Maioria absoluta. Para a aplicação das sanções disciplinares aos magistrados, é necessário o quorum com maioria absoluta dos membros do Tribunal de Justiça. Não sendo esse alcançado, o procedimento será arquivado.
(TJ-RO - PAD: 00109211520128220000 RO 0010921-15.2012.822.0000, Relator: Desembargador Oudivanil de Marins, Data de Julgamento: 09/12/2013, Departamento Pleno Administrativo, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 19/12/2013.)
No caso de divergência quanto à pena aplicada, importante registrar que o Supremo Tribunal Federal na ADI n.º 3648 deu interpretação conforme ao §1º do art. 21 da Res. n.º 135 CNJ para definir que, quando houver divergência do Tribunal em relação à pena a ser aplicada ao magistrado, cada sugestão de pena deverá ser votada separadamente para que seja aplicada somente aquela que alcançar quórum de maioria absoluta na deliberação, em estrito arrimo, portanto, aos incisos VIII e X do art. 93 da Constituição Federal.
Por fim, caso o Tribunal entenda que os fatos apurados contenham indícios de crime de ação penal pública incondicionada, o seu Presidente remeterá ao Ministério Público cópia dos autos (Art. 22 da Res. n.º 135 CNJ).