Sob o impulso das inverdades em torno do imposto sobre operações com bens e serviços (IBS), a PEC nº 45/19, de autoria do Deputado Baleia Rossi, está ganhando incrível velocidade na tramitação perante a Câmara dos Deputados. Já foi aprovada na CCJ e aguarda deliberação da Comissão Especial para seguir ao Plenário logo após a aprovação da reforma previdenciária, segundo declarações do Presidente Rodrigo Maia.
Para camuflar a quebra do princípio federativo com a centralização do poder de tributação em mãos da União seus defensores, notadamente, aqueles ligados ao Centro de Cidadania Fiscal, onde nasceu a proposta de reforma radical do sistema tributário, apregoam que o IBS é um imposto nacional porque regido pela lei complementar de caráter nacional e tem o produto de sua arrecadação partilhado entre os entes federados.
Nada mais equivocado. Lei complementar que atua no âmbito nacional deve limitar-se à edição de normas gerais, como acontece com o Código Tributário Nacional. E a lei complementar referida na PEC nº45/19 é exatamente aquela que cria o IBS tendo, portanto, caráter de lei complementar que atua no âmbito da União tal como acontece com a previsão de instituição por lei complementar do imposto sobre grandes fortunas de competência federal.
Para vender a imagem de autonomia dos entes políticos regionais e locais sustentam que os Estados e os Municípios têm a faculdade de reduzir as alíquotas do IBS. Nada mais inverídico! Pergunto, qual o governador ou o prefeito que irá reduzir alíquotas? E mais, o que essa faculdade de reduzir alíquotas tem a ver com a autonomia político-administrativa que decorre da autonomia financeira? Será que a redução de arrecadação aumenta a autonomia dos Estados e dos Municípios?
Esse tipo de argumentação ilógica tem confundido a mente de alguns estudiosos que alegam não enxergar qualquer inconstitucionalidade na PEC nº 45/19. É uma pena!
Sustentam virtudes que na realidade o IBS não tem, como as adiante examinadas:
1. Vedação de conceder incentivos fiscais do IBS:
Ora, a Constituição vigente veda os incentivos fiscais unilaterais do ICMS. No entanto as guerras fiscais continuam. Se a proibição constitucional vigente não está surtindo efeito não há razão para supor que nova proibição venha acabar com as guerras fiscais.
2. O IBS é não cumulativo:
A virtude de um imposto não repousa no caráter cumulativo ou não cumulativo, mas na menor carga tributária. É preferível, por exemplo, a COFINS cumulativa com alíquota de 3% do que a complicada COFINS não cumulativa com alíquota de 7,6% que bateu record de arrecadação nos primeiros meses de sua vigência.
3. O IBS é tributado no destino:
Veste-se um santo e desveste outro, punindo os Estados produtores. Por que jogar fora o sistema atual de tributação na origem com a utilização de alíquotas interestaduais diferenciadas, conforme o Estado de destino e que vem dando certo em termos de equilíbrio na arrecadação dos entes da Federação? Por acaso há alguma proibição constitucional de algo dar certo?
4. O novo sistema tributário tem um longo prazo de adaptação:
O inusitado prazo de dez anos de transição para a substituição definitiva do atual sistema tributário pelo novo sistema, longe de configurar uma virtude, vem revelar incertezas, dúvidas e dificuldades do IBS, um imposto complexo e de dificílima operacionalização.
5. Simplificação do sistema tributário com a fusão de tributos federais com impostos, estadual e municipal:
A complexidade de um sistema tributário na reside na quantidade de tributos.
Com a entrada em vigor do novo sistema, com absoluta certeza, irá aumentar a carga tributária e a carga burocrática, e duplicar demandas judiciais para solucionar novos problemas que virão à tona inexoravelmente.
De fato, o IBS é gerido por um Comitê Gestor formado pela União, 27 Estados e mais de 5.550 Municípios, dotado de poder normativo e de representação judicial. Só de pensar na expressão “Comitê Gestor” já espanta qualquer estudioso que tenha conhecimento das infindáveis normas despejadas periodicamente e em escala industrial pelo Comitê Gestor do SIMPLES. Se elas forem reunidas em um só volume certamente pesará no mínimo três quilos.
Parece óbvio que para tornar minimamente exequível a regulamentação do IBS e a representação judicial, a União irá se impor nesse triunvirato representado pelo Leão e dois outros pequeninos roedores.
Uma reforma tributária radical, como a proposta pela PEC sob comento, não pode ser feita apenas por economistas que podem contribuir com suas ideias criativas, mas quem tem que dar a formatação jurídica são os conhecedores do direito como um todo.
O sistema tributário nacional é um microssistema inserido dentro do sistema constitucional. Nenhum outro ramo do direito contém tantos princípios constitucionais como o Direito Tributário. São incontáveis os princípios tributários enumerados pela Constituição, voltados para a preservação da forma federativa do Estado; para a proteção dos direitos e garantias fundamentais; para a proteção da liberdade religiosa; para a proteção da saúde financeira do Estado; para zelar pela harmonia entre os três entes políticos; para a redução de desigualdades regionais; para a manutenção da unidade nacional etc.
Por tudo isso é preciso urgentemente repensar a reforma tributária em discussão no Congresso Nacional.
Se inúmeras propostas de reforma ficaram paralisadas no Congresso Nacional por vários lustros, não há razão para, repentinamente, procurar aprovar a PEC sob exame a toque de caixa no pior momento político-econômico, caracterizado pela notória desarmonia entre os Poderes Executivo e Legislativo, de um lado, e de profunda recessão econômica que vem castigando duramente os agentes produtores de riqueza que não podem, nem devem ser perturbados com problemas adicionais decorrentes da convivência de dois sistemas tributários distintos por longos dez anos. Acrescente-se que a proposta em discussão na Câmara dos Deputados não guarda qualquer semelhança com nenhuma das propostas apresentadas até hoje e represadas no Parlamento Nacional. Nenhuma delas tumultua tanto o sistema tributário vigente, como esta em tramitação na Câmara dos Deputados.