A injustiça, por ínfima que seja a criatura vitimada, revolta-me, transmuda-me, incendeia-me, roubando-me a tranquilidade e a estima pela vida. (Rui Barbosa)
RESUMO. O presente ensaio tem por escopo precípuo analisar sem pretensão exauriente o caso de prisões provisórias de inimputáveis por doença mental, recolhidos em estabelecimentos penais, geralmente após a prática de fatos graves, às vezes por longos períodos durante a tramitação do processo judicial e até a definição da qualidade de inimputabilidade em perícia psicopatológica. Visa também analisar os casos de violação de direitos dos inimputáveis, quando são vítimas de abusos sexuais no interior do presídio em face da demora processual, nascendo a responsabilidade objetiva do Estado.
Palavras-Chave. Direito penal. Inimputabilidade. Prisão provisória. Presídios. Laudo psicopatológico. Demora. Abusos sexuais. Responsabilidade objetiva do Estado. Configuração.
SUMÁRIO. 1. INTRODUÇÃO. 2. DAS MODALIDADES DE SANÇÕES PENAIS. 2.1. PENA. 2.2. MEDIDAS DE SEGURANÇA. 2.3. MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS. 2.4. MEDIDAS DE PROTEÇÃO. 2.5. MEDIDAS SUI GENERIS. 3. A PRISÃO EM FLAGRANTE DE PESSOAS INIMPUTÁVEIS. 4. DO INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL. 5. DA SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA IMPRÓPRIA. 6. ABUSOS DE INIMPUTÁVEIS NAS PRISÕES BRASILEIRAS. 7. A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. 8. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS. DAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1.INTRODUÇÃO
Como se sabe, não Brasil existem diversas formas de sanções penais, como gênero, que pode ser conceituada como sendo a consequência natural imposta pelo Estado quando alguém pratica um desvio de conduta, com graves ofensas do sistema de justiça criminal, abrindo a possibilidade para o Estado fazer valer o ius puniendi, aplicando-se a respectiva sanção correspondente.
Assim, tem-se a sanção penal como gênero, e como espécies, a legislação penal brasileira conhece a pena propriamente dita, as medidas de segurança, as medidas socioeducativas, a medidas de proteção e as medidas sui generis.
Para fins didáticos, mister se faz estabelecer as diferenças legais acerca de cada forma ou espécie de sanção penal.
Outrossim, abordaremos outros temas importantes como a prisão em flagrante dos inimputáveis, recolhimento deles em estabelecimentos penais, a questão do incidente de insanidade mental dos acusados, os abusos praticados contra inimputáveis no interior de presídios, durante a tramitação demorada do processo judicial, até definição da qualidade de doente mental com a supressão da capacidade intelectiva e volitiva, na forma do artigo 26 do Código penal, a responsabilidade objetiva do estado em razão do previsto no artigo 37, § 6º da Constituição da República de 1988.
2. DAS MODALIDADES DE SANÇÕES PENAIS
2.1. PENA
Trata-se de consequência penal, imposta civilizadamente pelo Estado, por meio do processo devido, a quem tenha cometido um crime, como sendo fato típico, ilícito e culpável, portanto, imputável na forma da lei penal, podendo ser cominada pena privativa de liberdade, medidas restritas de direito ou multa, na melhor forma do artigo 32 do Código Penal.
A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto.
A pena de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.
Considera-se regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média.
O regime semiaberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar e regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.
As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semiaberto;
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
Conforme redação do artigo 43 do Código penal, as penas restritivas de direito são:
I - prestação pecuniária;
II - perda de bens e valores;
III - limitação de fim de semana.
IV - prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;
V - interdição temporária de direitos;
VI - limitação de fim de semana.
A pena de multa está prevista no artigo 49 e seguintes do Código penal e consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa.
Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário.
O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária.
A multa deve ser paga dentro de 10 (dez) dias depois de transitada em julgado a sentença. A requerimento do condenado e conforme as circunstâncias, o juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais.
2.2. MEDIDAS DE SEGURANÇA
As medidas de segurança são espécies de sanção penal, consistente na resposta do Estado a quem tenha praticado um fato típico e ilícito, e não culpável, em razão da incapacidade de compreensão da conduta criminosa.
O autor pratica um injusto penal, e logo aplicar-se-ão medidas de segurança, podendo ser internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado ou sujeição a tratamento ambulatorial.
Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação. Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.
Conforme disciplina do artigo 26 do Código Penal, é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Neste caso, tem-se a chamada semi-imputabilidade, podendo o juiz de direito aplicar pena reduzida ou tão somente medidas de segurança.
Adota-se, na legislação brasileira o sistema vicariante, ou se aplica pena ou medidas de segurança. Já faz muito tempo que a legislação brasileira abandonou o sistema do duplo binário, quando se podia aplicar a pena e depois a respectiva medida de segurança.
2.3. MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
As medidas socioeducativas são aplicáveis ao adolescente em conflito com a lei, que tenha praticado ato infracional semelhante a crime ou contravenção penal, cujas medidas são aquelas previstas no artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069/90.
Ab initio, há necessidade de definição do termo adolescente, previsto no artigo 2º da Lei nº 8.069/90, que também conceitua no mesmo dispositivo a termo criança. Assim, considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
As medidas socioeducativas são aquelas definidas no artigo 112 do ECA, a saber:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semiliberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
As medidas previstas no artigo 101, incisos I a VI, aplicáveis aos adolescentes em conflito com a lei, são as seguintes:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.
2.4. MEDIDAS DE PROTEÇÃO
As medidas de proteção são aquelas aplicadas a crianças que tenham praticado desvio de conduta, definido como infração penal, ou seja, crime ou contravenção. Estão previstas no artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
São elas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em serviços e programas oficiais ou comunitários de proteção, apoio e promoção da família, da criança e do adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional;
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX - colocação em família substituta.
2.5. MEDIDAS SUI GENERIS
As medidas sui generis são criação doutrinaria no Brasil. Sustentam alguns renomados autores que o conceito legal de crime existe somente no decreto nº 3.914/41, em seu artigo 1º, que dispõe sobre a lei de introdução ao Código penal, conforme descrição abaixo:
“Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”
Muito bem. Desta feita, com a edição da Lei sobre drogas, Lei nº 11.343/2006, aquele autor localizado pela polícia com pequena quantidade de drogas para uso pessoal, poderá sofrer apenas as medidas alternativas de advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Recentemente, a Lei nº 13.840, de 2019, previu a possibilidade da internação de dependentes de drogas em unidades de saúde ou hospitais gerais, dotados de equipes multidisciplinares e deverá ser obrigatoriamente autorizada por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o estabelecimento no qual se dará a internação. São considerados 2 (dois) tipos de internação:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do dependente de drogas;
II - internação involuntária: aquela que se dá, sem o consentimento do dependente, a pedido de familiar ou do responsável legal ou, na absoluta falta deste, de servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do Sisnad, com exceção de servidores da área de segurança pública, que constate a existência de motivos que justifiquem a medida.
A internação voluntária deverá ser precedida de declaração escrita da pessoa solicitante de que optou por este regime de tratamento e seu término dar-se-á por determinação do médico responsável ou por solicitação escrita da pessoa que deseja interromper o tratamento.
A internação involuntária deve ser realizada após a formalização da decisão por médico responsável e será indicada depois da avaliação sobre o tipo de droga utilizada, o padrão de uso e na hipótese comprovada da impossibilidade de utilização de outras alternativas terapêuticas previstas na rede de atenção à saúde.
Perdurará apenas pelo tempo necessário à desintoxicação, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, tendo seu término determinado pelo médico responsável e a família ou o representante legal poderá, a qualquer tempo, requerer ao médico a interrupção do tratamento.
A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. Todas as internações e altas de que trata esta Lei deverão ser informadas, em, no máximo, de 72 (setenta e duas) horas, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e a outros órgãos de fiscalização, por meio de sistema informatizado único, na forma do regulamento do novo comando normativo.
Assim, não havendo previsão de pena nem de reclusão, nem detenção, isolada ou cumulativamente com a pena de multa e nem mesmo prisão simples, então a conduta para quem traz consigo pequena de substância entorpecente, como tal definida na Portaria nº 344/98 da ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Nacional, não pode ser considerada crime ou contravenção. Não sendo nenhuma e nem outra, só pode ser conduta proibida sui generis.