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Da personalidade jurídica e sua desconsideração

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08/11/2005 às 00:00
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Caso fique comprovada a prática de atos fraudulentos, o juiz deve desconsiderar a personalidade jurídica, embora esta permaneça íntegra para os seus legítimos objetivos.

Sumário:1 A PERSONALIDADE JURÍDICA – 1.1 Aspectos históricos – 1.2 A proteção aos direitos da personalidade jurídica – 2 A PESSOA JURÍDICA – 2.1 Classificação das pessoas jurídicas – 2.1.1 Pessoas jurídicas de direito público – 2.1.1.1 Pessoas jurídicas de direito público interno – 2.1.1.2 Pessoas jurídicas de direito público externo – 2.1.2 Pessoas jurídicas de direito privado – 2.1.2.1 Associações – 2.1.2.2 Sociedades – 2.1.2.3 Fundações – 2.1.3 Sociedades não-personificadas – 3 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – 2.1 Aspectos históricos – 2.2 A desconsideração da personalidade jurídica no Código Civil – 2.3 A desconsideração da personalidade jurídica no Código de Defesa do Consumidor – 2.4 Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica – OBRAS CONSULTADAS


1 A PERSONALIDADE JURÍDICA

            1.1 Aspectos históricos

            A personalidade jurídica, como sujeito de direito independente das pessoas naturais dos sócios, encontra seus alicerces na Idade Média, mais precisamente, com a necessidade da Igreja Católica proteger o seu patrimônio. Na época, as terras eram divididas em feudos, de propriedade dos senhores feudais, soberanos sobre o espaço geográfico e sobre o povo que nele residia. Aos habitantes dessas terras não era permitida a aquisição de propriedades, eis que tudo pertencia ao senhor feudal, a quem estavam vinculados por juramento de fé e homenagem. Eram seus súditos [01].

            Nesse contexto, a Igreja Católica emergiu como a única entidade, além dos senhores feudais e imperadores, a se tornar proprietária de terras, prédios, tesouros e todo tipo de patrimônio, bem como seus membros não prestavam juramento de fidelidade ao senhor feudal, mas a Deus. COELHO diz que, "naquele tempo, o direito canônico separava a Igreja, como corporação, de seus membros (os clérigos), afirmando que aquela tem existência permanente, que transcende a vida transitória dos padres e bispos" [02].

            Os bens não pertenciam aos padres ou aos bispos, mas à Igreja, sendo que, quando do falecimento de algum de seus membros, este não legava bem nenhum a possíveis herdeiros, pois nada era propriedade sua. "Teoricamente, esse sistema feudal era uma pirâmide que, em sua base, abrangia toda a sociedade ocidental. Na verdade, a posição no topo era disputada entre papas e imperadores; o vínculo era nocional entre imperadores e reis, e problemático entre reis e seus barões." [03]

            Surgia, no oriente, uma religião que velozmente ganhava adeptos entre os povos: o islamismo. A fim de garantir a hegemonia da Igreja Católica sobre todas as religiões, os papas e muitos imperadores e senhores feudais organizaram e financiaram cruzadas, que por muito tempo conquistaram Jerusalém, uma terra considerada santa por três religiões: cristianismo, islamismo e judaísmo. Os cavaleiros cruzados, em suas travessias pela costa do Mar Mediterrâneo até o Oriente Médio, começaram a acumular propriedades, concorrendo com a Igreja e com os soberanos, o que fez com que a sua ordem fosse extinta pelos mesmos que a patrocinaram.

            Apesar das represálias aos cruzados, estes conseguiram se firmar como proprietários de tesouros e terras que extrapolavam os limites dos feudos, iniciando uma era em que as conquistas particulares e os negócios tornavam as pessoas naturais capazes de adquirirem propriedades. Tornavam-se, dessa maneira, negociantes autônomos que tinham capacidade de ampliar seu patrimônio por meio da iniciativa privada.

            Surgiam, então, as corporações de ofício, verdadeiras associações de profissionais que detinham segredos de suas profissões a fim de garantir sua autonomia, o monopólio e a continuidade dos seus serviços, restringindo qualquer possibilidade de concorrência. Diferentemente da Igreja Católica, essas corporações se ligavam diretamente à figura dos seus associados, que a representavam e contribuíam com bens particulares para a sua composição. COELHO [04] diz:

            Em outros termos, a generalização das noções de corporação (do direito canônico) e de separação patrimonial (do direito comercial) de que resultou o conceito de pessoa jurídica tem lugar apenas na segunda metade do século XIX, em reflexões desenvolvidas principalmente por doutrinadores alemães.

            Os juristas alemães passaram a considerar a existência de sujeitos de direitos distintos da pessoa humana, como titulares de direitos subjetivos, com individualidade própria, titulares de direitos e deveres com objetivos comuns e específicos.

            No Brasil, a regulamentação das chamadas empresas e sociedades comerciais se deu em 1850, com a Lei nº 556, intitulada Código Comercial. Regulamentava a profissão do comerciante brasileiro e a sua atuação na atividade mercantil em âmbito nacional ou internacional. COELHO [05] diz:

            O regulamento 737, também daquele ano, que disciplinou os procedimentos a serem observados nos então existentes Tribunais do Comércio, apresentava a relação de atividades econômicas reputadas mercancia. Em linguagem atual, esta relação compreenderia: a) compra e venda de bens móveis ou semoventes, no atacado ou varejo, para revenda ou aluguel; b) indústria; c) bancos; d) logística; e) espetáculos públicos; f) seguros; g) armação e expedição de navios.

            Mesmo com esses diplomas legais regulamentando os atos de comércio, ainda não existia a figura da pessoa jurídica na acepção do termo como se conhece nos dias atuais, pois eram apenas concepções antropomórficas, teorias que ilustram as dificuldades ocorridas no passado para sustentar a titularidade de direitos e obrigações por seres não-humanos [06].

            1.2 A proteção aos direitos da personalidade jurídica

            A personalidade é qualidade inerente da pessoa, seja ela física (natural) ou jurídica. Francisco AMARAL [07] diz que "a personalidade é, sob o ponto de vista jurídico, o conjunto de princípios e regras que protegem a pessoa em todos os seus aspectos e manifestações".

            É a personalidade que torna a pessoa titular de direitos e de obrigações, participante efetiva do ordenamento jurídico, autônomo e responsável pela prática de seus atos. Os arts. 11 a 21 do Código Civil (CC) tratam dos direitos da personalidade, cuja proteção aplica-se tanto às pessoas naturais como às pessoas jurídicas (art. 52).

            Os direitos da personalidade são, essencialmente, direitos subjetivos, que têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual e que conferem ao seu titular o poder de agir em defesa dos seus bens ou valores essenciais [08]. Em relação à personalidade jurídica, os direitos da personalidade são oponíveis em face do nome, da imagem, da vida privada e da honra, e têm, excepcionalmente, caráter objetivo.

            O direito à exclusividade ao uso do nome da pessoa jurídica, nos limites do Estado da federação em que se constitui, é assegurado com a inscrição do empresário, ou dos atos constitutivos das pessoas jurídicas, ou as respectivas averbações, no registro próprio, que é a Junta Comercial (art. 1.166 do CC). O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória (art. 17), bem como, sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial (art. 18).

            COELHO [09] diz que "não se confunde o nome da pessoa jurídica com as marcas de sua titularidade, [que são] bens industriais integrantes do patrimônio dela e sujeitos à proteção específica da Lei de Propriedade Intelectual (Lei nº 9.729/96)". O nome da pessoa jurídica encontra-se determinado no seu contrato social ou estatuto, ao passo que as marcas integram o patrimônio da pessoa, juntamente com os direitos de sua exploração.

            O direito ao nome é o direito à identidade pessoal, que identifica e diferencia a pessoa no meio em que atua, ao passo que o direito à propriedade intelectual consiste na proteção à liberdade de pensamento e no direito autoral da personalidade, na proteção jurídica às obras de inteligência. [10]

            Em relação à imagem, o direito de proteção tem status de cláusula pétrea constitucional, eis que a sua inviolabilidade é garantida na Constituição Federal (CF) como direito fundamental (art. 5º, X). COELHO [11] diz que "deve-se inicialmente considerar que é extensível à pessoa jurídica a proteção como direito da personalidade tanto da imagem-retrato como da imagem-atributo." O mau uso da imagem-retrato seria, por exemplo, o uso de imagens da sede da pessoa jurídica em contextos prejudiciais aos seus interesses; e o mau- uso da imagem-atributo seria, por exemplo, alguém fazer propaganda de um produto alegando que a pessoa jurídica em questão o usa, sem a devida permissão.

            O direito à privacidade, previsto no mesmo preceito constitucional, pode ser conferido à personalidade jurídica, eis que o sigilo bancário da pessoa, bem como o segredo de seus livros, somente podem ser quebrados mediante a devida ordem judicial fundamentada.

            "Em relação à honra, restringe-se a proteção à objetiva (reputação), já que a pessoa jurídica, desprovida de corpo e seus humores, não consegue nutrir sentimentos de auto-estima." [12] Dessa forma, o protesto indevido de títulos de crédito causa um abalo à imagem da pessoa jurídica e, por conseguinte, à sua honra objetiva. CAVALIERI FILHO [13], nesse sentido:

            Ademais, após a Constituição de 1988 a noção do dano moral não mais se restringe à dor, sofrimento, tristeza etc., como se depreende do seu art. 5º, X, ao estender a sua abrangência a qualquer ataque ao nome ou imagem da pessoa física ou jurídica, com vistas a resguardar a sua credibilidade e respeitabilidade.

            Todos os entendimentos apresentados em relação à personalidade jurídica e seus direitos são acepções modernas, atuais, frutos da evolução histórica do ordenamento jurídico mundial. O reconhecimento da personalidade jurídica como detentora de direitos semelhantes aos da personalidade da pessoa natural é uma tendência cada vez mais presente na doutrina nacional, em função das necessidades de proteção que se fazem imperiosas frente à globalização e à informação em massa.


2 A PESSOA JURÍDICA

            Atualmente, a pessoa jurídica é "um instrumento, uma técnica jurídica que visa a alcançar determinados fins práticos, como a autonomia patrimonial e a limitação de responsabilidades" [14], constituindo-se num centro autônomo de interesses, direitos e responsabilidades. A personalidade jurídica é qualidade inerente à pessoa jurídica, sendo determinante para o reconhecimento desta perante o ordenamento jurídico. COELHO [15] descreve o conceito de pessoa jurídica:

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            O instituto da pessoa jurídica é uma técnica de separação patrimonial. Os membros dela não são os titulares dos direitos e obrigações imputados à pessoa jurídica. Tais direitos e obrigações formam um patrimônio distinto do correspondente aos direitos e obrigações imputados a cada membro da pessoa jurídica.

            O Direito brasileiro adota a teoria da realidade técnica na disciplina legal da matéria, pois determina que começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo (art. 45 do CC). AMARAL [16] explica essa teoria, segundo a qual "as pessoas jurídicas são uma realidade, não ficção, embora produto da ordem jurídica. Sendo a personalidade, no caso, um produto da técnica jurídica, sua essência não consiste no ser em si, mas em uma forma jurídica [...], que é a tradução jurídica de um fenômeno empírico".

            A pessoa jurídica necessita, pois, de uma personificação para existir formalmente e ser sujeito de direito e deveres. Porém, a lei prevê a possibilidade da pessoa jurídica não personificada (arts. 986 a 990 do CC), quando há o affectio societatis, mas não a constituição formal da empresa. Se duas pessoas trabalham em conjunto, unindo esforços e patrimônio para alcançar um fim econômico comum, estão agindo em sociedade, e, como tal, são sujeitos de deveres e direitos próprios regidos, subsidiariamente, pelas normas das sociedades simples (art. 986). Por não terem formalizado a empresa e, conseqüentemente, por não terem atribuído competências e limitado responsabilidades, todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais (art. 990).

            Via de regra, a personalidade jurídica das pessoas jurídicas de direito privado inicia seus efeitos com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro (art. 45). As pessoas jurídicas de direito público tem sua constituição por força de lei ou ato administrativo, não sendo regidas pelo Código Civil. AMARAL [17], em relação à constituição da pessoa jurídica, diz:

            A formação da pessoa jurídica exige elementos de ordem material, basicamente, uma pluralidade de pessoas, um conjunto de bens e uma finalidade específica, e elementos de ordem formal, que são um estatuto e o seu registro no órgão competente.

            Pode-se afirmar que a principal característica da pessoa jurídica é a autonomia em relação às pessoas naturais que a compõem. As pessoas jurídicas não se confundem com as pessoas naturais que a integram, mesmo sendo seus administradores, que agem diretamente em nome daquela. Quando a pessoa jurídica adquire bens por compra, é o administrador quem assina o contrato, mas é a manifestação de vontade da pessoa jurídica que é concretizada. É a pessoa jurídica quem adquire a propriedade.

            Da mesma maneira, em quaisquer demandas judiciais, seja no pólo ativo ou passivo, quem figura é a pessoa jurídica, e não a pessoa natural que a presenta, seja este sócio ou associado. A administração da pessoa jurídica se dá através de órgãos previstos no estatuto, que não a representam, eis que não se trata de incapaz, mas a presentam (art. 12 do CPC), e seus atos, exercidos nos limites de seus poderes definidos no ato constitutivo, a obrigam (art. 47 do CC).

            O processo de personificação resulta em vários efeitos práticos, os quais podem ser destacados [18]:

            a)com a constituição da pessoa jurídica forma-se um novo centro de direitos e deveres, dotado de capacidade de direito e de fato, e de capacidade judicial;

            b)esse centro de direitos passa a ser autônomo em relação às pessoas naturais que o constituem;

            c)o destino econômico desse centro é distinto do destino econômico dos seus membros participantes;

            d)a autonomia patrimonial da pessoa jurídica faz com que não se confundam o patrimônio desta com o de seus membros;

            e)as relações jurídicas da pessoa jurídica são independentes das de seus membros, existindo a possibilidade de se firmarem relações jurídicas entre a pessoa jurídica e um ou mais de seus membros;

            f)a responsabilidade civil da pessoa jurídica é independente da responsabilidade de seus membros;

            g)a pessoa jurídica não tem responsabilidade penal.

            Em relação à última assertiva, cabe ressaltar que, embora parte da doutrina não reconheça a responsabilidade penal da pessoa jurídica, existem previsões legais no sentido de que essa existe. Na condição de agente praticante do crime, a Lei nº 9.605/98 prevê a responsabilidade penal para pessoas jurídicas que cometerem crimes contra o meio ambiente (art. 3º). Em relação aos crimes contra a pessoa, previstos no Código Penal, NUCCI [19] diz que "os crimes de violação de domicílio, violação de segredo profissional, violação de correspondência, entre outros, estão inseridos no mesmo título, mas podem ter como sujeito passivo a pessoa jurídica".

            Faz-se mister a menção à responsabilidade penal da pessoa jurídica no presente estudo, eis que a sentença penal condenatória transitada em julgado constitui título executivo judicial (art. 584, II do CPC). Como a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal (art. 935 do CC), a pessoa jurídica condenada em processo crime será a responsável pela indenização cível da vítima, respondendo patrimonialmente quando da execução.

            A personificação da pessoa jurídica termina, via de regra, com o cancelamento da sua inscrição no registro próprio (Registro Civil das Pessoas Jurídicas ou Junta Comercial), que ocorrerá somente após a liquidação. A liquidação visa a solucionar as pendências obrigacionais e destinar o patrimônio remanescente, ou seja, "à realização do ativo e à satisfação do passivo da pessoa jurídica" [20].

            2.1 Classificação das pessoas jurídicas

            As pessoas jurídicas classificam-se em pessoas de direito privado ou pessoas de direito público, e, estas, entre de direito público interno e externo (art. 40). "O que as distingue não é a origem dos recursos empregados em sua constituição (públicos ou particulares), mas o regime jurídico a que se submetem" [21].

            As pessoas jurídicas também são classificadas de acordo com o modo de constituição: contratuais se o seu ato constitutivo for um contrato social, e institucional, se for um estatuto. Ainda, como unipessoais ou pluripessoais, de acordo com o número de pessoas naturais que as constituem.

            Ruy Cirne Lima apresenta a classificação em três formas estruturais da personalidade jurídica: a corporação, a fundação e o estabelecimento público. "Corporação é a personificação de uma coletividade de pessôas; fundação, a personificação de uma coletividade de bens. [...] Compreende o estabelecimento público bens e pessôas, postos ao serviço de uma finalidade pública determinada. Não é, porém, uma corporação." [22]

            2.1.1 Pessoas jurídicas de direito público

            As pessoas jurídicas de direito público caracterizam-se pela supremacia do interesse público sobre o privado, e estão sob a tutela do Direito Administrativo, suas regras e princípios. Porém, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelo Código Civil (art. 41, parágrafo único).

            As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo (art. 43 do CC e art. 37, § 6º da CF).

            As pessoas jurídicas podem ser de direito público interno ou externo, consoante o fato de estarem inseridas ou não na abrangência da soberania nacional.

            2.1.1.1 Pessoas jurídicas de direito público interno

            ROCHA [23] conceitua as pessoas jurídicas de direito público interno como "os grupos que representam a organização política e algumas entidades que visam realizar o fim público. Entretanto, o melhor exemplo de pessoa jurídica de direito público interno é o Estado, ou seja, sociedade politicamente organizada".

            São pessoas jurídicas de direito público interno a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, os Municípios, as autarquias (INSS, por exemplo) e demais entidades de caráter público criadas por lei (art. 41 do CC). Ressalte-se que, em face do pacto federativo nacional, as pessoas de direito público interno possuem autonomia, mas são dependentes da federação no tocante à soberania, que é a capacidade de autodeterminação. Nesse sentido, SILVA [24]:

            Estado Federal é o todo, dotado de personalidade jurídica de Direito Público Internacional. A União é a entidade federal formada pela reunião das partes componentes, constituindo pessoa jurídica de Direito Público interno, autônoma em relação aos Estados e a que cabe exercer as prerrogativas da soberania do Estado brasileiro.

            Cada ente da federação, portanto é uma pessoa jurídica de direito público interno, com autonomia político-administrativa. Seu âmbito de atuação restringe-se ao território brasileiro, eis que, para assumir obrigações de caráter internacional, necessita da supervisão e aprovação da federação.

            As autarquias são pessoas jurídicas que integram a administração indireta do Estado. São o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada (art. 5º, I do Dec.-Lei 200/1967).

            2.1.1.2 Pessoas jurídicas de direito público externo

            As pessoas jurídicas de direito público externo são os Estados estrangeiros, as comunidades internacionais e todas as pessoas regidas pelo Direito Internacional Público (Santa Sé, ONU, OMC, Comunidade Européia etc.) (art. 42 do CC).

            2.1.2 Pessoas jurídicas de direito privado

            As pessoas jurídicas são de direito privado quando regidas pelas normas do Direito Privado, independentemente da procedência do capital que as constituir. São pessoas jurídicas de direito privado as empresas públicas, que possuem patrimônio e capital exclusivo da União, e a sociedade de economia mista, criadas por lei para a exploração de atividade econômica (art. 173, § 1º da CF).

            As empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações governamentais são denominadas pessoas jurídica estatais, e submetem-se ao regime jurídico de direito privado. "Seu estudo, de qualquer modo, é feito no âmbito do direito administrativo. O direito privado ocupa-se das pessoas jurídicas constituídas exclusivamente por recursos de particulares, cabendo ao direito civil o exame das associações, fundações e sociedades simples, e ao direito comercial, o das sociedades empresárias." [25]

            São pessoas jurídicas de direito privado as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos (art. 44 do CC). Embora exista a menção ao fato da Santa Sé ser caracterizada como pessoa jurídica de direito público externo, não se pode confundí-la com as organizações religiosas descritas no rol de pessoas jurídicas de direito privado. A Igreja Católica, a Santa Sé, é pessoa jurídica de direito público por constituir um país soberano, o Vaticano, que, como tal, difere-se substancialmente das condições de caráter privado das demais organizações religiosas que funcionam como uma modalidade de empresa.

            A existência legal das pessoas jurídicas de direito privado começa com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo (art. 45 do CC). O ato constitutivo varia conforme o tipo de pessoa jurídica, se associação, sociedade ou fundação.

            2.1.2.1 Associações

            As associações constituem-se pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos (art. 53), sendo de caráter eminentemente pessoal. A criação de associações independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento, e somente poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial (art. 5º, XVIII e XIX da CF).

            Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos, mas obrigações destes para com a associação, consoante o que determinar seu estatuto, que fixa a parte normativa do ato constitutivo (art. 54). COELHO [26] diz que "constitui-se a associação pela inscrição, no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, de duas vias do estatuto, normalmente transcrito na ata da assembléia de fundação assinada pelos associados que a criaram".

            Em relação à denominação geralmente utilizada para definir as associações, COELHO [27] diz que é "comum chamá-las de instituto, quando tem natureza cultural; de clube, quando seus objetivos são esportivos, sociais ou de lazer; de academia de letras, quando reúne escritores; de centro acadêmico, quando congrega estudantes".

            "A associação se extingue quando realizados ou impossíveis de realização os seus objetivos, e de acordo com as disposições estatutárias" [28]. Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais de cada associado, será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes (art. 61).

            2.1.2.2 Sociedades

            As sociedades são pessoas jurídicas de fins econômicos, cujo affectio societatis que une os sócios tem por único escopo a obtenção de lucro através de atividade econômica. São pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e buscam a partilha, entre si, dos resultados (art. 981 do CC).

            Na constituição da sociedade é necessário um patrimônio, um capital, o objeto e a sede da empresa (art. 968). AMARAL diz que, para constituir-se uma sociedade, é necessário, além do affectio societatis, "um patrimônio próprio que se constitui na garantia do cumprimento de suas obrigações, e um objeto próprio e específico, que deve ser lícito e possível" [29].

            As sociedades podem ser empresárias ou simples, de acordo com a sua organização. "Se esta é explorada de forma empresarial, isto é, com a articulação dos quatro fatores de produção (capital, mão-de-obra, insumo e tecnologia), considera-se empresária a pessoa jurídica da sociedade" [30]. Porém, "quando ausentes os elementos caracterizadores da empresa, a sociedade é simples" [31]. O Direito Comercial regula os atos das sociedades empresárias, ao passo que o Direito Civil, das simples.

            Segundo um critério que considera a responsabilidade dos sócios, as sociedades empresárias dividem-se em: sociedade limitada, sociedade mista (em comandita simples e comandita por ações), e sociedade ilimitada. COELHO [32] assim define-as:

            a)sociedade ilimitada – em que todos os sócios respondem ilimitadamente pelas obrigações sociais. O direito contempla um só tipo de sociedade desta categoria, que é a sociedade em nome coletivo.

            b)Sociedade mista – em que uma parte dos sócios tem responsabilidade ilimitada e outra parte tem responsabilidade limitada. São desta categoria as seguintes sociedades: em comandita simples, cujo sócio comanditado responde ilimitadamente pelas obrigações sociais, enquanto o sócio comanditário responde limitadamente; e a sociedade em comandita por ações, em que os sócios diretores têm responsabilidade ilimitada pelas obrigações sociais e os demais acionistas respondem limitadamente.

            c)Sociedade limitada – em que todos os sócios respondem de forma limitada pelas obrigações sociais. São desta categoria a sociedade limitada (Ltda.) e a anônima (S/A).

            São consideradas sociedades simples aquelas que se constituem para o exercício de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa (art. 966, parágrafo único). Um tipo em particular que se enquadra na condição de sociedade simples é a cooperativa (art. 982, parágrafo único).

            2.1.2.3 Fundações

            As fundações caracterizam-se pelo seu aspecto eminentemente material. "É um complexo de bens que assume a forma de pessoa jurídica para a realização de um fim de interesse público [religioso, moral, cultural ou de assistência], de modo permanente e estável" [33]. Decorre da vontade de uma pessoa, que fará, por escritura pública ou testamento, dotação especial de bens livres, especificando o fim a que se destina, e declarando, se quiser, a maneira de administrá-la (art. 62).

            Podem ser instituídas por particulares ou pelo Estado, devendo ser composta por bens livres de ônus reais e disponíveis (nesse caso, resguardados os direitos dos herdeiros necessários do instituidor). Esses bens, uma vez integrados ao patrimônio da fundação, são inalienáveis.

            A fim de evitar o desvio das finalidades das fundações previstas nos estatutos, a lei incumbiu ao Ministério Público o dever de fiscalizá-las (art. 66). O Ministério Público é competente, também, para promover a extinção da fundação, sempre que tornada ilícita, impossível ou inútil sua finalidade, ou se vencido o prazo de duração. Uma vez extinta, seu patrimônio deverá incorporar outra pessoa jurídica da mesma espécie e com a mesma finalidade, designada pelo juiz.

            2.1.3 Sociedades não-personificadas

            Sociedades não-personificadas são as associações e entidades que não possuem personalidade civil formalmente regularizada. São também conhecidas como sociedades de fato, pois, na prática, possuem os mesmos atributos e exercem as mesmas atividades de associações ou sociedades personalizadas.

            Os sócios, nas relações entre si ou com terceiros, somente por escrito podem provar a existência da sociedade, mas os terceiros podem prová-la de qualquer modo (art. 987). Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem (art. 990), ou seja, podendo os bens particulares desses serem executados antes dos da sociedade.

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Sobre o autor
Luiz Gustavo Lovato

advogado, especialista em Direito Privado pela UNIJUÍ, corretor de imóveis, mestrando em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOVATO, Luiz Gustavo. Da personalidade jurídica e sua desconsideração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 858, 8 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7522. Acesso em: 22 nov. 2024.

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