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Direito e escravidão: aspectos jurídico-políticos das relações anglo-brasileiras na supressão do tráfico de escravos

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02/08/2019 às 17:42
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CONSIDERAÇÕES FINAIS.

“The suppression of the Slave Trade was the joint work of the Navy and the Foreign Office, the one carrying into effect the agreements negotiated by the other” [31](LLOYD, 1968, p.171). O Império Britânico se utilizou do poderio bélico que detinha para coercitivamente suprimir o tráfico de escravos, vez que não havia consentimento por parte dos que compartilhavam desse comércio.

As motivações políticas para o posicionamento britânico advinham tanto do estágio de desenvolvimento econômico e industrial em que se encontravam quanto ao que pretendiam alcançar e manter, para isso, se utilizando da hegemonia alcançada pela pax britannica e o domínio das redes comerciais até então sobre influência de outros Estados (ARRIGHI, 1996). Todavia, o imperialismo de livre-comércio imposto pela Grã-Bretanha também não cessou no domínio econômico e terminou por incluir em seus domínios vastos territórios, (ARRIGHI, 1996), assim, restando evidenciado a influência e poder exercido pelo império britânico sobre os Estados em favor próprio.

No que tange às questões de política interna relativas ao tráfico de ecravos, se observa que, mesmo o poder executivo tendo uma visão liberal e sendo a favor da abolição e da supressão do tráfico, a elite política que se centrava em produtores que dependiam da mão-de-obra escrava acabavam tomando o controle da direção das medidas políticas a serem tomadas por parte do Brasil. Durante a Regência a preponderância dos interesses escravocratas fez-se patente diante da resistência do Estado em aplicar a legislação antitráfico.

Além disso, o período regencial foi marcado pelo reforço dos mecanismos coercitivos disponíveis aos escravocratas. Em princípio, ao longo de toda a história colonial até praticamente o fim do Império, porque o monopólio do uso legítimo da violência física, marca distintiva do poder estatal contemporâneo (WEBER, 2007, p. 56), era inexistente, sendo tal poder dividido com os senhores, executores da coerção física como condição intrínseca ao processo produtivo. Somado a isso, em agosto de 1831, o senhoriato brasileiro aprova a lei que instituía a Guarda Nacional, permitindo aos terratenentes exercerem o poder punitivo do Estado ao serem constituídos como parte da Guarda Nacional – onde recebiam o título de coronéis – assim, havendo uma hipertrofia do poder privado frente ao poder estatal.

Quanto ao Direito Internacional, o princípio de universalidade – que legitima e reconhece a todos os Estados a possibilidade de perseguir e interceptar nos espaços internacionais, como o alto mar, independente da nacionalidade, aqueles suspeitos da realização de atos contra a humanidade, - que existe nos tempos atuais somente pode ser consolidada após a supressão levada a cabo pelo governo britânico.


REFERêNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

[1] Sr. Peel, quem levou consigo 50.000 libras esterlinas e trezentos trabalhadores à colônia Swan River, na Austrália. Seu plano consistia em que seus trabalhadores realizassem suas tarefas para ele, igual faziam no velho mundo. Chegados à Austrália, sem embargo, onde a terra abundava - abundava demasiadamente - os homens preferiram trabalhar por conta própria como pequenos proprietários, no lugar de fazê-lo por um salário sobre às ordens do capitalista.

[2] [...] era como arrebatar-lhe o sentido de sua existência [...] era escravizar não somente seus músculos senão também seu espírito coletivo.

[3] servos por contrato.

[4] foi o sentimento de humanidade por seus compatriotas e pelos homens de mesma cor o que ditou a preferência do colono pelo escravo negro. Não há registros deste sentimento de humanidade nos registros da época, pelo menos no que se refere às colônias de plantação e de produção comercial.

[5] Debate em Menção à Abolição do Comércio de Escravos, na Casa dos Comuns, na Segunda-Feira, 02 de abril de 1792, Relatado em Detalhes.

[6] National Archives _ H.C. 81.

[7] É portanto promulgada pela sua Excelentíssima Majestade, o Rei, Por e com o Conselho e Consentimento dos Lords Espirituais e Terrenos, e Comuns, constituídos nesse presente Parlamento, e pala Autoridade do mesmo,  Que do e depois do Primeiro Dia de Maio Um mil oitocentos e sete, o Comércio de Escravos Africanos, e todas as formas de acordos e negócios de Compra, Venda, Escambo, ou Transferência de Escravos ou de Pessoas com a intenção de ser vendida, transferida, usada, ou negociadas como Escravas, praticados os levados a cabo desde qualquer Parte da Costa ou Países da África, serão, e o mesmo está completamente abolido, proibido, e declarado ser ilícito; então, aquele infrator será penalizado e pagará por cada infração a soma de 1000 libras de dinheiro lícito da Grã-Bretanha para cada infração e para cada escravo comprado, vendito, escambado, ou transferido, ou escriturado ou de acordo com o exposto.

[8] National Archives_ H.C_ 127.

[9] Torre do Tombo, TRT Tratados 1652/1878 GB-5A-2.

[10] Torre do Tombo, TRT Tratados 1652/1878 GB-7-2.

[11] Torre do Tombo, TRT Tratados 1652/1878 GB-7-5.

[12] Torre do Tombo, TRT Tratados 1652/1878 AU-2.

[13] Levando em consideração que o comércio conhecido pelo nome de “Comércio de Escravos” tem sido considerado, pelos justos e esclarecidos homens de todas as idades como repugnante aos princípios de humanidade e da moralidade universal; das circunstâncias particulares de que esse comércio surgiu, e a dificuldade de impedir seu progresso de forma abrupta, que se prolonga em abominavelmente; em todos os países civilizados existe chamamentos acalorados por sua supressão; desde que as características e detalhes do tráfico foram conhecidas, e o mal de todo humano que o pratica, muitos governos europeus tem virtualmente decidido pará-lo, e  sucessivamente todas as potências que possuem colônias em diferente partes do mundo têm reconhecido, tanto por Atos legislativos ou Tratados, ou outros vínculos formais, a obrigação e necessidade de aboli-lo. E os plenipotenciários reunidos nesse Congresso não podem dar grande crédito maior às suas missões do que cumprir suas obrigações, e manifestar os princípios que animam suas augustas Soberanias, então levando a cabo esse compromisso, e proclamando em nome de suas soberanias, seus desejos de finalizar um flagelo que a muito tempo desola África, degrada a Europa, e aflige a humanidade.

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[14] Torre do Tombo, TRT Tratados 1652/1878 GB-9-4.

[15] Torre do Tombo, TRT Tratados 1652/1878 GB-9-6.

[16] Torre do Tombo, TRT Tratados 1652/1878 GB-9-9.

[17] Arquivo Histórico do Itamaraty – Tratados – GB – 1800/1900 – A23.

[18] Arquivo Nacional _ Administração _ Leis_ Império_ 1800.

[19] Torre do Tombo, TRT Tratados 1652/1878 GB-9-4.

[20] Archivo Nacional Español. M_Exteriores_H. Legado 4580.

[21]As informações constantes no nesse gráfico são do projeto Trans-Atlantic Slave Trade Database, patrocinado pela Emory University e com o apoio do governo americano, através do National Endowment, Hutchins Center for African and African American Research, e da Universidade de Harvard.

[22] Um Ato para emendar um Ato, intitulado um Ato para continuação da execução da convenção entre Sua Majestade e o Imperador do Brasil, para a Regulação e Abolição final do Comércio de Escravos Africanos.

[23] National Archives_ H.C_ 22.

[24] Considerando que uma Convenção foi concluída entre Sua antiga Majestade Rei George IV e o Imperador do Brasil, para a Regulação e Abolição final do Comércio de Escravos Africanos, e assinada no Rio de Janeiro no 23º dia de novembro de 1826: e considerando que dita Convenção aceita entre as Altas Partes Contratantes para adotar, com o Sentido e Tempo nesse lugar, todos os Artigos e Previsões dos Tratados concluídos entre Sua antiga Majestade e o Rei de Portugal nesse Assunto no 22º dia de janeiro de 1815 e no 28º dia de janeiro de 1815, e no 28º dia de julho de 1817, e todos os explanatórios Artigos que foram adicionados a ele, [...] E considerando que no 20º dia  de março de 1845 foi notificado pelo Governo Imperial Brasileiro o Governo de Sua Majestade de que as Comissões Mistas anglo-brasileiras estabelecidas no Rio de Janeiro e em Serra Leoa cessariam no 15º dia do dito mês de março; mas que o Governo Imperial concordaria que ditas Comissões Mistas poderiam continuar por mais Seis Meses, para o único Propósito de adjudicar os Casos pendentes, e aqueles que poderiam ter ocorrido antes do 15º dia de março [...]

[25] National Archives_ H.C_ 22.

[26] E considerando que pela dita Convenção do 23º dia de novembro de 1826 [...] a continuação do Comércio de Escravos Africanos sobre nenhum Pretexto e nenhuma Maneira qualquer, e que a continuação desse Comércio depois do Período por qualquer pessoa, Sujeita a Sua Majestade Imperial, deverá ser julgado e tratado como Pirataria. [...] o Ato do Oitavo Ano do Reino de Sua antiga Majestade o Rei George IV que proibe a Alta Corte do Almirantado e as Cortes do Vice-Almirantado de exercer Jurisdição sobre embarcações capturadas em virtude da dita Convenção será repelida, e maiores Provisões serão feitas para a Execução da Mesma; fica promulgada, que como dito ,Atos que proibam a Alta Corte do Almirantado ou qualquer Corte do Vice Almirantado in qualquer Parte dos domínios de Sua Majestade de adjudicar qualquer reividicação, Ação, ou qualquer termo que surja de fora da Convenção, [...] será repelida.

[27] E fica promulgado, Que qualquer Navio ou Embarcação que for detido sobre qualquer Ordem ou Autoridade conforme mencionado, será condenado pela Alta Corte do Almirantado ou por qualquer Corte do Vice Almirantado de Sua Majestade. poderá ser levado ao Serviço de Sua Majestade, como Pagamento de certa Soma ao Almirante ou aos comissários [...] então será inteiramente demolido, e a carcaça será publicamente vendida em partes separadas

[28]  Archivo Nacional Español. M_Exteriores_H. Legado 8533.

[29]National Archives_ H.C_ 112.

[30]National Archives_ H.C_766.

[31] A supressão do tráfico de escravos foi o trabalho conjunto da marinha e do escritório de assuntos exteriores, um levando a cabo os acordos negociados pelo outro.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMARGO, Wainesten. Direito e escravidão: aspectos jurídico-políticos das relações anglo-brasileiras na supressão do tráfico de escravos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5875, 2 ago. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75291. Acesso em: 19 abr. 2024.

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