4. AS MEDIDAS DE SEGURANÇA
Hodiernamente, é importante refletir sobre um instrumento como as medidas de segurança, pois são elas que conjugam a loucura e o crime em suas faces jurídicas criminais para que, dessa maneira possibilite encontrar respostas aos impasses ocasionados pelo comportamento criminoso do agente mentalmente doente. A essência da reflexão no âmbito jurídico emana das ruínas, das feridas, do agravamento e da violência que o crime ocasiona na vida do indivíduo, na sua família e em toda sociedade. Inclui-se neste contexto, a maior parte do tratamento mais adequado que o Estado determina ao agente.
4.1 Principais características
Para Silva (2008), a compreensão abarcada pelo Direito Penal, sobre a medida de segurança refere-se a um remédio legal aplicado para pôr a sociedade em proteção de um perigo iminente que possa ameaçar a sua harmonia.
Capez (2013) conceitua as medidas de segurança como uma articulação penal determinada pelo Estado no cumprimento de uma sentença, com desígnio exclusivo a prevenção, ou seja, evitar que o agente que praticou a infração penal, que demonstre certo grau de periculosidade volte a cometer novos delitos. Pode-se dizer ainda que, a finalidade preventiva visa tratar o inimputável e o semi-imputável que evidenciam suas potencialidades para novas ações danosas a sociedade.
A medida de segurança é originada da autoridade judiciária e tem como objetivo especial ser um instrumento de defesa social que supri e complementa a pena, nem sempre com o caráter de correção, como sugere a pena, mas sim como proteção social contra atos lesivos que possam surgir, (SILVA, 2008).
“As medidas de segurança têm uma finalidade diversa da pena, pois se destinam a cura ou, pelo menos, ao tratamento daquele que praticou um fato típico e ilícito”, (GRECO, 2012, p. 231).
Para Melquiades de Araújo (2014), as medidas de segurança no Brasil têm o objetivo fundamental à cura o indivíduo mentalmente doente que comete algum tipo de crime. O tratamento que esse indivíduo será submetido deverá ter como escopo a prevenção e a adequação do mesmo as regras do convívio em sociedade.
Seguindo as vozes e os pensamentos dispostos até o momento, destaca-se que, além da compreensão sobre as principais características e função das medidas de segurança, é necessária ainda, a reflexão acerca de sua aplicação, se a mesma se encontra fundamentada nos princípios norteadores previstos na Constituição Federal do Brasil que serão expostos a seguir.
4.2 Princípios constitucionais norteadores das medidas de segurança
Seguindo os apontamentos de Freitas (2014), compreende-se que as medidas de segurança se definem como um instrumento de sanção determinado pelo Estado. Tendo em vista que, o Brasil possui uma Constituição Democrática, a aplicação das medidas de segurança deve ser fundamentada conforme os princípios constitucionais que a regem.
4.2.1 Princípio da legalidade
Para Freitas (2014), o princípio da legalidade é considerado o mais importante do ordenamento penal brasileiro. Previsto no artigo 5 da CF/ 88, dispõe sobre uma exigência formal da lei que, indispensavelmente possa garantir a proteção dos valores democráticos, evitando assim que, o juiz decida impor medidas alternativas não previstas em lei conforme o inciso XXXIX do art. 5° da Constituição Federal de 1988:
“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (BRASIL, 1988).
Se não há na lei a tipificação de um determinado ato caracterizado como criminoso, não há de se falar em pena. Nesta linha de raciocínio, pode-se destacar a importância dos termos do parágrafo acima citado, pois, equivale-se da mesma força para o inimputável.
4.2.2 Princípio da proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade é definido por Freitas (2014) como um instrumento de proteção referente a fixação da pena que se fundamenta no que se pode caracterizar como necessário e suficiente para reprovar ou prevenir o ato criminoso crime.
Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, aos motivos e as circunstâncias e conseqüências do crime, bem como o comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime (BRASIL, 1940).
Os termos do artigo 59 possibilitam a compreensão de que, o princípio da proporcionalidade está ligado ao limite do poder estatal, ou seja, sugere que deve haver uma barreira para evitar os excessos no caso concreto. Ressalta-se ainda que, o princípio da proporcionalidade possibilita uma correspondência entre a pena, o delito praticado e culpabilidade do agente, adequando-os num parâmetro certo e harmônico conforme prevê a lei.
No que se refere às medidas de segurança, este princípio funciona da mesma forma, ou seja, através da correspondência entre a gravidade do crime e a duração da medida, de forma que a duração esteja em pleno acordo com o grau de periculosidade do agente.
4.2.3Princípio da intervenção mínima ou suma ratio legis
Freitas (2014) destaca em seus estudos o entendimento do poeta romano Horácio sobre o princípio da intervenção mínima ou suma ratio legis, dizendo que este se fundamenta no contexto de que existe uma medida e um limite em todas as coisas.
“Art. 8°. A lei apenas deve estabelecer penas estritas e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.”
Para Ferreira Filho (2012), este princípio se encontra no art. 8° da Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão de 1789 e, preceitua de forma clara e objetiva a legalidade da aplicação punitiva.
4.2.4 Princípio da dignidade da pessoa humana
Freitas (2014) aponta que, o princípio da dignidade da pessoa humana está previsto na Constituição Federal e é caracterizado com um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. De acordo com sua previsão no artigo 1°, o referido princípio deve-se fazer valer em todos os momentos processuais, na aplicação da pena ou na aplicação das medidas de segurança.
O princípio sugere que, o indivíduo delinqüente, doente ou não, deve ter as condições mínimas de seus direitos preservados e aplicados. No caso do inimputável, a articulação das medidas de segurança segue os mesmos preceitos, evitar o excesso do poder estatal compactuado com os prazos, com a intervenção mínima e ainda o respeito aos prazos.
4.3 Principais diferenças entre pena e medida de segurança
Conforme Capez (2013), as medidas de segurança são caracterizadas pela aplicação de dois sistemas, sendo eles o sistema vicariante definido pela aplicação da pena ou da medida de segurança e, o sistema duplo binário, baseado na aplicação da pena e da medida de segurança ao mesmo tempo.
Art.96. As medidas de segurança são:
I- internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, a falta, em outro estabelecimento adequado;
II- sujeição E tratamento ambulatorial.
Parágrafo único. Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a quem tenha sido imposta (BRASIL, 1940).
O Brasil adotou o sistema vicariante, pois, conforme o Código Penal, seria impossível aplicar a pena e as medidas de segurança indivíduo ao mesmo tempo. Assim sendo, “aos imputáveis são aplicadas as penas, aos inimputáveis as medidas de segurança” e, aos semi-imputáveis outra medida mais adequada que será determinada pelo perito. (CAPEZ, 2013, p.474).
Conforme o autor, para que se possam aplicar as medidas de segurança é necessário ater-se a dois pressupostos: a prática do crime e a potencialidade do indivíduo para novas ações lesivas.
Para Capez (2013), não se aplicam as medidas de segurança quando: não existir prova de autoria e dos fatos relacionados ao crime; se estiver presente causa que exclui a ilicitude; se o crime for impossível e ainda, se ocorreu a prescrição ou outro fator que extingui a punibilidade.
Nesta linha de pensamento, Capez (2013) sugere que, se não ficou caracterizada a prática da infração penal, não serão impostas as medidas de segurança, tão pouco, serão aplicadas a qualquer pessoa com algum tipo de transtorno mental, mas somente aos que realmente cometeram fatos típicos e ilícitos, tendo em vista a periculosidade de cada um e o impulso para cometer de novos crimes.
Dessa forma, a medida de segurança é determinada, em regra, em face da periculosidade que a pessoa ou a coisa possam trazer a sociedade. E assim, a periculosidade é avaliada não somente pelo fato já ocorrido como pela ameaça de perigo que se mostre iminente ou imediata, (SILVA, 2008).
“Na inimputabilidade, a periculosidade é presumida. Basta o laudo apontar a perturbação mental para que a medida de segurança seja obrigatoriamente imposta”, (CAPEZ, 2013, p.475).
Já na semi-imputabilidade, entende-se que, a mesma deve ser verificada pelo juiz, ainda que o laudo apresente as características dessa semi-imputabilidade, “deverá ser investigado no caso concreto”, para que se possam direcionar as medidas de segurança ou a pena, (CAPEZ, 2013, p.475).
Conforme os estudos de Capez (2013) existem duas formas de medida de segurança, a detentiva e a restritiva:
A detentiva possui as seguintes características: obrigatoriedade, quando a pena for de reclusão; será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for verificada através da perícia médica, “a cessação da periculosidade”; essa averiguação terá um “prazo mínimo entre um e três anos”, mas, pode acontecer a qualquer tempo, mesmo antes do tempo mínimo determinado. (CAPEZ, 2013, p.475).
“Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinara sua internação (art.26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.” (BRASIL, 1940).
Após esse período de internação e averiguação da periculosidade, entende-se que o próximo passo é a desinternação. Capez (2013) sugere que a desinternação sempre será condicional, tendo em vista o restabelecimento da situação anterior se o indivíduo, antes do andamento de um ano, comete algum ato que demonstre o seu grau de periculosidade, não necessariamente um delito.
O tratamento a que será submetido o inimputável sujeito a medida de segurança poderá ocorrer dentro de um estabelecimento hospitalar ou fora dele. Assim, a medida de segurança poderá iniciar-se em regime de internação ou por meio de tratamento ambulatorial. Dessa forma, podemos considerar que as medidas de segurança podem ser detentivas (internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado) ou restritivas (tratamento ambulatorial), (GRECO, 2012, p.231).
No que diz respeito as medidas de segurança restritiva, cabe destacar que essa modalidade possui critérios de análise como a compreensão de que, “se o crime é punido com detenção, o juiz pode submeter o agente ao tratamento ambulatorial” que, será por prazo indeterminado podendo variar entre um e três anos, tendo em vista a constatação da periculosidade esse exame pode ser feito antes do prazo mínimo, (CAPEZ, 2013, p. 476).
“§ 1. ° A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos. ”(BRASIL, 1940).
Sobre os termos acima, entende-se que, a lei insere prazo mínimo para a duração da medida de segurança e, no que diz respeito ao tempo máximo, será subordinado a cessação da periculosidade.
4.4 Procedimento para a execução da medida de segurança
Capez (2011) descreve em sua obra alguns procedimentos que devem ser adotados na execução da medida de segurança:
Inicialmente, sugere que, quando a sentença transitar em julgado, “expede-se a guia de internamento ou tratamento ambulatorial, quando a medida de segurança for detentiva ou restritiva”. Essa guia deve ser obrigatoriamente levada ao conhecimento do Ministério Público, (CAPEZ, 2011, P. 469).
Conforme o autor, em seguida, o diretor do estabelecimento onde o agente cumpre a medida de segurança, até um mês antes de cessar o prazo mínimo, precisará remeter ao Juiz um delineado relatório que o capacita a resolução sobre a revogação ou continuação da medida, e este relatório não poderá ser substituído pelo laudo psiquiátrico, os dois devem estar instruídos lado a lado. É importante destacar ainda que, o relatório psiquiátrico do estabelecimento não supre o exame de periculosidade do agente.
O Ministério Público e o defensor do agente terão o prazo de 3 dias para se manifestarem, e, dessa forma, o juiz definira novas diligencias ou enunciará decisão no prazo de 5 dias.
4.5 Medida de segurança e duração
Capez (2011) ressalta em seus estudos que, a fixação do prazo mínimo será determinada conforme o nível de perturbação mental do indivíduo e a gravidade do fato criminoso. É importante frisar que, a medida de segurança não tem finalidade restritiva, porém, o que está em jogo é o grau de periculosidade do agente para que se possa ter cautela quanto a sua desinternação.
Medida de segurança e a detração: o juiz deve fixar na sentença um prazo mínimo de duração da medida de segurança, entre um e três anos. Computa-se nesse prazo mínimo, pela detração, o tempo de prisão provisória, o de prisão administrativa e o de internação em hospital de custodia e tratamento psiquiátrico ou estabelecimento adequado, (CAPEZ, 2011, P.471).
“Art. 41. O condenado a quem sobrevém doença mental deve ser recolhido a hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, a falta, a outro estabelecimento adequado. ”(BRASIL, 1940).
“Art. 42. Computam-se, na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo da prisão provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior. ”(BRASIL, 1940).
Segundo Malcher (2009), enquanto não for averiguada a periculosidade do agente, para constatar a sua cessação, o prazo da medida de segurança será indeterminado. Porém, o juiz é obrigado fixar na sentença o prazo mínimo de um a três anos.
De acordo com Capez (2011), existe um critério para fixar o prazo mínimo, que, será de acordo com o grau de perturbação mental do agente e a gravidade do delito por ele cometido. É de suma importância apontar que, a medida de segurança não tem escopo punitivo, não necessitando estar ligada à indignação do fato criminoso e sim, deve-se compactuar-se a averiguação da periculosidade no momento da liberação ou desinternação.
“§ 2. ° A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução”.(BRASIL, 1940).
§ 3. ° A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade. ”(BRASIL, 1940).
Sobre os parágrafos acima citados, Capez (2011) traz uma importante observação sobre a periculosidade e a liberação do agente: “Liberação: será sempre condicional, devendo ser restabelecida a situação anterior se, antes do decurso de um ano, o agente praticar fato indicativo de sua periculosidade (não necessariamente crime)”, (CAPEZ, 2011, P. 469).
Por tudo que foi exposto neste capitulo, pode-se entender que o grau de periculosidade é o mais importante aspecto para desinternação ou permanência do indivíduo nas medidas de segurança, ou seja, a periculosidade é a “chave” que trancará ou abrirá as portas para a liberdade do louco. Porém, o sujeito em vivência livre na sociedade ou cumprindo medidas de segurança, necessita de um espaço para existir, que possa garantir-lhe a dignidade humana.