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Libertação do direito: libertação pelo Direito via M. Kriele e o movimento sufragista britânico

19/07/2019 às 18:54
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O presente artigo faz uma análise do pensamento do autor Martin Kriele acerca de dois conceitos de libertação e o relaciona com o movimento sufragista apresentado no filme " As sufragistas" de 2015.

LIBERTAÇÃO DO DIREITO: LIBERTAÇÃO PELO DIREITO VIA M. KRIELE E O MOVIMENTO SUFRAGISTA BRITÂNICO.

Emanuelle Ribeiro Rosa[1]

Resumo

O presente artigo tem como objetivo primordial fazer um parâmetro entre os dois conceitos de libertação apresentados por Martin Kriele em sua obra: Libertação e iluminismo político: uma defesa da dignidade do homem. Além desta obra, também fora utilizado como material de pesquisa o filme “ As sufragistas”, o qual apresenta a luta das mulheres pelo direito ao voto na Inglaterra no século XX. E a partir deste estudo, busca-se identificar o modelo de libertação adotado pelas sufragistas britânicas.

Palavras-Chave:

Libertação; Direitos; Sufrágio feminino; Dignidade do homem.

1.Introdução

A luta por igualdade de direitos por parte das mulheres teve início em meados do século XIX. Também conhecido por primeira onda do feminismo, essa luta teve como principal objetivo a busca por igualdade política e jurídica entre os sexos. O fundamento que marcou o primo da atividade feminista foi a reivindicação por direitos iguais de cidadania (direito à educação, propriedades e posses de bens, divórcio, etc.), tendo como auge a luta sufragista pelo direito ao voto feminino, que aconteceu em diversos países no mundo.

Sua manifestação pode ser caracterizada como fruto de um movimento moderno, devido a radical transformação do cenário social, cultural e até mesmo do Estado da época. Todos advindos de uma profunda efervescência causada na Europa após a Revolução Francesa e Revolução Industrial.

É válido salientar que a principal conjuntura das mobilizações desta primeira onda do feminismo foi, portanto, o desenvolvimento em que as revoluções tanto econômicas quanto politicas surtiram nas sociedades europeias do século XIX. Tendo como principal efeito a nova concepção de uma estrutura social, que seria nomeada posteriormente de “sociedade moderna”.

A primeira onda do feminismo, fora comandada por mulheres conhecidas como “feministas liberais”, as quais eram pertencentes a camada rica e privilegiada, inspiradas pelas novas ideias fomentadas pela Revolução Francesa e também pelo alargamento de direitos presentes na “Carta de Declaração dos Direitos do Homem” às mulheres.

Um exemplo de uma liberal burguesa da época é a escritora Mary Wollstonecraft, que manifestou sua insatisfação com a condição civil, econômica e política das mulheres, as quais ela considerava lastimável. No entanto, o filme “As sufragistas” de 2015, demonstra também o importante papel das mulheres trabalhadoras de industrias nesta luta por pelo direito ao sufrágio universal. De forma que acaba por proporcionar o esclarecimento de uma visão vulgarmente apresentada na história, de que o movimento sufragista foi exclusivamente feito por liberais burguesas.

Outro fator a ser destacado é que o movimento sufragista foi marcado por duas fases, as quais são caracterizadas pelo tipo de militância que as mulheres praticavam. Aquelas que eram pró-sufrágio eram conhecidas como “sufragistas” e “sufragetes”. Em suma, as “sufragistas” eram as que lutavam de forma mais pacífica e adotavam táticas que não violavam a norma pública, o que era totalmente o oposto das “sufragetes”, consideradas mais radicais e subversivas.

Sendo assim, o professor de direito público Martin Kriele, em sua obra “Libertação e iluminismo político: uma defesa da dignidade do homem”, principal material teórico deste artigo, traz os elementos que compõe seus dois conceitos de libertação, que são claramente notados no movimento sufragista. O autor apresenta duas formas de libertação: pelo direito e do direito. A primeira tem influência direta do iluminismo político, qual relaciona a efetivação da justiça exclusivamente por meio das instituições. No entanto, a libertação do direito põe em dúvida a ideia de justiça e a necessidade das instituições para sua efetivação.

No mais, o presente artigo busca identificar no filme “ As sufragistas” o paradigma de libertação do direito\pelo direito. Afim de fazer um parâmetro entre o movimento feminino e o pensamento de M.Kriele.

2. O movimento Sufragista na Inglaterra

O iluminismo contribuiu diretamente para o surgimento do movimento feminista no século XVIII. No qual muitos filósofos como, Mary Wollstonecraft, Marie Jean Antoine, Jeremy Bentham e muitos outros, sustentavam argumentos em prol da concessão de direitos às mulheres. Também a Revolução Francesa (1789-1799) foi um período de grande importância para a primeira onda do feminismo. A crise da monarquia absolutista deixou a população europeia em crise e na miséria. O que impulsionou a população a ir para ruas e protestarem por uma baixa no preço do pão, que estavam muito altos, também foram às ruas mais de 7.000 mulheres. Este episódio ficou conhecido como “ A marcha de mulheres sobre Versalhes”.

No entanto, mesmo depois deste grande acontecimento e participação nas lutas, os revolucionários negaram-lhes a participação política. Então, influenciadas pela revolução e também tocadas pelas mudanças sociais advindas da revolução, mulheres começaram a lutar contra o modelo patriarcal e a condição de submissão a qual eram submetidas. Assim, a escritora e filosofa Elisabeth Badinter afirmava que as mulheres tentaram ser ouvidas durante a revolução de diversas maneiras.

                                             Dois tipos de mulheres chamaram a atenção. Umas anônimas são as mulheres do povo: operarias de tecidos (lavadeiras, fiadeiras…), lojistas, feirantes. São elas as primeiras a reagirem ao período de miséria, e a tomar frente dos motins da fome. […] Mas a revolução teve outras atrizes: um número pequeno de mulheres […] Mulher de letras que mal sabiam escrever como Olympe de Gouges ; […] mulheres oriundas da pequena burguesia, se interessavam pela politica, assistiam as sessões das sociedades populares, e fundaram elas mesmas, em Paris e na província, clubes femininos.( BADINTER, 1989, p.,9).

Assim como fora citado anteriormente, diversos filósofos tiveram grande importância na luta das mulheres para alcançarem seus direitos e exercerem sua cidadania de forma plena. Um nome a ser destacado é o de Mary Wollstonecraft, que apresentava a sua preocupação com o estatuto social, político e civil das mulheres da sua época, que considerava lastimável. Para ela, a educação diferenciada entres sexos era responsável pela manutenção da desigualdade social entre sexos. Portanto, o acesso a um sistema educacional único e universal era a solução para essa disparidade. E assim, as mulheres conseguiriam alcançar o exercício de sua cidadania e independência econômica.

Então, no ano de 1792, M. Wollstronecraft, lança sua principal obra “ A Vindication of the Rights of Woman: with Strictures on Political and Moral Subjects”, que teve grande amplitude nos Eua e Inglaterra. E, posteriormente influenciou diversas feministas de gerações posteriores, como as sufragistas inglesas do século XIX, que surgiram logo após a primeira onda do feminismo.

O movimento pró-sufrágio na Grã- Betanha e Eua foi marcado por duas fases bem distintas: uma constitucionalista e outra militante. As sufragistas, como eram conhecidas as constitucionalistas, coordenavam suas campanhas de forma pacifica e sem violar as normas públicas, esperavam a conscientização e alcance de seus objetivos através da boa vontade dos políticos. A principal fundação sufragista constitucionalista Britânica era a  National Union of Women’s Suffrafe Societies- NUWSS, que fora fundada em 1897 por  Millicent Garret Fawcett e Lydia Becker.

Todavia, as sufragistas militantes, conhecidas por “suffragettes” eram aquelas membros da WSPU- Women’s Social and Political Union, fundação sediada em Manchester no ano de 1903 e liderada pelas Pankhursts: Emmeline, que era presidente, e suas filhas: Christabel, Sylvia e Adela. Esse grupo de mulheres em conjunto com as outras membras da fundação, foram de suma importância para o alcance do sufrágio universal na Inglaterra. A WSPU tinha características distintas das demais, objetivos bem definidos e um lema que incitava à luta “Deeds not worlds”, traduzido para o português, “Ações não palavras”.

Além de publicarem jornais semanais, conhecidos por “ Vote for Women”, elas agiam de forma revolucionária, o que as tornaram conhecidas pelo mundo todo. Elas confrontavam a polícia, interrompiam reuniões políticas abertas, quebravam vidraças de lojas e casas, destruíam obras de arte em galerias públicas, incendiavam imóveis abandonados e cabines telefônicas, atacavam as casas de políticos e membros do Parlamento e chamavam a atenção se acorrentando em grades de prédios públicos.

Também é valido destacar que diversas sufragistas, como Emmeline Pankhurst foram presas diversas vezes e por consequência disso faziam greves de fome, como forma de protesto e também para chamar a atenção das autoridades. O governo, por sua vez, com medo de mortes, e, consequentemente, criação de mártires, criaram um mecanismo de tortura conhecido por “ alimentação forçada”, o qual era inserido um tubo pela garganta das militantes a força.

Deste modo, ambas as correntes do movimento sufragistas foram fundamentais para alcançar o sufrágio universal na Inglaterra. O parlamento Inglês, por meio da aprovação da lei eleitoral de 1918, finalmente reconheceu o direito a voto às mulheres e com isso a efetivação do exercício da plena cidadania das mulheres.

3. Libertação do Direito via M. Kriele

Martin Kriele é um professor e escritor alemão, formado em direito público. Neste presente artigo, será utilizado sua obra: ”Libertação e iluminismo político: uma defesa da dignidade do homem, afim de analisar as duas formas de libertação via direito

A libertação do homem pelo direito é marcada pelo iluminismo político, o qual defende que a libertação é o triunfo da vitória sobre a injustiça. Para essa corrente de pensamento, a ideia de libertação está atrelada à ideia de justiça, que é realizada exclusivamente pelas instituições jurídicas. Sendo assim, a luta contra a injustiça é realizada por meio da aplicação da justiça, e, paulatinamente a efetivação da mesma.

Entretanto, a noção iluminista de libertação é atualmente contrariada por uma concepção de libertação absolutamente divergente e com um alcance universal. Pois essa nova ideia põe em dúvida a noção de justiça e a necessidade das instituições para concretiza-la. Dessa forma, a nova abordagem para o conceito de libertação é indiferente no que tange ao papel das instituições para aplicação da justiça, porque, “libertação” não almeja realizar um cargo, mas, segundo Kriele, supera toda e qualquer espécie de instituições e autoridades, que por seu papel, podem tomar decisões justas ou injustas. Em um mundo em que rege este novo conceito de libertação, a necessidade de justiça se tornaria sem utilidade ou sentido, uma vez que, já não seria libertação via direito, mas libertação do direito.

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A partir das duas revoluções francesas, a oposição ao redor das duas noções divergentes da libertação, assumiram formas dramáticas e que podem ser melhor definidas a partir de 1789.É válido salientar que, a declaração dos direitos do homem teve início em 1789, com a 1° revolução francesa, culminando na constituição de 1791. Já a 2° revolução que teve origem em 1792, e, tinha como objetivo superar este direito público, criado pela 1° revolução, por meio de uma “libertação” absoluta. E assim, a emancipação do poder público que tinha como objetivo conduzir a plena democracia, acabou por se tornar um terror para os europeus. E dessa forma, ficou marcado a primeira expressão dessa nova ideia de “libertação”. Que, por sua vez, não tentou restringir o poder do Estado, mas sim supera-lo.

Logo, é necessário se distinguir esses dois tipos de libertação. Comumente, admite-se que esses dois conceitos se distinguem pelo método que utilizam na luta política. O uso ou não da violência, o agir pela mudança na forma reforma ou revolução. No entanto, para Kriele essa não é a única forma de distinção entre elas. Segundo o autor, existe uma noção da “libertação” numa perspectiva reformadora, como prioridade da ciência antes do direito, uma liberdade relativista. Por outro lado, a ética do iluminismo político permanentemente reconhece a violência como última saída, por não ver efetiva eficácia em seu poder de ação. Sendo assim, pode-se distinguir um poder legitimo ou ilegítimo, segundo a ética iluminista, para aqueles que usam ou não a violência.

Para o Kriele, é típico da estratégia da “libertação” deixar seus fins obscuros e ter objetivos generalizados, e o autor, põe em questão se esse método de libertação da conta de estabelecer os direitos do homem, a divisão de poderes e a democracia, que para ele são elementos fundamentais da libertação pelo direito. Logo, a diferença mais importante entre os dois conceitos não está no método que utilizam, mas sim no fim, sobretudo na representação sobre um corpo social libertado.

                                              A diferença mais importante entre libertação e “libertação” não está no método, mas no fim, portanto, na representação sobre uma sociedade libertada. As diferentes representações que se fazem a respeito do fim, evidentemente, não deixam de repercutir sobre o método, em especial sobre a definição das condições que justificam a violência e também a definição das maneiras lícitas de aplicar a violência. Onde a força visa a instauração de condições mais justas, deve ela mesma submeter-se às normas de justificação. Onde ela visa a libertação do direito, está libertada dessas normas, ela se torna critério moderado. (KRIELE, 1980,p., 22)

Outro fator que constitui o movimento de “ libertação” é o ataque dirigido contra a igualdade democrática. Pois, para o autor, são libertados aqueles indivíduos que não se consideram necessitados de libertação. Trata- se de emancipar o homem. Todavia, enquanto a libertação não ocorre, a liberdade do homem é suprimida em prol de algo que supostamente virá a ser adquirido no futuro. E assim, este conceito deixa subentendido que, por ora, os indivíduos ainda são menores, presumivelmente, existe outros que são maiores. Logo, essa noção ilegítima de “libertação” segrega os homens em duas classes: em menores e em maiores. Para materializar esta ideia, Kriele usa o exemplo do marxismo. Para ele, a libertação da propriedade privada só interessa aos aproveitadores, enquanto que os outros, menores, que sustentam a cadeia de produção, sofrem um processo de manutenção ideológica. Por conseguinte, o homem a ser libertado passa a ser um objeto, em que o interesse age contra a sua própria vontade.

Além disso, o autor ressalta que os “libertadores” estão sempre em busca de abalar os estados constitucionais democráticos e a princípio que lhes serve de base. Para o autor, as instituições jurídicas servem para protegerem a liberdade do espirito humano.

A quintessência da chamada “libertação” consiste exatamente na dominação do espirito. A primeira vista, é verdade, parece tratar-se de questões de propriedade, capitalismo, ou da economia em geral, do mundo do trabalho industrial. Mas isto é um engano. Não há dúvida de que esses problemas também desempenham o seu papel, mas apenas instrumental e não decisivo. Numa camada mais profunda, ao contrário, trata-se da orientação fundamental do espirito humano. Isto aparece claramente sobretudo no exemplo do marxismo. (KRIELE, 1980, p., 30)

Logo, isto se trata absolutamente da dominação racional do homem e não de ajuda em seu favor, como muitos acreditam. Outro ponto que é problemático para Kriele no marxismo é a ideia de libertação da religião. Segundo Marx , o homem não foi libertado da religião, mas recebeu a liberdade dela. No entanto, para o professor alemão, não se trata da libertação da religião, mas de toda e qualquer espécie de metafísica, capaz de dar sentido aos conceitos de direito e justiça.

Ademais, o último elemento apresentado é a libertação da dignidade humana. Segundo o iluminismo, a dignidade humana é o resumo das noções do direito do homem.  A dignidade humana, segundo Kriele, é a noção que subjaz jusnaturalista a toda ética de direito natural, na hipótese naturalmente de que se aceite a validade da ética. Entretanto, quando os libertadores invertem essa ética e reduzem o homem ao conceito de biológico-naturalista, ele é tratado como mero instrumento e não fim último. Assim, quando a natureza humana é compreendida no sentido naturalista e não no sentido idealista, ela é entregue à disposição de dominar a natureza. Em uma análise sociológica, ela se converte em classe dominadora e seu domínio transfigura-se em absoluto.

                                               A escolha dos meios na luta pela “libertação não leva em consideração a dignidade humana e as obrigações morais que dela derivam. Pelo contrário, a “libertação” tende, em última análise, a apagar até a lembrança da noção da dignidade humana em seus fundamentos racionais filosóficos. (KRIELE, 1980, p.,40)

3. Conceito de libertação pelo direito via M.Kriele

Os elementos que constituem a libertação pelo direito estão presentes na base do iluminismo político, sendo eles: os direitos humanos, a divisão de poderes e a democracia. Para o autor, a democracia infere a validade jurídica dos direitos humanos e por consequência disso a divisão de poderes. Pois, apenas quando os direitos humanos são efetivados e garantidos pelo direito, o indivíduo consegue usufruir da segurança que o direito o proporciona e usufrui da liberdade individual. E assim, em sua ausência, não se tornaria sujeito de autodeterminação democrática, mas objeto da heterodeterminação estatal. Sendo assim, o desenvolvimento e evolução dos direitos do homem supõem a democracia, ou seja, oferece liberdade ao povo de poder exercer com autonomia a criação de suas leis vigentes e controlar os três poderes de forma legitima. A divisão de poderes e a democracia são originadas da ideia dos direitos do homem e também encontram seu fim no mesmo ponto de partida, formando assim uma unidade institucional. Logo, quando ocorre a ausência de um dos três elementos da tríade, os outros dois também deixam de existir.

De acordo com o pensamento de Kriele, para a realização dos direitos do homem a divisão de poderes é mais significativa do que o próprio catalogo dos direitos dos homens. Para melhor materializar o que fora afirmado, o autor cita a Constituição Soviética de 1936, a qual tinha um catálogo com liberdades individuais, entretanto, esse direito não era efetivo na prática, pois não havia a divisão de poderes. Em estados onde reinam o totalitarismo dos partidos políticos, as autoridades não estão submetidas ao direito, pois estão acima dele, de forma a poder executa-lo como bem entender.

Por conseguinte, a liberdade do homem jamais poderá ser alterada pela liberdade de governo, que em prol da “libertação” está livre para realizar o que lhe for favorável. Segundo Kriele, o conceito de liberdade está além da autodeterminação democrática de um governo, pois ele é baseado na autodeterminação responsável do homem e das nações.

                                             Para autodeterminação requer-se não só a liberdade e a divisão de poderes, mas também a democracia, inclusive um direito geral e igual de sufrágio, o direito à livre formação de partidos e de uniões e oposição livre, requerem-se também todos os direitos que tornam a colaboração realmente eficiente, como por exemplo, liberdade de reunião, liberdade de imprensa e de opinião. Democracia exige, como pressupostos, os direitos humanos e a divisão de poderes, porque democracia só pode existir, onde os homens deixam valer sua opinião sem medo e com toda segurança. ( KRIELE ,1980, p.,42

Outro fato que deve ser mencionado é o outro conceito de democracia, o qual pode ser encontrado nos estados chamados socialistas e fascistas. Segundo o autor, estes se autodesignam como democráticos, como governo do povo. No entanto, a noção de democracia perde seus contornos, pois, estes estados não consideram a liberdade como fundamento e pressuposto da liberdade, mas sim como um fim de seu poder ilimitado. Assim, a negação da liberdade está a serviço da “libertação”.

Além da tríade citada anteriormente, o Estado constitucional moderno neutro também é outro elemento que constitui a liberdade pelo direito. O Estado é imprescindível para ratificar a paz, liberdade e justiça social. Sendo assim, ele precisa ser indiferente no que diz respeito a religião, filosofias, concepções de mundo e etc, para que se possa manter a paz e o respeito às diferenças. Dessa forma, o Estado se baseia na presunção que todo homem tem direito que respeitem sua dignidade humana.

                                      Já que democracia só pode existir no âmbito da divisão de poderes, direitos humanos, democracia e divisão de poderes formam uma unidade institucional. Esta se mantém e desmorona com a moral política, que se orienta pela ideia da dignidade humana. O problema da razão e possível justificação da noção da dignidade humana é, por conseguinte, o problema pó excelência do nosso destino político. (KRIELE, 1980, p., 46)

Para o iluminismo político, o homem não deve ser entendido como as demais coisas da natureza, pois ele sempre deve ser respeitado como sujeito. Apenas dessa forma ele terá possibilidade de desenvolver de forma igualitária os seus melhores atributos. Para essa corrente de pensamento, todo homem deve ter direito igual à liberdade e à dignidade humana. Desse modo, é preciso que seja ofertada a ele condições favoráveis para tal realização. A liberdade é a natureza do homem, portanto, querer impor a ele o que deve fazer é absolutamente o oposto do que seria a real liberdade. 

À proporção que o homem é livre, seu destino é única e exclusivamente sua responsabilidade. E desta forma, volta-se novamente ao que Kriele define como autodeterminação responsável. Por outro lado, o iluminismo entende que essa liberdade não pode ser ilimitada, pois é necessário que haja uma limitação e condicionamento desta para que a liberdade de todos possa coexistir na sociedade.  

Em conformidade, ele complementa seu argumento em relação à restrição de liberdade com a defesa de que é impossível chegar no consenso geral a respeito de leis que restrinjam a liberdade. Dessa forma, o critério a ser adotado deve ser o da maioria, pois é o que mais se aproxima da universalidade, logo, é o mais próximo que se pode chegar na efetivação da igualdade na política prática.

Segundo o iluminismo político, igualdade significa liberdade e dignidade para todos, sem nenhuma distinção. Para essa corrente ideológica não existe nivelamento entre os homens, pois todos são tratados de forma igual, assim eles têm possibilidades e direitos iguais para sua autodeterminação. Em suma, liberdade no ideal iluminista seria a superação de desigualdades indevidas com o intuito de alcançar a liberdade para todos, não somente para alguns. Porém, é válido ressaltar que os iluministas elaboraram este ideal, que ainda não se materializou na realidade, mas vem ocorrendo de forma gradativa.

No mais, o autor expõe seu ponto de vista sobre o contraste existente entre liberdade e igualdade no mundo moderno. Ele afirma que a defesa do argumento de que liberdade e igualdade são dois pressupostos irreconciliáveis e, portanto, deve-se sempre optar por um deles é um sofisma. Em contrapartida, seu posicionamento, é de que igualdade e liberdade são inseparáveis, ou seja, um pressupõe a existência do outro e não podem existir separadamente.

A primeira compreensão e mais importante do iluminismo político é, antes de tudo, que as exigências de liberdade e igualdade não são exigências contraditórias, mas idênticas. O direito à liberdade é um direito, igual em todo homem. Ou formulando de maneira diferente: Igualdade significa liberdade para todos, não só para alguns. (KRIELE, 1980, p.57).

Simultaneamente, para o autor a igualdade formal é imprescindível para a consumação da liberdade. Contudo, não é o único fator necessário. Ele explica que é necessário que ocorra, pelos mecanismos materiais, a autonomia do indivíduo, através da superação da desigualdade e dependência social.

Por fim, é possível concluir que libertação é um processo longo e árduo que depende da democracia e da igualdade. É preciso que se respeite os três elementos da tríade: democracia, liberdade e divisão de poderes, para a efetivação da liberdade. Em suma, as liberdades civis e políticas são essenciais para a melhoria das condições de vida de um corpo social.

4. Investigação do paradigma libertação do direito\pelo direito no filme “ As sufragistas”.

O autor Martin Kriele apresenta dois conceitos de libertação em seu livro: Libertação do direito e libertação direito, que podem ser usados como base para identificar o critério adotado em alguns acontecimentos históricos na luta por liberdade. Para este artigo, iremos analisar o filme “ As sufragistas “, afim de identificar qual modelo de libertação fora utilizado pelas sufragistas do século XIX\XX representadas na obra.

O movimento sufragista inglês foi marcado por duas fases bem distintas, a qual se distinguiam pela forma como agiam as militantes. Mulheres que lutavam pelo sufrágio universal de forma pacifica e constitucionalista eram conhecidas por Sufragistas e as que agiam de forma mais agressiva eram conhecidas por Sufragetes.

 No início do movimento, final do século XIX, as sufragistas, lutavam por seus direitos de forma estritamente constitucional, e acreditavam que, especificamente as vias legais e a sensibilização pública, seriam capazes de lhes concederem o direito ao voto. No entanto, até a primeira década do século XX a questão do voto feminino não havia evoluído em nenhum ponto no parlamento europeu. No filme, este acontecimento é muito bem representado pela protagonista do longa, que após dar seu depoimento as autoridades da época, o qual não obteve nenhum efeito no que tange o direito ao voto, começa a se sensibilizar para a questões levantadas pela causa.

Após consecutivas frustrações, sufragistas do mundo todo começam a perceber que os apelos às instituições não eram suficientes para surtir efeitos e mudanças concretas. Para o iluminismo político, a realização da libertação é dada por meios das instituições, que por sua vez são responsáveis por fazer o justo. Por outro lado, o filme retrata nitidamente a ineficácia deste conceito quando aplicado à realidade das mulheres do século XIX, as quais lutavam por sua libertação e autonomia. Sendo assim, pode-se concluir que a luta por igualdade e liberdade, retratada no filme, não se tratava mais de uma libertação pelo direito, mas sim do direito. Pois, segundo o autor, o direito como ordem coercitiva heterônoma, está impedido de tornar a moral como obrigatória. Ele deve apenas se restringir a garantir o respeito a todas condições de liberdade.

Assim como Kriele demonstra em sua obra, a diferença entre libertação e “libertação” está no fim, ou seja, na forma como essa representação age sobre essa sociedade “libertada”. Para ele, o ponto crucial é a justificação para o uso da violência, que é muito utilizado pelas sufragetes no filme, cujas militantes usam da força e subversão como um mecanismo para chamar a atenção das autoridades e também um meio de alcançar a libertação que almejavam.

Nos sistemas reacionários, os direitos do homem têm ainda hoje o sentido clássico de o poder estatal depender do direito. Nos Estados, que se encaminham progressivamente para a “libertação”, os direitos do homem têm uma nova função: são um feixe de tarefas que a autoridade deve desempenhar no sentido de promover a “libertação” nos diferentes domínios da economia, da educação, da instrução e do sistema de saúde etc. (KRIELE, 1980, p.29)

Outro fator a ser destacado, é a acentuação de posturas cada vez mais radicas adotadas pelas sufragistas. Kriele, por sua vez, é contrário a este tipo de postura. Para ele o uso da violência não é eficaz, na obtenção de direitos, e, por não ter uma norma que os rege, pode vir a tornar-se extravagante. Em contrapartida, nota-se que o movimento sufragista só consegue chamar a atenção das autoridades após adotar esses mecanismos de luta.  E o Estado, ao perceber a expansão do movimento, por meio de prisões arbitrárias e violência, tenta suprimi-lo.

                                             Todavia, só a partir do momento em que as sufragetes adoptaram estas formas de luta é que a campanha pelo direito de Voto feminino na Grã-Bretanha começou a ser levada a sério pelos políticos e pela imprensa. Foi assim necessária a decidida mobilização e militância femininas em campanhas lideradas por mulheres de fortes convicções políticas, como Emmeline Pankrust (1858-1928) e as filhas, e a campanha audaciosa e violenta que desencadearam entre 1903-1914, para que o Parlamento inglês finalmente reconhecesse o direito das mulheres à plena cidadania, expresso pelo direito de voto, com a aprovação da lei de reforma eleitoral de 1918. (ABREU,Z)

                                  Desse modo, atingir a libertação por meio do direito era, naquele cenário, algo impossível de ser alcançado, uma vez que as instituições vigentes em conjunto com a sociedade europeia não eram capazes de conceder às mulheres o direito ao voto e as demais possibilidades que as permitiriam exercer seu livre desenvolvimento. Segundo Kriele, liberdade e igualdade não podem existir separadas, pois são idênticas. Quando a condição de existência de uma, implica na supressão da outra, acontece o que foi retratado no filme, cuja a falta de reconhecimento da dignidade humana em todos cidadãos, por parte das instituições, deslegitima o direito como única forma de garantir a liberdade a todos.

5. Considerações finais

De acordo com os argumentos apresentados neste artigo, concluiu se que a luta das mulheres britânicas pelo sufrágio feminino, retratado no filme “ As sufragistas”, de acordo com os argumentos apresentados do autor M. Kriele, adotou uma postura de libertação do direito.

6. Referências Bibliográficas

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SANTOS, Alexandre Magno Borges Pereira. Iluminismo político: a libertação do homem pelo Direito. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/23331/iluminismo-politico-a-libertacao-do-homem-pelo-direito>. Acesso em: 04 jun. 2019.

KRIELE, Martin. Libertação e iluminismo político: uma defesa da dignidade do homem. São Paulo: Loyola. 1980

 LUGAR, Nosso. REVOLUÇÃO FRANCESA E O FEMINISMO. Disponível em: <https://feminismo834.wordpress.com/2017/01/15/revolucao-francesa-e-o-feminismo/>. Acesso em: 08 jun. 2019.

 LENZI, Tié. O que é o movimento feminista? Https://www.todapolitica.com/movimento-feminista/. Disponível em: <https://www.todapolitica.com/movimento-feminista/>. Acesso em: 12 jun. 2019

NÓBREGA, Mariana. Quem foram as suffragettes? Disponível em: <http://pandoralivre.com.br/2015/12/25/quem-foram-as-suffragettes/>. Acesso em: 15 jun. 2019.

 FERREIRA JUNIOR, Silvino. Sufragistas voto feminino na inglaterra. Disponível em: <https://www.canallondres.tv/sufragistas-voto-feminino-inglaterra/>. Acesso em: 15 jun. 2019


[1] Graduando do Primeiro Período do Curso de DIREITO da UFOP.

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Este artigo foi um trabalho solicitado por minha professora de sociologia.

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