A terceirização e sua evolução conceitual e legal

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3.    TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Na administração pública, a terceirização já era admitida desde 1967, quando foi editado o Decreto-lei nº 200/67, que assim dispõe no §7º do art. 10:

Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.

O Decreto-lei 200/67 não trata a respeito de terceirização de mão de obra, mas da terceirização de atividade, de serviços (FERRAZ, Luciano. 2019) quando fala de desobrigar-se da realização material de tarefas, as quais não são típicas de órgão ou de entidades administrativas, podendo ser desempenhadas por terceiros, sem infringir a regra constitucional do artigo 37, II, da Constituição Federal.     

A lei que trata da terceirização, lei 6.019/74, não trouxe a previsão de que a mesma se aplique apenas ao setor privado, o que faz com que seja admitida nesse mesmo sentido, a sua aplicação ao setor público.

Da mesma maneira, a súmula 331 do TST, que trata dos aspectos da terceirização, traz nos itens II e V, a implicação da terceirização no âmbito da Administração Pública, senão vejamos:

[...]

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). 

[...]

V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. 

A súmula 331 do TST não poderia prever a matéria de forma distinta, uma vez que o ordenamento constitucional, à luz do art. 37, II, determina que apenas serão investidos em cargos ou empregos públicos aqueles que forem aprovados previamente em concurso público de provas ou provas e títulos, salvo as nomeações para cargos em comissão declarados em lei como sendo de livre nomeação e exoneração.

De acordo com o item II da súmula citada, mesmo havendo terceirização ilícita por parte da administração pública, não há como ficar estabelecido o vínculo de emprego com esta última, dada a redação do inciso II do art. 37 da Constituição Federal que indica que a forma de ingresso em cargos da administração pública se dará com a realização de concurso público.

Ao tratar de responsabilidade do poder público, a lei 8.666/93, em seu art 71, §1º nos diz que:

Art. 71.  O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1o  A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.  

Posteriormente, o STF, na ADC nº 16 declarou a constitucionalidade desse artigo da lei 8.666/93 que excluía qualquer forma de responsabilidade da Administração Pública. No entanto, durante o julgamento, foi abordado que em relação à terceirização, havia a possibilidade de responsabilização, desde que fosse comprovada a falha ou ausência de fiscalização por parte do ente público quanto ao cumprimento de obrigações trabalhistas. (CAIRO JR., 2018, p. 489)

Após essa decisão do STF, o TST incluiu na súmula 331 do TST, V, estabelecendo que a responsabilidade do poder público na terceirização será de forma subsidiária, mas esta ainda dependeria da comprovação da culpa, não podendo ficar comprovada apenas pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada.

As leis 13.429/17 e 13.467/17, que alteraram a lei 6.019/74 não excluíram a Administração Pública quanto à responsabilidade subsidiária da tomadora de serviços. Os artigos 10,§7º e 5º-A,§5º mantiveram o seu teor com base na responsabilidade subsidiária da contratante tanto em relação ao trabalho temporário, quanto à terceirização.

Art. 10.  Qualquer que seja o ramo da empresa tomadora de serviços, não existe vínculo de emprego entre ela e os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário.    (Redação dada pela Lei nº 13.429, de 2017)

[...]

§ 7o  A contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer o trabalho temporário, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.   

Art. 5o-A.  Contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços relacionados a quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal.

[...]

§ 5o  A empresa contratante é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições previdenciárias observará o disposto no art. 31 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991.  

A leitura desses artigos da lei 6.019/74 não menciona se a responsabilidade da contratante depende da sua comprovação de culpa pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da contratada.

Em 21 de setembro de 2018 foi editado o Decreto 9.507, normativa que dispõe sobre a execução indireta, mediante contratação, de serviços da administração pública federal direta, autárquica e fundacional e das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União. Houve aqui a previsão de vedações quanto à terceirização de serviços por parte da Administração Pública. Ficaram definidas vedações para administração direta, autárquica e fundacional de um lado, e vedações outras para empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União.

Conforme artigo 3º desse Decreto, não serão objeto de execução indireta na administração pública federal direta, autárquica e fundacional os serviços:

a.       que envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle; nessa seara estariam abrangidas as atividades fim do Estado.

b.       que sejam considerados estratégicos para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias;

c.       que estejam relacionados ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção; Importante destacar que aqui está incluída a Auditoria Fiscal do Trabalho, uma vez que a mesma age exercendo poder de polícia. Esses são também serviços ligados à atividade fim do Estado.

d.      que sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.

Todos os serviços auxiliares, instrumentais e acessórios aos citados acima poderão ser desempenhados de forma indireta, não sendo permitida a transferência de responsabilidade para a prática de atos administrativos ou a tomada de decisão no lugar do poder público.

Também estão vedadas as prestações de serviço de forma indireta para serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios de fiscalização e consentimento relacionados ao poder de polícia.

No art. 4º do Decreto 9.507/18 estão dispostas as vedações às empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União, quanto aos serviços executados por profissionais com atribuições designadas a integrantes de Plano de Cargos e Salários, salvo se contrariar a eficiência, economicidade e razoabilidade administrativas, como nos casos em que houver:

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a.      temporariedade do serviço; ou

b.      aumento no volume de serviços; ou

c.       atualização de tecnologia ou especialização de serviço, quando foi mais atual e segura, com redução de custos ou implicar menos danos ao meio ambiente; ou

d.      quando houver impossibilidade de competição no mercado ao qual fazem parte.

Ainda conforme o art. 4º, dependendo das especificidades da localidade ou de maior abrangência territorial, poderá haver terceirização quando o serviço for temporário ou tiver um acréscimo no seu volume. Só será permitido aos empregados da contratada a execução dos serviços contratados, independente de semelhança entre as atribuições entre contratante e contratada.

Há a possibilidade de contratação de terceiros para a prestação de serviços em empresas públicas ou sociedades de economia mista controladas pela União nos casos em que os cargos do Plano de Cargos e Salários estiverem extintos ou em processo de extinção. De toda forma, a execução indireta dos serviços será estabelecida pelos Conselhos de Administração ou órgãos equivalentes pertencentes a essas entidades. (§§ 3º e 4º, art 4º, Decreto 9.507/2018)

O decreto 9.507/18 dispôs ainda sobre as formas de fiscalização dos contratos de prestação de serviços pelo poder público, de forma a garantir o adimplemento das obrigações trabalhistas por parte da contratada. É também proibida a pessoalidade e a subordinação direta aos gestores da contratante, o que, mais uma vez, afasta o vínculo empregatício entre empregado e o Poder Público. (art. 7º, IV, Decreto 9.507/2018).

Há cláusulas contratuais obrigatórias, estando aqui incluídas as que exigem da contratada declaração de responsabilidade exclusiva sobre a quitação dos encargos trabalhistas e sociais decorrentes do contrato (art. 8º, I, Decreto 9.507/18), uma condição para o pagamento do contrato à contratada somente após a comprovação de pagamento das obrigações trabalhistas, previdenciárias e depósitos fundiários (recolhimento de FGTS), todos relativos ao pagamento dos empregados que tenham participado da execução dos serviços contratados. (art. 8º, III, Decreto 9.507/18). O descumprimento das obrigações citadas, além do não recolhimento das contribuições sociais, permite à contratante a rescisão unilateral do contrato, de forma escrita, e com aplicação das penalidades cabíveis.

Para a garantia das obrigações trabalhistas de serviços continuados e com exclusividade de mão de obra, o decreto impôs ainda o que pagamento de férias, rescisões, ausências legais, décimo terceiro salário, só serão efetuados pela contratante à contratada a partir da ocorrência do fato gerador, ou seja, não há possibilidade que a contratante efetue o pagamento dessas verbas de forma antecipada. Só haverá pagamento desses valores à contratada quando estiverem implementados todos os requisitos relativos aos direitos dos trabalhadores. (art. 8º, V, alínea a, Decreto 9.507/18).

Dentre as cláusulas contratuais obrigatórias estão ainda a exigência de garantia com a finalidade inclusive de pagamento de obrigações de natureza trabalhista, previdenciária e de recolhimento de FGTS. (art. 8º, VI), e possibilidade de fiscalização quanto ao cumprimento dessas obrigações. Em caso de não comprovação, permite-se à retenção do pagamento da fatura mensal, proporcionalmente aos valores inadimplidos até que a contratada regularize seus débitos (art. 8º, §1º, decreto 9.507/18). Caso a empresa não regularize a situação dentro de 15 (quinze) dias, permite-se à contratante adimplir com essas obrigações efetuando o pagamento direto aos empregados da contratada que tenham participado da prestação dos serviços. (art 8º, §2º, decreto 9.507/18)

É importante destacar que o §4º do art. 8º do decreto 9.507/18 buscou enfatizar a não caracterização do vínculo empregatício quando disse que, mesmo que o contratante (Administração Pública) efetue o pagamento das obrigações diretamente ao trabalhador que prestou os serviços, tal fato não configurará vínculo empregatício ou reconhecimento de responsabilidade decorrente de contrato entre contratante e empregados da contratada. (art. 8º, §4º, Decreto 9.507/18).

A gestão e a fiscalização da execução dos contratos com o Poder Público são de competência do gestor da execução dos contratos, com apoio da fiscalização técnica, administrativa, setorial, pelo público, e se houver necessidade, por um terceiro, ou por uma empresa especializada, no caso de necessidade de apoio especializado, o que deve ser comprovado, conforme se depreende da leitura do art. 11 do Decreto 9.507/18.

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Sobre os autores
marcos ribeiro de morais

Auditor-Fiscal do Trabalho. Formado em Direito pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Pós graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Anhanguera-Uniderp.

Liliane de Souza Souto

Auditora Fiscal do Trabalho. Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Curso de Pós Graduação lato sensu em Direito Processual:grandes transformações pela Universidade do Sul de Santa Catarina; Curso de Pós Graduação Lato Sensu em Direito Material e Processual do Trabalho pela Faculdade de Ensino Superior da Paraíba em convênio com a ESMAT - Escola Superior da Magistratura Trabalhista da Paraíba; e Pós Graduação Lato Sensu em Direito do Trabalho e Processo Trabalhista pelo Centro Universitário Internacional UNINTER.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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